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A nova Venezuela necessita de uma nova comunicação – parte II

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

“Cerco midiático” e síndrome da praça sitiada

Aram Aharonian*
 
20015628_RwaCAOs meios se atem à estratégia midiática internacional: hoje, carentes de credibilidade, reproduzem as “informações” elucubradas no exterior por uma direita com clara intenção política de socavar as instituições, desarticular a integração latino-americana, terminar com o chavismo e, sobretudo, apoderar-se das riquezas naturais venezuelanas.
CNN em espanhol, ABC e El País de Espanha, El Nuevo Herald e Miami, La Nación de Buenos Aires, O Globo do Brasil, entre outros meios, completam isso que se deu por chamar de cerco mediático sobre Venezuela, que no é mais que uma orquestrada, planificada campanha de desqualificação, distorção e manipulação informativa contra Venezuela que logo é amplificada pela imprensa comercial venezuelana.
Também se tem qualificado esse fenômeno como a guerra de Quarta Geração, midiática, dirigida aos sentimentos, às percepções, a criar imaginários coletivos virtuais, afastados das realidades.
Segundo William Lindt, criado do termo, “na guerra de quarta geração (os operadores) são especialistas na manipulação dos meios de comunicação para alterar a opinião nacional e mundial até o ponto da utilização das operações psicológicas que as vezes impede o compromisso das forças de combate … As notícias da televisão podem se converter em uma arma operacional mais poderosa que as divisões blindadas”.
No contexto de guerra e de confronto vale tudo para derrotar o inimigo ou pelo menos controla-lo, isolá-lo. Na Venezuela esta estratégia se encontra com uma espécie de vazio que é uma oposição desarticulada, fragmentada, de facções que afloram como partido político “de unidade” em conjunturas eleitorais, e terminadas as eleições se fragmenta novamente, recorda Stelling.
Agora está fragmentada novamente -uma colcha de retalhos- e desorientada sem Chávez. Ficou sem líder para odiar e lhes é demasiada a ideia de um projeto de país.
Porém nessa armadilha da “guerra”, aqueles que traçaram e dirigiram a comunicação bolivariana se sentiram seduzidos pela teoria da praça sitiada -há que se defender continuamente da eventual agressão imperial-, que bem serviu à Cuba revolucionária nos primeiros anos de bloqueio, uma teoria impensável em um país com centenas de rádios privadas, dezenas de redes televisivas e de jornais diários privados.
Os porta-vozes chavistas se converteram em especialistas em denunciologia, esquecendo-se de construir uma comunicação democrática, em que todos tenham voz e imagem e onde a cidadania participe protagonicamente dos debates sobre a realidade e o futuro do país que se está construindo. É uma estratégia reativa; se responde à agenda do inimigo, e não proativa, onde se desenha a agenda comunicacional e política.

O chavismo: e agora?

Para voltar às origens das críticas pela falta de uma política comunicacional, há que transladar-se a 1999, quando o então ministro da Secretaria da Presidência, Alfredo Peña, terminou com toda a institucionalidade comunicacional do Estado (obviamente para deixar que as grandes empresas mediáticas ditassem as pautas e criassem o imaginário coletivo), com o pretexto de que Chávez “é o melhor comunicador do mundo”, e deixava a descoberto a falta de soberania comunicacional, o que ficou evidente quando do golpe de 2002.
Pouco depois de aprovava a Lei Orgânica de Comunicações, de corte neoliberal, e ainda vigente, mãe dos males que viriam depois com a Lei o Regulamento das emissoras comunitárias.
Ninguém duvida do carisma e qualidade de comunicador de Chávez. Com um vocabulário coloquial, intimista, informal, conseguiu informar (e formar) a uma cidadania que sempre foi considerada objeto (e não sujeito) de políticas. Durante mais de uma década os venezuelanos se inteiravam do que acontecia no país através do “Alô Presidente”, primeiro pelas ondas de rádio e logo também por televisão.
Porém não de compreendeu que etapa histórica estamos transitando, dando fim da etapa da resistência (ao colonialismo cultural) para começar a difícil etapa da construção de novas alternativas, de uma comunicação democrática, de uma sociedade de participação popular, encaminhada ao socialismo.
Construção significa mudar paradigmas, reinventar-nos; sugere processo, avanços e também retrocessos. Porém, o primeiro que devemos democratizar e “cidadanizar” em nossa própria cabeça, reformatar nosso disco rígido, liberar os mil quatrocentos centímetros cúbicos de nosso cérebro.
Nunca foi articulada uma política comunicacional e não faltou algum alto funcionário que se animasse dizer que a melhor política era não ter política. Além disso, qualquer funcionário determina que se interrompa os programas em horários nobres das que deveriam ser televisão pública para que apareça sua imagem gravada em atos protocolares banais.
Nunca se compreendeu que se trava uma guerra cultural, e enquanto se criavam custosíssimos sistemas de televisão, os formatos e conteúdos seguiam os lineamentos do inimigo, a tal ponto que todas as redes televisivas estatais e/ou fomentadas pelo Estado não conseguiram superar os 10% de audiência. Uma televisão pública sem público, uma informação cheia de palavras de ordem só para os convencidos. Um palavreado sem credibilidade (nos últimos dois meses, o novo ministro da área conseguiu ganhar credibilidade com seu profissionalismo e ética).
Os grandes meios empresariais operam com a mentalidade e a sensibilidade das sociedades, tratando de gerar uma nova fonte de história, falsificada, fragmentada, artificial, superficial, descontextualizada. De pouco serve ter centenas de meios populares (mal denominados comunitários) se dependem das pautas oficias (financeiras e programática), quando os meios comerciais monopolizam  a atenção das audiências.
Seguem os paradigmas do inimigo, que fizeram com que se acreditasse que comunicação alternativa era sinônimo  de comunicação marginal. Basta descobrir a que é alternativa: à mensagem única, à imagem única, à tônica hegemônica. E então se compreende que alternativa não se contradiz com massivo. Pode-se massificar uma mensagem  com uma rede de meios populares.
Ter novos meios para repetir as formas inescrupulosas e a informação digitada, que nada tem a ver com o debate democrático, as formas da comunicação hegemônica, é ser cúmplice do inimigo.
Uma televisão “revolucionária”  deveria desenvolver uma nova retórica e uma nova estética de respeito ao público e ao conteúdo que transmite. As vinhetas e os “negros”  comerciais constituem a ideologia do capitalismo. Não se pode difundir uma mensagem socialista (uma mensagem não é a repetição de consignas) com os procedimento do capitalismo.
Apesar de muitas declarações, durante mais de uma década o governo não interveio para conseguir que os meios acatem as disposições constitucionais e legais. Apenas uma medida, a não renovação da concessão à RCTV, enquanto se “negociava” com outros meios privados com generosas e até pródigas pautas publicitárias a certos meios privados, observou Britto García.
O efeito foi que redobraram seus ataques o governo (financiados por ele) e servem de promotores diante dos organismos internacionais das acusações temerárias de falta de liberdade de expressão.
Muitos leram orelhadamente a Gramsci (ou seja, somente a orelha do livro) para dissertar sobre hegemonias. Não obstante, o novo ministro, Ernesto Villegas, disse acertadamente que “falar de uma hegemonia revolucionária ainda é uma utopia”, que que “podemos ter muitos recurso para tratar de travar a batalha, mas ainda existe uma hegemonia cultural capitalista que é visível inclusive em nossos próprios hábitos, em nossos gostos, em nossa maneira de agir, na maneira como olhamos a nossos semelhantes”. Diante dessa hegemonia cultural “a visão da revolução é contra-hegemônica”, disse.
Não está mal para que se comece a encarar com seriedade este tema, o da nova comunicação em tempos de cólera e de nova etapa política no país.

Desafios comunicacionais de curto prazo

Entre os desafios do governo, daqui pra frente, está o de estender ainda mais a participação e o controle popular, debater e priorizar novos objetivos e metas e revitalizar os sonhos coletivos. Em curto prazo deverá mostrar estratégias comunicacionais para a participação popular, as novas realidades politicas na oposição e no chavismo, os temas econômicos e financeiros, sem esquecer os de segurança e da construção do imaginário coletivo no caminho ao socialismo do século XXI.
Participação popular – As próximas eleições, em maio, serão para eleger prefeitos e vereadores. O certo é que até o momento o PSUV abandonou a escolha de seus candidatos através de eleições primárias em cada distrito, mas, a pressão das bases se mantém, na exigência de data para garantir a participação popular para a seleção dos líderes bolivarianos, de forma que esta não se dê por imposição da cúpula. Uma outra decisão deverá ser comunicada à cidadania em geral e ao chavismo em particular.
Como já disse Chávez, a democracia de elites, representativa é contrarrevolucionária. Um governo domando decisões entre quatro paredes, expropriando do povo sua soberania, também é contrarrevolucionário.
A percepção política -A bancada da Unidad Democrática absteve-se de fazer de usurpação e desconhecimento das decisões do TSJ, mas setores mais alinhados às diretivas de Washington- como a midiática Maria Corina Machado, indicada como sucesso de Henrique Capriles, como candidato presidencial -ganham a batalha da fofoca política, desconhecendo a Nicolás Maduro e sonhando com uma “primavera árabe”, tuiteada e televisada.
Somente campanhas proativas e informativas permanentes, com porta-vozes com credibilidade podem romper com a desinformação fofoqueira.

A percepção econômica

Apesar do crescimento econômico e a baixa taxa de desemprego, a escassez e a inflação continuam preocupando. A explicação de que são consequência da especulação não satisfaz nem alcança, se não se busca corrigir a baixa produtividade e definir de alguma forma a pressão empresarial para tirar os lucros para fora do país , que mantém um dólar paralelo estratosférico sem conseguir eliminar a fuga de capitais.
Não bastam as cifras macro para tratar de explicar o que a cidadania apalpa todos os dias. Uma estratégia de informação deveria incluir conteúdos formativos no econômico. O povo merece compreender do que se trata e como se trata.
Hugo Chávez dizia que ele apenas lançou as bases para o socialismo: “Quero construir o edifício (…) convido a todos a que pensemos, desenhemos e ponhamos em prática ações em todos os âmbitos para encher de força transformadora a democracia revolucionária”.
 
*Aram Aharonian é jornalista e docente uruguaio-venezuelano, diretor da revista Questión, fundador de Telesur, diretor do Observatório Latino-americano em Comunicação e Democracia (ULAC)


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
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