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ToggleOs Estados Unidos repetiram, na noite de 30 de março, uma operação de transferência para El Salvador de 17 indivíduos identificados como “criminosos violentos” pertencentes às gangues Trem de Aragua e MS-13, segundo anunciou um dia depois (31) o secretário de Estado estadunidense, Marco Rubio.
Por meio de uma mensagem na rede social X, Rubio qualificou a deportação como uma “exitosa operação antiterrorista” coordenada com “aliados” salvadorenhos para “proteger a cidadania estadunidense”. E acrescentou: “já não poderão aterrorizar nossas comunidades ou nossos cidadãos”.
O presidente salvadorenho, Nayib Bukele, apoiou a ação. Disse que os deportados são “assassinos confirmados e delinquentes de alto perfil”. Bukele recebeu agradecimentos públicos de Rubio por sua “colaboração excepcional” na luta contra o “crime transnacional e o terrorismo”.
Assim, os dois governos apostam em reforçar a narrativa sobre a suposta perigosidade dos deportados. Algo que já foi suficientemente desmentido por dezenas de familiares que, da Venezuela, encabeçam marchas reclamando a liberdade de seus entes queridos. São cerca de 250, segundo estimativas não oficiais.
A prisão CECOT, cenário de uma fraude
Porém, há algo por trás da estratégia de Bukele e Rubio. Diversas vozes denunciam que o salvadorenho, em acordo com a administração Trump, estaria recebendo (e encarcerando no temível Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), na periferia de San Salvador, chefes de gangues que poderiam comprometê-lo seriamente.

É o caso de César Humberto López-Larios, conhecido como “Greñas”, um dos chefes da gangue Mara Salvatrucha (MS-13), que revelou um escândalo de dimensões internacionais ao expor negociações secretas entre o governo de Nayib Bukele e a organização criminosa. Documentos internos e acusações federais dos Estados Unidos indicam que o governo salvadorenho teria pactuado com a gangue uma redução nos homicídios em troca de apoio político.
O acordo à sombra dos cárceres
Segundo uma investigação do meio digital El Faro, desde 2019 — primeiro ano do mandato de Bukele — dois altos funcionários, Osiris Luna (diretor de Prisões) e Carlos Marroquín (responsável pelo Tecido Social), infiltraram-se em centros penitenciários junto com homens encapuzados para se reunir com a “Ranfla” (cúpula da MS-13).

As conversas, documentadas em expedientes do Departamento de Justiça dos EUA, tinham o objetivo de fazer com que a gangue reduzisse os assassinatos públicos para projetar uma imagem de êxito na política de segurança. Em troca, o governo ofereceu benefícios carcerários, incentivos econômicos e, segundo a procuradoria estadunidense, apoio implícito para manter o poder territorial da MS-13.
A gangue também teria apoiado eleitoralmente o partido “Novas Ideias” de Bukele nas eleições legislativas de 2021, que terminaram com uma vitória arrasadora do oficialismo. “A MS-13 concordou em dar apoio político ao partido de Bukele em troca de maiores benefícios”, detalha a acusação formal.
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Sancões dos EUA e resistência à extradição
Em dezembro de 2021, o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros dos EUA (OFAC) sancionou Luna e Marroquín por corrupção, alegando que o governo salvadorenho negociou com a gangue para “criar a percepção de uma redução de homicídios”. As sanções corroboram as acusações de que a drástica queda da violência em El Salvador — bandeira de Bukele — esteve ligada a um pacto oculto.

Apesar das solicitações de extradição de líderes da MS-13 por parte dos EUA durante a administração de Joe Biden, Bukele bloqueou os processos. Isso gerou suspeitas de que o governo busca proteger os chefes da gangue para manter os acordos nos bastidores. O próprio Bukele negou categoricamente as negociações, qualificando-as de “fake news”, ainda que sem abordar as evidências apresentadas.
Deportações e opacidade internacional
O caso também reacende o debate sobre as deportações em massa de membros de gangues dos EUA para El Salvador, um fenômeno que teria fortalecido estruturas como a MS-13. A isso se somam as declarações do procurador venezuelano Tarek William Saab sobre cidadãos de seu país supostamente sequestrados em território salvadorenho, ainda que sem vínculo direto com os alertas da Interpol.
Enquanto isso, a administração de Bukele mantém sua narrativa de “guerra contra as gangues“, apoiada por uma parcela significativa da população. No entanto, as revelações judiciais e jornalísticas levantam questionamentos sobre os métodos por trás da redução da violência e os custos políticos de uma possível negociação clandestina.
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* Imagens da capa:
– Prisioneiros no Cecot: Governo de El Salvador
– Nayib Bukele: Reprodução / X
– Marco Rubio: Gage Skidmore / Flickr