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Foto: Giorgia Meloni / Facebook

3 trilhões de euros: o que explica recorde da dívida pública na Itália?

Em apenas um mês, a dívida pública na Itália aumentou 30 bilhões de euros
Luca Pons
Fanpage.it
Roma

Tradução:

Ana Corbisier

A dívida pública na Itália se aproxima dos 3 trilhões de euros, o nível mais alto já alcançado, e em apenas um mês aumentou 30 bilhões. Assim informou o Banco da Itália em seu último relatório. Nesta situação, o governo de Meloni se prepara para redigir uma lei de orçamentos que vai requerer dezenas de bilhões de euros.

A revista italiana Fan Page-it entrevistou Leonardo Becchetti economista italiano e catedrático de Economia Política na Universidade de Roma para explicar a situação italiana. Confira:

Luca Pons | Professor, em junho, a dívida pública italiana cresceu 30,3 bilhões de euros em relação a maio. Como se pode explicar isto? Há algo que preocupe com uma subida de mais de 30 bilhões de euros em um mês?

Leonardo Becchetti | O grande crescimento mensal da dívida também depende da falta de condições favoráveis (para a dívida pública) que paradoxalmente nos ajudou até agora. Quando a inflação está alta, a relação dívida/PIB, ou os juros da dívida pagadoura ao PIB, cai. Com o retorno da inflação, gerado pelas políticas monetárias restritivas dos bancos centrais, que levam a um aumento das taxas nominais, a taxa de juro real que os governos devem pagar sobre a dívida pública aumentou.

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Então, à medida que os bancos centrais como o BCE sobem os tipos de juros e a inflação cai, a dívida pública a pagar aumenta?

Sim, assim ocorreu no final da inflação na década de 1980, e o golpe é ainda mais forte para os países emergentes que frequentemente têm dívidas denominadas em dólares e sofrem ainda a desvalorização de seu tipo de câmbio devido à fuga de investidores para os ativos financeiros dos países com divisas. De fato, nunca antes tinham ocorrido não pagamentos dos países emergentes como na segunda metade dos anos 1980 e em nossos dias. Uma questão importante sobre a qual deveriam intervir as organizações internacionais.

Voltando à Itália, o aumento da dívida pública nos últimos dois anos (durante o governo de Meloni) deveu-se principalmente aos governos centrais — isto é, aos ministérios, principalmente — enquanto a dívida pública dos governos locais diminuiu. Como interpretar estes dados?

De fato, as administrações locais se veem privadas de recursos, ou sofreram medidas nos últimos anos que as drenaram ainda mais. O controle dos gastos dos ministérios centrais é muito importante e corre mais risco de ser capturado pela classe política. Por isso é importante a cultura da avaliação de impacto do gasto, para verificar como é possível torná-lo mais produtivo e social assim como ambientalmente útil.

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Com este último aumento, a dívida pública italiana alcança um valor de 2,949 trilhões de euros, uma cifra “recorde”. Por que é um problema para um país ter uma dívida pública tão alta?

A dívida pública deve ser relacionada ao PIB, isto é, com a capacidade do país de gerar valor econômico que possa pagar os juros desta dívida. A relação entre as entradas e as saídas nos diz se, dinamicamente, a dívida tende a subir ou a baixar. A cifra absoluta em si mesma não tem muito sentido se não utilizarmos estes ratios (ainda que limites psicológicos como os 3 trilhões de euros possam ser impressionantes).

Itália, mais próxima da Grécia

Portanto, deveríamos prestar atenção na relação dívida/PIB, mais do que na cifra absoluta? A Itália está 140% mais próxima da segunda mais alta da EU; a maior é a da Grécia, mas no último ano baixou ligeiramente (como aconteceu no resto da Europa).

Isso também deve ser considerado, sim. É à dinâmica destas relações que reagem os mercados financeiros. Ao que na realidade estão reagindo é a uma mescla da tendência à variação da relação dívida/PIB, e sua expectativa do “ativismo” do Banco Central para impedir qualquer ataque especulativo. As duas coisas devem andar juntas.

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Como se moveu o governo de Meloni nos últimos dois anos em relação à dívida pública?

Teve que apertar o cinto e isto provocou muito descontentamento social. É a mecânica habitual da comunicação política que quando se está na oposição, forte em seu desapego da realidade e da verificação do comportamento nos fatos, faz promessas que são contas sem o anfitrião, e depois, quando está no governo, tem que se chocar com a realidade. O problema é que os cidadãos e eleitores são vítimas das comunicações por meio da mídia, de aspectos emotivos da política que pensam pouco em cifras e fatos.

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A partir de agosto, o executivo terá que realizar os trabalhos do orçamento para 2025; o alto débito poderia pôr em dificuldade o governo? Segundo as indiscrições fala-se de projetos da ordem de 20-25 bilhões de euros, que terão que ser financiados respeitando as novas regras europeias.

No debate sobre a dívida, nos meios de comunicação e na opinião pública, sempre gritamos que o cobertor fica curto (o gasto público não chega para que os gastos correntes sejam financiados em áreas como a saúde, a educação, a manutenção de estradas, etc.). E em parte está certo. Penso sobretudo na saúde, onde as necessidades de uma população envelhecida, em um contexto de avanços científicos que fazem com que as enfermidades sejam cada vez mais tratáveis e que aumentem os anos de cronicidade, fazendo com que os custos com saúde sejam potencialmente explosivos. Mas depois nos esquecemos de que junto ao cobertor curto temos muitos edredons no armário.

Dívida pública x investimento público

Como assim?

Trata-se dos fundos europeus, várias dezenas de bilhões que podem ativar bons gastos e projetos que fazem crescer o país e infraestruturas materiais e sociais. Mas para utilizá-los necessitamos de ideias, capacidade de projeto e nem sempre somos capazes disso. Este é um âmbito em que podemos melhorar sem nenhuma restrição orçamentária. Na era do PNRR (Plano Nacional de Recuperação e Resiliência), por exemplo, tínhamos mais recursos nesta frente do que capacidade de gastá-los. Claro, falta toda a parte necessária dos gastos correntes (financiamento da educação e dos hospitais), que não é um investimento em infraestrutura e que temos que conseguir nós mesmos. E os fundos europeus quase sempre são cofinanciados, e, portanto, também deixam um rastro em nosso orçamento.

Se a dívida continua aumentando, existe o risco de uma nova crise financeira?

O perigo da situação depende em grande parte do papel do BCE (Banco Central europeu). Que, com sua autoridade e as políticas de intervenção desenvolvidas inclusive depois do “whatever it takes” de Draghi, sabe que tem o grande poder de intervir com liquidez para evitar as crises de dívida pública dos países membros nos mercados financeiros. É nossa garantia real, mas é um poder que é preciso utilizar com cautela porque está em jogo a própria reputação do BCE. Devemos ganhar sua confiança e dar sinais de que estamos orientados para uma dinâmica positiva de pagamento gradual da dívida.

O próprio documento do Banco da Itália indica que houve um aumento dos ingressos fiscais em comparação a 2023. Isto é um sinal positivo?

Sem dúvida, um fato importante e, em certo sentido, esperado, porque os avanços no controle da informação econômica criam necessariamente as condições para tornar menos fácil a evasão. No entanto, se o aumento dos ingressos fiscais não consegue conter um aumento no gasto em juros da dívida passada (que, certamente, está crescendo), então não serve para conter e reduzir a dinâmica da relação dívida/PIB.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Luca Pons Jornalista em Fanpage.it

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