Há exatos 43 anos, no dia 11 de fevereiro de 1979, a Revolução Iraniana chegou ao seu ápice: a monarquia do Xá Mohammad Reza Pahlavi era derrubada, dando início, assim, à República Islâmica do Irã.
Mesmo que se tenha várias críticas ao modelo de regime liderado pelos Aitolás, é fato que o processo revolucionário iraniano foi um dos mais impactantes no mundo, com suas consequências visíveis até hoje, principalmente no campo da geopolítica contemporânea.Nesse sentido, decidimos resgatar trechos do editorial da edição de março de 1979 da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. O edital, no caso, dá ênfase à derrota do imperialismo norte-americano nessa região do Oriente Médio. Segue abaixo o texto:
A rebeldia do povo iraniano derrotou de um mesmo golpe o despotismo monárquico e o imperialismo norte-americano. Poucos acontecimentos contemporâneos se podem comparar a este pela sua projeção internacional: a correlação de forças nesta insurreição provocou mudanças, o que equivale dizer que foi modificada a correlação de forças no Mundo.
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A revolução Iraniana chegou ao seu ápice no dia 11 de fevereiro de 1979
Tanto a localização geográfica do Irão quanto a sua riqueza petrolífera, obrigaram o imperialismo norte-americano a designá-lo como o país chave da área, e portanto, a convertê-lo em gendarme dos seus vizinhos. Era talvez do ponto de vista dos Estados Unidos o mais importante dos seus gendarmes, a quem competia custodiar o Golfo Arábico, por onde passa a maior parte das exportações mundiais de petróleo.
A partir do golpe de Estado organizado pela CIA que derrubou, em 1953, o governo nacionalista de Mossadegh e repôs no trono Mohammed Reza Palehvi, estavam reunidas as condições para a realização do desígnio norte-americano.
Durante um quarto de século pretendeu-se fazer a conversão de um país subdesenvolvido e atrasado – não obstante, a sua antiga e rica cultura -, em uma potência dotada do exército mais poderoso e moderno do Terceiro Mundo, em uma colónia próspera, industrializada, mas dependente, e em um grande consumidor da indústria, da tecnologia e da cultura ocidental. Seria em suma, o paradigma de um país periférico que mostraria um modelo de integração no sistema transnacional, como se não existisse uma contradição radical entre o capitalismo central e as nações dependentes. Varrida agora a monarquia e o seu modelo pelo furor do povo, espanta que, ignorantes da realidade iraniana, os sucessivos governos norte-americanos, não obstante, contarem com refinados organismos de espionagem, tenham apostado tão a fundo na carta do Rei dos Reis.
No entanto, foi isso que se passou. Os sonhos de grandeza de Palehvi não se concretizaram. Mas criou-se um exército potentíssimo ao qual confiaram armas de incalculável valor para o imperialismo. E mais: esboçou-se toda a estratégia da área com base na presença norte-americana no Irão, como se se acreditasse que o trono do pavão real seria eterno. Daí o significado que esta mudança revolucionária traz à política imperialista. Com a queda do Xá desaparece um aliado insubstituível, a quem Carter ofereceu a sua campanha dos Direitos Humanos em troca de subserviência.
E os Estados Unidos procuram com métodos semelhantes aos utilizados no Irão, sustentar os seus maiores aliados sobreviventes da região: o Egipto de Anwar Sadat e a Arábia Saudita do Rei Khaled. ·Não conseguirá deste modo poupar a vida destes regimes condenados à morte pelo povo, e pela História; o imperialismo é incapaz de utilizar outros métodos. Aliás, nada poderá preencher o vazio deixado pela monarquia persa. Encarar este assunto somente em relação ao jogo das grandes potências, como faz a imprensa “ocidental” é ver só um aspecto da mudança realizada. Sua verdadeira globalidade apresenta-se quando vista onde foi, gerada, ou seja, nesta parte do Terceiro Mundo.
Em primeiro lugar, há que ressaltar que mais um povo submetido livrou-se da monarquia, a forma mais retrógrada de organização estatal, para implantar um sistema republicano. Ou seja, trata-se de uma mudança histórica por si mesma, verificada na região do mundo subdesenvolvido onde ainda subsiste um conjunto de monarquias ou principados (e era a coroa persa a mais poderosa entre todas). O exemplo iraniano é pois um vigoroso estímulo para as forças republicanas latentes.
Segundo: o Irão empreende o caminho da libertação econômica, ou seja, começa a luta contra a dependência. Trata-se de reorganizar toda uma economia até hoje associada ao capitalismo central. Isso significará a recuperação dos recursos naturais mediante nacionalizações, e a conservação dos mesmos.
Em relação ao sistema político, o procedimento anunciado consistirá em um referendum popular que propõe a consagração da República Islâmica, que foi já plebiscitada em gigantescas manifestações convocadas pelo movimento religioso.
Tratar-se-á de um modelo inédito, no qual haverá, provavelmente, alguns pontos de contato com o socialismo islâmico. Há, no entanto, quem tema que a instituição teocrática traga sérias restrições às liberdades sociais e democráticas.
Espera-se, todavia, que a sabedoria do povo iraniano e dos seus dirigentes apresentem como resultado uma criação política, que tanto espelhe as tradições e a cultura nacional, como consinta a participação nas decisões de todos aqueles que conseguiram a libertação. Há muitos pontos de vista comuns, como também divergências significativas. Se as primeiras prevalecerem, dando continuidade à unidade, a reconstrução nacional estará assegurada.
É certo que o movimento religioso foi o componente principal da luta e que, em particular, o “ayatollah” Khomeini opôs-se desde o começo, com firmeza e coerência excepcionais, à dinastia Palehvi. Mas, por outro lado, essa oposição não teria sido possível sem a vigorosa participação da esquerda e do movimento operário, que foram os mais selvaticamente golpeados pela repressão do Xá. Em consequência, a eles também deverá ser reconhecida, não só a liberdade política, mas também a sua contribuição na dura empresa da reconstrução.
É nestes sectores que se encontram os quadros progressistas que poderão preencher os cargos técnicos para administrar o país e concretizar as mudanças prometidas. Sem eles, o movimento religioso teria que valer-se dos quadros que serviram o Xá, que foram por sua vez formados na mentalidade do velho regime, e condicionaram ou desviaram toda a tentativa de mudança das estruturas. A unidade, por difícil que seja, é pois um requisito iniludível para a realização da Revolução Iraniana.
‘’O novo Irão’’, editorial da Cadernos do Terceiro Mundo
Texto publicado originalmente na página Revista Cadernos do Terceiro Mundo – Acervo Digitalizado
TERCEIRO MUNDO. Lisboa: Tricontinental Editora, Lda., ano 2, n. 12, mar. 1979, p. 4-8
Link: http://ctm.im.ufrrj.br/…/13683556301401186430960951…/…
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