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Murais da Revolução dos Cravos, 1977 (Foto: Eric Huybrechts / Flickr)

50 anos da Revolução dos Cravos: a faísca africana, os inimigos da mudança e a força operária

Última revolução na Europa ocidental, movimento nasceu em abril de 1974 para dar fim à mais longa ditadura europeia
Esquerda Diário
Buenos Aires

Tradução:

Guilherme Ribeiro

Portugal vivia uma longa ditadura de quase 50 anos, a mais longa da Europa.

Para manter seu domínio, Portugal destina cada vez mais recursos materiais e humanos nessa guerra colonial, onde havia guerrilhas com apoio popular que desafiavam o exército opressor. Mais de 40% do orçamento nacional era militar, com 150 mil soldados destinados à África.

Os jovens portugueses tinham que cumprir um serviço militar obrigatório de quatro anos, dos quais dois deveriam ser em uma das colônias africanas.

Em Angola e Moçambique, desencadeiam-se processos revolucionários e anticoloniais que impactam a metrópole. O Exército está em crise, divide-se, um setor majoritário quer sair da guerra e forma o MFA (Movimento das Forças Armadas) e prepara um golpe contra Caetano, o ditador que sucedera a Salazar.

Como se unem as flores e os tanques?

Imagem: Henrique José Teixeira Matos

Em 25 de abril de 1974, o Exército destitui Caetano, leva os tanques para a rua e pede à população que fique em casa. Mas as pessoas saem em massa para as ruas e se juntam à festa pelo fim da ditadura. Alguém coloca cravos nas bocas dos canhões dos tanques e batiza a Revolução. E essas são as imagens que se tornaram conhecidas em todo o mundo, a dos tanques e dos militares apoiados pelo povo. Mas desde o mesmo dia 25, os protagonistas passam a ser os trabalhadores e setores médios de todo o país. Começava a última Revolução Operária na Europa ocidental. A nova classe trabalhadora emergiu de forma explosiva após anos de ditadura e baixos salários.

Em 1º de maio, menos de uma semana são cerca de 500 mil pessoas que marcham em Lisboa e outras grandes cidades. Os trabalhadores querem liberdade no país e em seus trabalhos, não tinham nem sindicatos de indústria. Eles se organizam, ocupam empresas, fazem assembleias, elegem seus representantes, surgem como cogumelos as CT (comissões de trabalhadores), calcula-se que foram cerca de 4 mil em todo o país, e em particular nas empresas grandes. O processo não se detém, formam-se comitês de vizinhos e depois de soldados. Durante um ano e meio, vive-se uma situação revolucionária.

As imagens e fotografias de operários votando em assembleias massivas, vizinhas e vizinhos percorrendo as ruas de seus bairros ou soldados com fuzis, se tornam virais. O fantasma da revolução provoca o temor da burguesia. A reação busca contra-atacar e em 11 de março de 1975 a tentativa de um golpe direitista é frustrada. Os trabalhadores passam à ofensiva, multiplicam-se as ocupações de fábricas, os camponeses reivindicam terras, consegue-se estatizar centenas de empresas e outras tantas são intervencionadas, envolvendo mais de 300 mil trabalhadores. Há um duplo poder nas fábricas e nos bairros.

O que significa duplo poder? Que esses organismos criados pelos trabalhadores tinham poder de decisão e eram contrapostos às instituições existentes, inclusive disputavam representatividade com elas. No final do processo, com a crise do MFA, também surgem os comitês de soldados e o duplo poder chega às forças armadas. No entanto, esse duplo poder não se aprofunda nem se centraliza. Cada um exerce seu poder ou controle em sua empresa, bairro ou quartel. Diferente do que foi na Revolução russa, onde organismos similares, os soviéticos, se unem, se coordenam e se centralizam democraticamente.

O que impediu a coordenação desses bairros e empresas sob controle operário?

Porque tanto o Partido Comunista como o Partido Socialista, que eram majoritários na classe trabalhadora, se opuseram. Eles freavam a formação de organismos de autodeterminação e, quando surgiam desvinculados deles, tentavam controlá-los. É que ambos os partidos eram inimigos da revolução que estava em curso. Eram defensores da continuidade capitalista e só queriam reformas, melhorias menores, mas não que os trabalhadores tomassem o poder político. Eles faziam parte dos diferentes governos de colaboração, do que se chama de Frente Popular, onde os partidos operários se integram aos partidos burgueses para governar juntos administrando o estado capitalista.

Após a tentativa frustrada de golpe em 11 de março, a revolução deu um salto pela ação decidida dos trabalhadores. Os reformistas freavam o processo, mas não podiam detê-lo.

Após o golpe de Estado de novembro de 1975, houve uma desaceleração das mobilizações, iniciando-se um processo de institucionalização de todos os organismos. Ou seja, um processo de integração e subordinação, direta ou indireta, ao Estado. A contrarrevolução democrática, ou a transição, se impõe. Esse “modelo português” foi aplicado em muitos países para pactuar a transição de governos militares para governos constitucionais, como ocorreu em nosso país.

Izquierda Diário


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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