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Imagem: Arquivo José Carlos Maríategui / Flickr

94 anos sem Mariátegui, fonte eterna para entender as cicatrizes do Peru e da América Latina

Cabe a todos nós compreender o sentido essencial de sua mensagem, que nos foi transmitida em um dos períodos mais turbulentos da história peruana
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul
Lima

Tradução:

Beatriz Cannabrava

De modo geral, sabe-se que o termo “tempos de fronda” refere-se a um período conturbado na história da França, anos em que imperava a vontade de Ana da Áustria (1601-1666) instalada em Versalhes e Luís XIV (1638-1715), quando ainda era criança. No entanto, para nós, a expressão tem outro sentido.

Aqui, no Peru, ela aparece de outra forma porque se refere a contrastes e derrotas, a retrocessos e retiradas, nos quais surgem novamente diferenças no campo popular; e a direita bate palmas, atiçando uns contra os outros. Vale então evocar [José Carlos] Mariátegui (1894-1930), que no último 16 de abril completou 94 anos de seu encontro com a história. 

Foi no dia 16 de abril de 1930, quando o regime de Augusto B. Leguía y Salcedo (1863-1932) vivia seus últimos momentos, que se apagou a vida da [revista] Amauta, considerada por Henry Barbusse (1873-1935) “a nova luz da América”.

Muito se tem escrito acerca dele, de sua vida e de sua obra. E muito mais haverá que escrever no futuro. É que seu legado constitui uma mina infindável não apenas para os seus seguidores, mas também para todos que buscam conhecer honestamente a natureza dos problemas que atormentam o Peru e a América Latina nestes anos de prolongada crise de decomposição do sistema de imperativa dominação.

Cabe a todos nós compreender o sentido essencial de sua mensagem, que nos foi transmitida em um dos períodos mais turbulentos da história nacional, quando o Peru estava em transição da antiga ordem semifeudal e semicolonial para uma sociedade capitalista incipiente e ainda pouco desenvolvida.

Que a vida e a obra de José Carlos despertam crescente interesse entre nós, se acredita com as publicações recentes. Nos últimos meses, saíram à luz três livros de inegável importância. Eles constituem testemunho vivo do interesse que desperta sua mensagem criadora e revolucionária.

Por la creación heroica” é intitulado um dossiê de imagens e artigos sistematizados e compilados por Luis Gárate Sánchez, diretor de “Comunicambio” e jornalista que integra uma nova geração de mariateguistas. Ali são abordadas as múltiplas facetas do Amauta: Político, Pensador, Jornalista, Escritor, Ensaísta, Homem de Cultura; e é delineado seu pensamento em temas variados que vão desde sua mensagem aos trabalhadores até as tarefas da juventude e o papel das mulheres. O material está acompanhado por numerosas e belas fotografias coloridas que enfeitam uma edição sem precedentes na vida nacional.

Sembrador de ideas” é uma edição feita na Espanha por José Octavio Toledo-Alcalde, um peruano radicado na Península Ibérica com amplos antecedentes intelectuais. No livro, que acompanha mais de 60 fotos, é recolhido um prolixo estudo referente ao Amauta e sua visão dos assuntos de gênero, tema que, fundamentalmente, foi omitido por estudiosos e historiadores. 

Na verdade, apenas María Wiesse, Angela Ramos, Sara Beatriz Guardia e Eloísa Arroyo e, mais recentemente, Aida García Naranjo, abordaram as concepções de Mariátegui referentes ao mundo feminino. Para os homens, o tema foi uma espécie de “proibido”. Toledo o assume plenamente.

Mariátegui y Gamaliel Churata en el siglo XX“: um trabalho referente à sua correspondência, literatura e militância, é abordado por José Luis Ayala, o poeta e frequente estudioso do Amauta. A edição, feita pela Universidade Nacional do Altiplano, recolhe sobretudo a correspondência entre estas duas vigorosas personalidades peruanas do século XX, e é acompanhada por 28 fotografias da época. Reflete vividamente o interesse que o autor dos “7 Ensaios” teve pelo domínio do sul andino.

Como se pode apreciar, há sempre um mundo de elementos que ajudam a apreciar o legado do Amauta. É indispensável estudá-lo, em vez de ter dificuldades tentando “acomodar” as concepções de Mariátegui às nossas próprias ideias ou convicções pessoais.

Trata-se de julgar o Amauta pelo que foi em vida e não inventar cenários inexistentes. José Carlos Mariátegui foi um comunista clássico que apoiou sem reservas a Revolução Russa de 1917, que admirou sem reservas o Partido Bolchevique e seus homens, que mostrou quase devoção por Lênin e seu legado histórico. Ninguém poderá mostrar jamais um só texto em que reflita dúvida, suspeição, receio ou rejeição de Mariátegui em relação a Moscou. Supor que foi crítico de Stálin, ou seguidor incondicional de Trotsky, é tão absurdo como crer que foi Maoísta, adversário de Hugo Chávez ou inimigo do “foquismo”. Absolutamente ninguém pode acreditar nisso. Em todos estes casos, trata-se de pessoas ou fenômenos que surgiram em outro momento, viveram em outros tempos e épocas. A eles, o Amauta não chegaria a conhecer, nem avaliar.

Estes tempos nos quais se põe novamente de moda julgar as pessoas pelo que alguma vez disseram, ou pela filiação que se atribui aos seus pais, ou pelo que gostaríamos que alguém tivesse dito, não ajudam o movimento popular.

Diante deles, é necessário levantar bandeiras de otimismo, de unidade e de luta, recolher o legado de Mariátegui e assumi-lo como ferramenta da vitória.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Revisão: Carolina Ferreira


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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