A via popular contra o contrato minerário
A rápida sanção da Lei 406, de 20 de outubro de 2023, foi a chama que incendiou o campo; e a alocução do presidente em 24 de outubro foi uma tentativa de apagá-la com gasolina. As demandas dos movimentos sociais contra a atividade mineradora no país espalharam-se como pólvora. Embora as manifestações tenham começado contra a assinatura da Lei 406, não sabemos onde terminarão. Já não se trata unicamente do contrato minerário.
Pensávamos que as manifestações de julho do ano passado tinham sido grandes, mas as atuais são maiores: milhares de pessoas protestam nas ruas a cada dia. Aguçaram-se as contradições e diversos setores da sociedade compartilham o amargo sentimento de repúdio ao contrato e ao Governo. Tenha-se em conta que esta luta é contra um Governo, os partidos tradicionais e uma transnacional.
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Os grupos de poder econômicos e partidos tradicionais não propõem nenhuma alternativa. Estão focados em seus interesses: ganhar as próximas eleições e manter a taxa de lucro. O artigo 2 da Constituição Política da República do Panamá reza: “O Poder Público só emana do povo”. Com este critério, então, nos perguntamos qual é a via popular para sair da atual crise, detonada pela veloz aprovação da Lei 406.
A partir da intervenção do presidente aumentaram as detenções e o confronto nas ruas. E mais, diferentemente das revoltas do ano passado, onde o diálogo foi a saída, nestas circunstâncias seria reverter a Lei em questão e estabelecer uma moratória total de mineração.
Aos defensores da mineração no Panamá só falta dizer que a mineração metálica a céu aberto é adubo orgânico para o solo. Há suficientes razões científicas para opor-se a uma atividade desse tipo por suas consequências negativas. A Fundação Ciência no Panamá indicou várias, como: contaminação do ar, águas próximas e subterrâneas, porcentagens elevadas de metais pesados nas pessoas, ameaça à soberania alimentar, disrupção social, entre outras afecções.
Resumen Latinoamericano
Não se está discutindo tecnicamente o contrato em questão: o que está na mesa é sua rejeição total
O Governo não pode subestimar a capacidade auto-organizativa do povo, de organização popular fruto de não se aguentar mais os partidos tradicionais e da desconfiança das instituições públicas para dirimir as diferenças por meio de processos democráticos.
Aferrar-se ao discurso do poder: o direito ao livre trânsito e a propriedade privada acima de qualquer outro direito, dá pouca ou nenhuma margem de manobra ao Governo que, em lugar de resolver o problema o agrava com ameaças, repressão e criminalização do legítimo protesto social.
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Em julho do ano passado, depois de múltiplas manifestações pelas deterioradas condições de vida, fruto do alto custo do combustível e da pouca capacidade para resolver as demandas do povo, as alianças populares do país puderam sentar em uma mesma mesa com o Executivo.
Depois de várias reuniões chegou-se a vários acordos que, no entanto, não foram efetivos no tempo. Hoje estamos analogamente nas mesmas condições, com a agravante da Lei sancionada e no Diário Oficial. O povo nem esquece nem é bobo. Agora tem como antecedente a fatídica mesa única de diálogo.
Tenhamos em conta que não se está discutindo tecnicamente o contrato em questão. O que está na mesa é sua rejeição total. O atual partido governante carregará o habitual desgaste de governar e das maiores manifestações das últimas décadas. As pesquisas indicam que está em baixa e só um milagre poderá garantir-lhes uma vitória nas próximas eleições. Quem tem maior possibilidade de vencer a disputa eleitoral bem próxima, não se diferencia ideologicamente do Governo atual.
Que opções restam? Por um lado, fala-se de derrogação e, por outro, declarar inconstitucional a Lei #406. Além disso, falou-se em um referendo nacional para decidir o futuro da mineração no Panamá, e está em discussão uma moratória total de mineração metálica a céu aberto.
Nos três cenários (derrogação, inconstitucionalidade, referendo) é importante a pressão social nas ruas. Quando o povo desperta, como dizem os zapatistas: “o povo manda e o Governo obedece”.
Abdiel Rodríguez Reyes | Resumen Latinoamericano
Tradução: Ana Corbisier
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