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ToggleA comemoração do Dia da República foi marcada por manifestações de políticos, policiais, empresários e defensores da volta da ditadura militar, em apoio a Bolsonaro. Chama atenção o fato de os manifestantes – financiados por empresários que estão sendo mapeados por Ministério Público e Supremo Tribunal Federal – ocuparem a frente de instalações militares, como o Quartel General do Exército, em Brasília, e o Comando Militar do Sudeste, em São Paulo, entre outros redutos militares.
A função do exército é zelar pelo respeito à Constituição e à decisão soberana do povo expressa no pleito. As Forças Armadas, FA, não esboçaram qualquer reação aos atos. E justamente quando o PT e sua coalizão se articulam para montar a equipe de governo.
Já começam a ser especulados os primeiros nomes para composição do ‘Gabinete Militar’ do quarto governo do PT. Para entender o terreno movediço do processo em questão, conversei com André Martin, professor de Geopolítica da USP – especialista nas relações das Forças Armadas com a sociedade civil – para quem tal questão remete ao que foi definido por FHC em seu governo: a submissão dos chefes militares a um comandante civil.
Eis a origem da revolta dos militares. Os milicos estariam preparando a volta ao poder desde Fernando Henrique. Em Bolsonaro, encontram uma oportunidade. Segundo ele, os fardados foram atrás dessa oportunidade e “se deram muito mal”. Porque? “Em vez de as Forças Armadas controlarem Bolsonaro, o ex-capitão é que controlou a tropa. Usou e desmoralizou as Forças Armadas, em todos os sentidos.”
É ingenuidade pensar que militares retornaram à política apenas após eleição de Bolsonaro
Para ele, Exército não pode ser um partido, o que não quer dizer que os militares não possam discutir política. “Agora, as Forças Armadas virarem partido é inadmissível”. O docente defende a democratização das Forças Armadas, o que implicaria em ter o PT dentro delas também: “Eles são um reflexo da sociedade, ué”. Para André, a farda não pode ser um espelho distorcido da sociedade, onde não haja esquerda. Isso é uma “coisa estúpida que as FA terão de enfrentar”. Em sua visão, ou as Forças Armadas se democratizam, ou teremos problemas daqui a pouco. Problema difícil, mais um dos tantos a serem enfrentados.
Confira a entrevista completa a seguir.
Ricardo Stuckert/PR
André Martin: Infelizmente o exército está contaminado pelo bolsonarismo de ponta a ponta; isso terá de ser enfrentado
Facção Armada
Amaro Augusto Dornelles – E quem vai compor o ‘gabinete militar’ do PT e aliados?
André Martin – Lula está diante de uma situação complicada. Ele tem que recompor uma relação que até foi tranquila num período dele como presidente, mas foi se deteriorando. Sabemos que Bolsonaro quis transformar os militares numa espécie de facção armada de seu grupo político. Temos de desmontar isso. Existem três cargos-chave que Bolsonaro procurou dominar para transmitir sua influência em relação à força. Então, como agora se trata de desfazer esse mal entendido – que as Forças Armadas pertencem ao governo – é preciso reforçar: não, as Forças Armadas são do Estado.
Qual é o primeiro cargo em importância para os fardados?
É o de Comandante do Exército. Ele representa o cargo mais importante, carreira gira em torno de competências, a história de cada um. É uma escolha que deve ser muito bem feita. Temos três generais mais cotados para o próximo governo.
A escolha de militares pra compor governos eleitos seguiu sempre leis e rituais. Mas o governo foi aparelhado. Inclusive com militares na administração pública. Tais preceitos serão seguidos mesmo agora com um desafio tão grande de fazer valer a lei e a ética?
Vou dar o exemplo da universidade, que é muito parecida, quase a mesma coisa. Cada um tem sua carreira e de repente tem uma disputa para reitor. É a mesma coisa nas Forças Armadas. Veja bem, qual foi a tradição rompida pelo José Serra aqui em SP? Os professores elegem uma lista tríplice. Quem encabeçava a lista era o escolhido pelo governador, com um gesto de acolhida da maioria da classe universitária.
Evitar Atritos
No caso dos militares é a mesma coisa. Por isso há uma fila, o mais antigo dos generais é o mais cotado pelo tempo de casa. Seria o caso do general Júlio César de Almeida, nascido em Cuiabá, da área de engenharia. Entre os generais, é o que teria menos oposição. É o nome que está bem cotado. Dos outros dois generais que estão disputando, dentro do que foi avaliado até agora, anunciado pela imprensa, aparece o nome de Valério Stumpf. Realmente ele é muito competente, bom currículo internacional. Pode-se dizer que ele seria o nome mais acadêmico, com grande gabarito mundial. Nome forte, sem dúvida.
E finalmente, Tomás Miguel também tem força, é o atual comandante do Sudeste, com boa base de apoio. Agora, entre os três precisa ver o que se definirá como prioritário nesse momento para as Forças Armadas. Pra mim é preciso evitar atritos, se possível. Então, se a prática do Exército é a escolha do mais antigo, o mais indicado seria o general Júlio César. Não tem muito o que discutir.
Qual é o histórico desse general, serviços prestados à nação? Participou de algum governo? Qual a postura dessa trinca em relação a Bolsonaro?
É difícil dizer porque há dois outros nomes cogitados que atuam no Nordeste mas têm menos tempo de caserna. Avalia-se que são menos competitivos. E desses três o Valério Stumpf esteve no governo desde a gestão Fernando Henrique. Foi chefe do Gabinete de Segurança Institucional do Lula no primeiro mandato. É uma pessoa que tem trânsito.
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Na verdade, os três candidatos tem bom trânsito. Mas há um nome que está muito ligado ao general Villas Boas, só que esse é mais queimado. Trata-se do general Tomás Miguel Miné Paiva, ele era chefe de gabinete do general Villas Boas. Em 2018, o Superior Tribunal Federal iria decidir se Lula poderia ser candidato. Teve a votação, 6×5, contra Lula. E o Twitter do general Villas Boas foi considerado peça-chave para pelo menos dois votos contra Lula. O chefe de gabinete de Villas Boas era justamente o general Tomás Miguel. Isso faz com que algumas pessoas, à esquerda, com alta dose de razão, tenham alguma restrição em relação a ele. Afinal, Villas Boas se posicionou francamente a favor de Bolsonaro.
Exército Contaminado
Inclusive agora, dizendo que o Brasil vai entrar em colapso. Ele mostra a mesma visão dos bolsonaristas soltos por aí. Isso é muito grave, eu não escolheria uma pessoa como essa. Paradoxalmente, no entanto, ele tem apoio dentro do PT. Na minha avaliação, a opção mais acertada seria o general Júlio César de Arruda. Mais neutro, ele vem da área mais técnica do Exército, Engenharia, um segmento construtivo, digamos assim. E está menos envolvido com o bolsonarismo.
O aparelhamento do Estado e das Forças Armadas não exigiria alguém mais ideológico, além de diplomático, para poder fazer frente à ala governista das Forças Armadas que ‘não quer largar o’sso?
Aí é preciso completar a ala militar com os outros dois cargos que são decisivos. São eles o Ministério da Defesa – que é civil, a quem os ministérios militares estão subordinados – e o Gabinete de Segurança Institucional, GSI, da presidência. Cargo que tem de ser confiança da presidência. Você perguntou se o presidente tem uma certa margem de manobra.
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Por isso eu digo, se pelo menos ainda tem esses dois cargos decisivos, é o cargo a se cogitar, pensar como atrair os nomes mais favoráveis a Lula, sem, por outro lado, fechar as portas para o grupo pró-Bolsonaro. É preciso ser realista quando se trata de política. Infelizmente o exército está contaminado pelo bolsonarismo de ponta a ponta. Isso terá de ser enfrentado. Nesse contexto, os outros dois cargos são muito importantes. Por isso, já estão pressionando pra Ministro da Defesa Aldo Rebelo (PDT) e Nelson Jobim (MDB).
Mas essa dupla está na contramão de tudo que tu formulou…
Acredito que seria um erro reconduzir qualquer um desses dois ao governo. Ambos criaram restrições nas Forças Armadas. É preciso muito jeito nesse momento, sem ampliar os focos de aresta nas FA. Ao contrário, tentar atrair quem estiver mais interessado em apoiar o governo Lula. Essa é uma escolha decisiva. Rebelo já deu muitas demonstrações de não ser uma pessoa lá muito confiável. Tem posições oscilantes, não seria o caso. Por outro lado, Jobim até goza de um certo prestígio na caserna. Mas também há quem seja contra ele. Apontam-no, inclusive, como corrupto. Em 2010, ministro da Defesa de Lula, foi assinado um acordo militar com a França, que envolvia a compra do avião de caça francês Dassault Rafale, que era muito caro. O pessoal da Aeronáutica dizia que Jobim tinha avançado o sinal – que estaria no bolso dos franceses. Foi o que se ventilou na época.
Espelho distorcido
Mesmo que não estejamos livres de ver qualquer um dos dois como Ministro da Defesa, não teria uma sugestão?
Pois eu tenho uma proposta e gostaria de divulgá-la. A pessoa que tem o melhor perfil hoje para ser o melhor ministro da Defesa do Brasil é o ex-governador e senador Roberto Requião (PT). Trata-se de um homem que conhece os assuntos militares, tem trânsito entre eles, mantém diálogo direto, aberto e importante com a farda. Inclusive com o general Villas Boas. Ele foi amigo de infância do general Heleno, também conhece o Exército, portanto conhece a caserna, sabe do que se trata. E hoje ainda é filiado ao PT. Esse me parece ser um ponto importante. Porque veja, a direita bolsonarista (e não só ela) o que vai dizer? Por ser do PT não pode. Ora, as Forças Armadas têm de aprender a se tornarem democráticas de verdade. Elas podem e devem ser democráticas sim senhor.
Isso significa permitir que a política seja debatida dentro dos quartéis?
Há uma confusão aqui: política é uma coisa. Partidarização é outra. O Exército não pode ser um partido, o que não quer dizer que os militares não possam discutir política. Agora, as Forças Armadas se tornarem partido (como vem ocorrendo) é inadmissível. Por isso defendo a democratização das Forças Armadas. Portanto, tem de ter PT dentro delas também. Reflexo da sociedade, ué. Eles não podem ser um espelho distorcido da sociedade, onde não haja esquerda. Isso é uma coisa estúpida que as Forças Armadas terão de enfrentar. Ou se democratizam as Forças Armadas ou teremos problemas daqui a pouco. Problema difícil, e só um dos tantos que ele tem de enfrentar.
Analistas militares e intelectuais criticaram o pouco cuidado que as administrações petistas deram aos militares, deixando-os à vontade para se articular até chegar onde estamos. Corremos o risco de cair nessa canoa furada de novo?
Veja bem, aí voltamos a uma questão anterior. Em seu governo, FHC estabeleceu a submissão dos chefes militares a um comandante civil. Isso é a origem da revolta dos militares. Eles estavam no poder e depois foram completamente alijados. Isso criou um certo ressentimento. Eles estão preparando a volta ao poder desde Fernando Henrique. Encontraram no Bolsonaro uma oportunidade. O fato é que eles foram atrás dessa oportunidade e se deram muito mal. Por que? Em vez de as Forças Armadas controlarem Bolsonaro, o ex-capitão é que controlou a Força. Usou e desmoralizou as Forças Armadas, em todos os sentidos.
Reconstruir instituições
Hoje é preciso restabelecer a confiança da sociedade civil nas Forças Armadas. Um diálogo entre a intelectualidade civil e militar, que foi rompido pelo bolsonarismo. Esse processo vinha desde as gestões FHC, Lula e Dilma. Havia um diálogo franco, aberto, importante, entre universidade e FA, que foi interrompido. Então precisamos reconstruir as instituições do Estado, a relação institucional das Forças Armadas com a universidade. Sem isso, o País não vai pra frente. Se tornou difícil, mas teremos de reconstruir.
Mas com esses nomes ventilados, é possível tal ‘reconstrução’?
É por isso que digo: se eu fosse o Lula – se essa entrevista pudesse chegar ao presidente eleito – eu escolheria o general Valério para chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência; o general Júlio César para o Comando do Exército e Roberto Requião para o Ministério da Defesa. Teríamos um triângulo que daria conta do recado. É o que nós estamos precisando.
Amaro Augusto Dornelles | Jornalista e colaborador da Diálogos do Sul.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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