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Toggle“Enfrentamos não apenas um ataque terrorista cuidadosa e cinicamente planejado, mas também um assassinato em massa de pessoas pacíficas e indefesas. Os criminosos, com calma e determinação, se propuseram a matar, a disparar à queima-roupa contra nossos cidadãos, contra nossas crianças. Assim como os nazistas (durante a Segunda Guerra Mundial) realizaram massacres nos territórios ocupados, agora estes decidiram montar uma execução espetacular, um ato sangrento de intimidação”, afirmou ontem o presidente Vladimir Putin.
Neste domingo (24), ao dirigir uma mensagem à nação, ele expressou suas condolências aos familiares das 133 vítimas do atentado realizado na última sexta-feira (22), em Moscou, e declarou luto nacional.
O chefe do Kremlin classificou o ataque como uma ação terrorista sangrenta e bárbara, e acrescentou: “Todos os executores, organizadores e quem encomendou este crime terão um castigo justo e inevitável, seja quem for e quem os tenha dirigido, vamos identificar e punir todos os que estão por trás dos terroristas, os que prepararam esta atrocidade, este ataque contra nosso povo”.
Quanto à investigação do massacre, a cargo do Comitê de Instrução da Rússia (CIR), Putin disse que até o momento sabe-se que os quatro autores diretos do ataque terrorista, todos os que dispararam e mataram pessoas, foram encontrados e detidos. Eles tentaram fugir e se dirigiram para a Ucrânia, onde, segundo dados preliminares, lhes haviam preparado uma janela no lado ucraniano para cruzar a fronteira. Um total de 11 pessoas estão detidas.
Putin destacou que o FSB (Serviço Federal de Segurança, em russo), o Ministério do Interior, a Guarda Nacional e outras dependências estão trabalhando para identificar e descobrir toda a rede de cumplicidades dos terroristas; quem lhes forneceu o transporte, delineou as rotas de fuga da cena do crime, preparou os esconderijos e lhes entregou as armas e munições.
Ele advertiu: “Os terroristas, assassinos, não são seres humanos e não podem ter nacionalidade, só lhes espera um destino nada invejável: a vingança e o esquecimento. (…) Ninguém poderá quebrar nossa unidade e vontade, nossa determinação e coragem, a força do povo unido da Rússia”.
E prosseguiu: “Ninguém poderá semear sementes venenosas de discórdia e pânico ou fraturar nossa sociedade multiétnica. A Rússia tem superado frequentemente provas difíceis, às vezes muito difíceis de suportar, mas cada vez se tornou ainda mais forte. Assim será desta vez”.
A versão oficial
Na manhã de sábado, o diretor do FSB, Aleksandr Bortnikov, informou a Putin que 11 pessoas que participaram da ação, entre elas os quatro perpetradores do massacre, estão detidas e já começaram a depor durante os interrogatórios.
Na versão do FSB, amplamente difundida nos canais pró-Kremlin do Telegram e outras redes sociais, inclusive com fragmentos gravados dos interrogatórios, os terroristas são originários do Tajiquistão, uma das repúblicas mais pobres da Ásia Central e onde predominam os adeptos muçulmanos, e após cometerem o atentado, juntamente com dois cúmplices, fugiram em um Renault branco para a região de Briansk, fronteiriça com a Ucrânia.
De acordo com os detidos, alguém – não sabem quem – os contatou há um mês na rede social Telegram e lhes ofereceu 500 mil rublos (aproximadamente 50 mil dólares) para assassinar a maior quantidade de russos durante uma atividade com grande público. O indivíduo não identificado (um assegura que era o ajudante de uma espécie de pregador) lhes indicou o local onde poderiam recolher as armas que estavam enterradas em uma floresta e lhes disse que poderiam receber o dinheiro na Ucrânia. O FSB os deteve já na região de Briansk, quando tentavam cruzar a fronteira.
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A versão do FSB – que é a única explicação oficial do ocorrido – derruba a suposta reivindicação do Estado Islâmico, que insistiu em assumir a autoria sem apresentar nenhuma prova de sua participação, e lança a sombra da suspeita sobre a Ucrânia, que neste sábado voltou a negar de forma categórica qualquer ligação com o atentado.
Os meios de comunicação públicos russos, sobretudo a televisão, centraram-se no sábado a destacar o possível rastro ucraniano no atentado e em responsabilizar os Estados Unidos por sua implicação na guerra da Ucrânia e por não terem comunicado à Rússia toda a informação que tinha e poderia ter evitado o massacre.
Na véspera do 8 de março, a embaixada dos Estados Unidos advertiu que nas próximas 48 horas poderia ocorrer um atentado em Moscou, com isso recomendando a seus cidadãos não irem a lugares com concentração de pessoas.
Nada aconteceu e, na reunião com a cúpula do FSB, em 19 de março, Putin indicou que, com esse tipo de aviso, Washington só busca chantagear e amedrontar a Rússia.
Novas dúvidas
O governo do Tajiquistão emitiu uma declaração que coloca em dúvida a acusação contra seus cidadãos e o Ministério do Interior tajique publicou as fotos de dois supostos terroristas – contra os quais a polícia de Moscou emitiu um mandado de busca e captura -, com seus passaportes abertos para demonstrar que são eles e estão no país centro-asiático desde setembro passado.
Os adversários do Kremlin, muitos deles no exílio, onde podem expressar sua opinião livremente, concordam que a pista tajique tem aspectos pouco convincentes.
O jornalista Mikhail Shevelyov, por exemplo, questiona como os terroristas puderam chegar até a mesma fronteira com a Ucrânia, após percorrerem 378 quilômetros em um Renault branco procurado por toda a polícia da Rússia, evitando todos os postos de controle e câmeras de vídeo. O ex-diretor da emissora Ejo Moskvy, Aleksei Venediktov, calculou que, em uma sexta-feira e por uma estrada paga, com 16 câmeras ao longo do caminho, poderiam chegar em 4 horas e 46 minutos.
A fuga impossível para a Ucrânia
Oleg Kashin, também jornalista, não entende como alguns muçulmanos puderam cometer assassinatos em massa durante o Ramadã e numa sexta-feira, que é um dia sagrado para os fiéis dessa religião.
E após assistir ao vídeo divulgado na internet em que os interrogadores cortam uma orelha de um detido e o ameaçam de cortar o pênis e enfiá-lo em sua boca, há quem aponte, como o analista Dimitri Kolesev, que os investigadores terão que esclarecer se é credível o depoimento de um indivíduo assustado, com a cabeça enfaixada e ensanguentado, que mal fala russo e que diz ter chegado da Turquia no início de março.
Mais mortos
O número oficial de vítimas, divulgado pelo Comitê de Instrução no sábado, no atentado ocorrido na noite de sexta-feira, soma 137 pessoas, mas ainda não é definitivo porque, entre os quase 159 feridos reconhecidos, segundo dados do Ministério da Saúde, há 16 afetados, incluindo dois menores de idade, que estão hospitalizados em estado grave, e outros 44 em estado crítico.
Além disso, sob os escombros deixados pelo desabamento do teto do salão, pode haver mais vítimas, por ferimento de bala ou por asfixia ao respirar a fumaça do incêndio. Desde cedo, milhares de moscovitas compareceram à principal clínica de urgências Sklifasovsky e a outros centros médicos para doar sangue, onde os médicos buscam salvar os feridos.
Antes do atentato: mensagem à nação
Na quinta-feira (21), em uma breve mensagem à nação, o chefe do Kremlin, Vladimir Putin, agradeceu ao apoio recebido (88% dos votos) nas recentes eleições presidenciais, o que, em sua opinião, significa que os russos “apoiam o curso político e econômico que nosso país tomou, nossos resultados comuns que, certamente, devem ser mais, mas já hoje tornam a Rússia um país mais forte e independente”.
O presidente russo também expressou sua satisfação por ter sido eleito para um quinto mandato presidencial e afirmou que “fará todo o possível para fazer jus à confiança recebida”.
Ele agradeceu a todas as pessoas que, independentemente de quem votaram, compareceram às urnas, o que “demonstrou que respeitam seu dever de cidadãos, valorizam a liberdade de escolha e seu direito ao voto”, e enfatizou que “cada voto teve grande importância”.
De acordo com a lei vigente, Putin tomará posse de seu cargo em 7 de maio próximo, uma vez que o atual presidente, ele próprio, encerra o mandato que iniciou em 2018 às 00:00 deste dia.
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Ainda não foi informado onde será realizada a cerimônia de posse, provavelmente em uma ou várias salas do próprio Kremlin, e, como em ocasiões anteriores, acontecerá nos feriados tradicionalmente decretados na Rússia entre 1º de maio, Dia do Trabalho, e 9 de maio, Dia da Vitória sobre o nazismo alemão na Segunda Guerra Mundial.
No dia seguinte à cerimônia, em 8 de maio, como estabelece a tradição, o primeiro-ministro, Mikhail Mishustin, e o governo em exercício apresentarão sua demissão, que a Duma (Câmara dos Deputados) da Rússia deve aceitar sem discussão. O chefe de Estado (Putin) nomeará o primeiro-ministro e os titulares de pasta que, por lei, lhe corresponde designar nas áreas de Segurança e Política Exterior, questão que o Parlamento deverá ratificar, assim como os demais ministros, propostos pelo chefe do governo.
Dada a composição do Legislativo, sem adversários do Kremlin em nenhuma das câmaras, evidentemente farão parte do novo gabinete todos os funcionários que o Presidente selecionar.
Analistas consideram que, levando em conta que o primeiro-ministro tem feito bem o seu trabalho, especialmente durante os dois anos da operação na Ucrânia, Mikhail Mishustin possivelmente vai se manter como chefe de governo. Entre suas virtudes, destacam que não mostrou ter maiores aspirações políticas, cumprindo o papel técnico que lhe corresponde à sombra de Putin.
A maioria dos ministros também permanecerá e as novidades, concordam, são esperadas em algumas pastas e, sobretudo, não se exclui que alguns dos possíveis sucessores sejam promovidos a vice-primeiros-ministros, caso Putin decida passar a estafeta antes do término de seu novo mandato presidencial ou não queira se apresentar à próxima reeleição em 2030.
Este é o caso, para mencionar um dos mais comentados, do atual ministro da Agricultura, Dmitry Patrushev, filho do general Nikolai Patrushev, presidente do Conselho de Segurança da Rússia e um dos colaboradores mais influentes do círculo de Putin, que poderia ser nomeado vice-primeiro-ministro ou titular de uma pasta chave como Energia, agora ocupada por Nikolai Shulguinov.
Enquanto isso, o jornal Nezavisimaya Gazeta apontaou em seu editorial na quinta-feira que, após a vitória de Putin nas eleições, a Rússia e o mandatário pessoalmente enfrentam desafios sem precedentes:
“Agora, quando a ruptura com o Ocidente assume um caráter histórico prolongado e a virada para o Oriente está se tornando contraditória e sinuosa (o jornal cita como exemplo a venda de petróleo para a Índia e as dificuldades para converter as rúpias), a Rússia precisa resolver muitas tarefas técnicas, tecnológicas e financeiras por si só”.
Para este jornal, “os desafios consistem em que é necessário conjugar fatores muito diversos de modo simultâneo: conseguir investimentos públicos e privados, ter antigos executivos de empresas com talento e, sobretudo, novos ainda mais talentosos, saber instrumentalizar os avanços da ciência, poder motivar as pessoas de forma moral e material para que haja entusiasmo e otimismo, melhorar a qualidade dos artigos e serviços no mercado de consumo, estabelecer um sistema eficaz de estímulos na sociedade, contar com uma moeda nacional forte e com um poder de compra digno”.
E conclui: “Estas são as condições do sucesso”.
Kiev e Belgorod, bombardeadas
De acordo com as notícias que chegam do front, a capital da Ucrânia sofreu na madrugada de quinta-feira (21) um ataque maciço com mísseis russos. Há um mês e meio, a Rússia não havia atingido a cidade de Kiev e a imprensa ucraniana atribui isso a uma espécie de resposta aos bombardeios ucranianos das regiões fronteiriças, Belgorod em primeiro lugar, durante duas semanas, com frequentes incursões de grupos armados em território russo.
Segundo o jornal Ukrainskaya Pravda, que cita fontes anônimas da inteligência militar ucraniana, a maioria dos mísseis lançados pela Rússia buscava impactar instalações do GUR (siglas em ucraniano para a Direção-Geral de Inteligência).
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A Força Aérea da Ucrânia garante que conseguiu derrubar todos os mísseis, dois balísticos hipersônicos Kinzhal (Punhal) e 29 de cruzeiro. Os fragmentos caíram sobre edifícios residenciais e as autoridades de Kiev informaram 13 feridos.
Do outro lado da fronteira, Viacheslav Gladkov, governador de Belgorod, disse que na quinta-feira continuaram os bombardeios no distrito de Gaivoron, deixando sem energia elétrica nem gás pelo menos cinco povoados adjacentes. Na quarta-feira anterior, como consequência dos bombardeios, morreram três pessoas.
Roman Starovoit, governador da região vizinha de Kursk, por sua vez, deu a conhecer que na quinta-feira os ataques ucranianos se centraram no distrito Gluvshkovsky, em especial no povoado de Tiotkino, que ficou sem linhas de energia elétrica e várias casas, sem telhados nem janelas.
Otan convida Armênia, Azerbaijão e Georgia
Pela sua localização estratégica, o Cáucaso do Sul – composto por Armênia, Azerbaijão e Geórgia – era considerada uma região que, após a dissolução da União Soviética, em 1991, deveria permanecer na órbita da Rússia, que atribuiu a si o papel de sucessor natural devido ao seu tamanho, população, economia e, principalmente, por concentrar em um único arsenal as armas nucleares que Ucrânia, Bielorrússia e Cazaquistão possuíam.
Como os novos países independentes herdaram os ressentimentos étnicos e disputas territoriais que surgiram de forma arbitrária na era de Josef Stalin, nos primeiros anos da era pós-soviética, a Rússia tentou assumir a liderança que reivindicava e atuou como mediadora, enviando suas tropas para os conflitos que estavam sangrando os três países do Cáucaso do Sul e nas guerras que eclodiram entre eles.
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33 anos após o colapso soviético, a situação é muito diferente: a Armênia, que buscou a proteção do Kremlin para conter seu vizinho azeri, que insistia em recuperar o enclave de Nagorno-Karabakh, questiona a conveniência de manter sua aliança com a Rússia; o Azerbaijão se aproxima cada vez mais da Turquia, cuja ajuda militar foi decisiva para derrotar a Armênia e, nessa medida, se afasta da Rússia; e a Geórgia não pode perdoar ao Kremlin por ter apoiado os separatistas da Abcásia e da Ossétia do Sul, sendo um dos poucos países que reconheceram sua independência.
Erevã, Baku e Tiblissi acreditam que podem garantir melhor sua soberania se distanciando de Moscou, enquanto o Kremlin continua focado em derrotar o regime neonazista de Kiev, o que reduz as possibilidades de exercer pressão sobre eles. A Rússia mesma abriu caminho para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) desempenhar um papel mais decisivo no Cáucaso do Sul ao ceder a mediação entre armênios e azeris, que ainda não conseguiram concordar com a delimitação das fronteiras, sem a qual é impossível assinar um tratado de paz.
Nesse contexto, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, acaba de visitar Armênia, Azerbaijão e Geórgia para reiterar que a porta está aberta para a sua eventual e futura adesão à aliança transatlântica, confirmando que Bruxelas tem o Cáucaso do Sul em seu radar.
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