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Foto: Zach Shrewsbury / X

Socialista desafia máquina política e quer ser senador em estado “abandonado” dos EUA

Ex-fuzileiro naval luta por nomeação pelo Partido Democrata, mas afirma: "A classe trabalhadora aqui está desesperada... A pobreza não tem partido político"
Jim Cason, David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Zach Shrewsbury, que está em campanha como socialista para representar seu estado da Virgínia Ocidental no Senado federal, chegou a um evento no Capitólio estadual com a frase “Lute contra a pobreza, não contra os pobres” em sua camiseta, e começa a cumprimentar empresários em seus ternos, ambientalistas em camisetas verdes e conversa com simpatizantes enquanto segue pelo público.

O ex-fuzileiro naval de 33 anos, neto de um mineiro de carvão da Virgínia Ocidental, está fazendo campanha para ganhar a nomeação do Partido Democrata como candidato ao Senado federal deste estado que dependeu economicamente do carvão por um século. Democratas e sindicatos de mineração governaram este estado durante grande parte do último século, com uma história de lutas sangrentas, mas que resultavam em acordos com aumentos salariais para seus membros.

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Mas este país, e várias partes do mundo, não desejam mais gerar energia com carvão por razões ambientais, e as poucas minas ainda em atividade agora são altamente mecanizadas. Hoje, a Virgínia Ocidental é um dos três estados mais pobres dos Estados Unidos, com uma taxa de desemprego muito acima da média nacional e uma maioria de seu eleitorado apoiou Donald Trump nas últimas duas eleições. A população é uma boa representação da classe trabalhadora branca, pró-sindical, que testemunhou o desaparecimento de seus empregos e a deterioração de suas condições econômicas, e que se mobilizou em favor de Trump em resposta à sua mensagem de que ele resgatará o país para devolvê-lo ao que era antes.

O senador deste estado que está prestes a se aposentar e que Shrewsbury espera substituir é um democrata conservador dono de uma empresa de carvão que, apesar de pertencer ao partido, frequentemente tem bloqueado as prioridades dos democratas. O senador Joe Manchin decidiu se aposentar, em parte porque pela primeira vez havia dúvidas se seria reeleito desta vez. Em Washington e na Virgínia Ocidental, presume-se que um democrata tradicional não poderá vencer uma eleição para o Senado.

Nada tradicional

Shrewsbury não é nada tradicional. Em entrevista ao La Jornada, ele começa seu argumento sobre por que espera ganhar apontando que o senador socialista Bernie Sanders derrotou Hillary Clinton nas primárias do Partido Democrata neste estado em 2016. “As pessoas na Virgínia Ocidental não são necessariamente republicanas. Elas são pró-Trump, mas você tem que se perguntar, ‘por quê?'”, comenta, e observa que também eram pró-Bernie, e aqui, Bernie estava à frente de Trump nas pesquisas (Sanders não foi o candidato presidencial democrata em 2016). As pessoas da Virgínia Ocidental estão desesperadas para que alguém as escute, acrescenta Shrewsbury.

Eu não penso se os Estados Unidos são de direita ou de esquerda. A classe trabalhadora aqui está desesperada, assim como em muitas partes do mundo. Eles estão presos em seus empregos das 9 às 5 (horário de trabalho) com seus baixos salários, comenta em entrevista em frente à legislatura estadual. A pobreza não tem partido político. Você vê suas estradas se desfazendo, não consegue pagar suas contas, não consegue colocar comida na mesa, e todos os ricos deste estado não entendem, mas eu entendo.

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Shrewsbury, que frequentou o ensino médio no condado mais pobre do estado, diz que por muito tempo a maioria dos políticos não se preocupou com os eleitores, nem fizeram muito em suas campanhas. Em um evento comunitário recente, Shrewsbury falou sobre como a água potável foi contaminada por resíduos industriais, reconhecendo que havia mais republicanos do que democratas na plateia, mas no final, todos se levantaram e aplaudiram, simplesmente porque ele compareceu, enquanto nenhum dos outros candidatos se deu ao trabalho de comparecer. Assim, ele saiu dali conquistando mais simpatizantes.

Ele pode ganhar? John Christensen, empresário que investe em indústrias solares, reconhece que Shrewsbury não tem uma tarefa fácil. “É uma batalha difícil, mas ele é um fuzileiro naval“, comentou em entrevista, deixando claro que é possível. Pam Garrison, garçonete aposentada, indicou que a mensagem de Shrewsbury ressoa entre muitas pessoas aqui. As empresas de carvão, disse ela, fizeram fortunas, mas investiram muito pouco neste estado. Agora, as minas estão fechadas, e as pessoas ficam apenas com a água que não podem beber, o ar envenenado e a falta de desenvolvimento econômico a longo prazo.

Esperança e raiva

Estou aqui com uma mensagem de esperança e também com uma mensagem de raiva. Estou cansado de que a Virgínia Ocidental seja esquecida. Somos como a Ucrânia dos Estados Unidos. As pessoas vêm aqui, pegam nossos recursos, nos pagam quase nada, e vão embora nos deixando desempregados. Assim tem sido por décadas, declara Shrewsbury. Ele acrescenta: nós produzimos a energia do país por gerações, fomos explorados, aproveitaram-se de nós, fomos manipulados, e nada nos foi devolvido. O candidato afirma que a Virgínia Ocidental poderia atrair indústrias que fabricam painéis solares, turbinas eólicas e muito mais, mas que os políticos continuam presos ao carvão.

A mensagem do ex-fuzileiro naval não se limita a questões econômicas. Em um fim de semana recente, sua última parada do dia foi uma sessão educacional de duas horas sobre Gaza em uma mesquita local. Seis palestrantes descreveram a história da luta palestina para uma plateia de cerca de 250 pessoas, incluindo quatro membros do conselho da cidade. Shrewsbury não pede a palavra, mas em um momento os organizadores pedem que ele se levante e reconhecem que ele é o primeiro político na Virgínia Ocidental a pedir um cessar-fogo imediato.

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Ele também é a favor dos direitos trabalhistas, do acesso a serviços de saúde para todos, da reforma penal, da liberdade sexual e reprodutiva, bem como da moradia segura e acessível. Um repórter pergunta sobre imigração – um tema sempre controverso aqui e em outras partes do país. O México não é a origem desses problemas, muito disso é resultado de nossa política externa.

Quando um repórter aponta que a maioria dos analistas políticos diz que um democrata não pode vencer hoje na Virgínia Ocidental, Shrewsbury respondeu: se você jogar com a política tradicional aqui, os republicanos vencerão. Não estou fazendo isso, estou seguindo um caminho muito diferente. Não estou seguindo o livro de regras, e isso está assustando muitos democratas. Partidos políticos não são necessariamente muito importantes neste estado. Jim Justice, o governador atual e provável candidato republicano para a mesma vaga no Senado, ganhou a governadoria como democrata, apenas para mudar sua filiação partidária para republicano um ano depois.

Shrewsbury argumenta que é necessário um novo tipo de campanha política aqui. “Tem que ser de baixo para cima, com toda a organização no terreno. Temos que promover socialistas para todos esses cargos estaduais, também lutar contra a máquina política de cima porque é aí que está todo o dinheiro. A máquina no alto controlando todos, é a que mantém o pé no pescoço das pessoas. Quanto mais puderem afrouxar esse pé… no final, esse pé será removido um dia”.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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