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ToggleAlguém que analisa geopolítica e política internacional deve ter como base a desconfiança constante de tudo e de todos. Não se deve ser ingênuo e acreditar que existe no mundo uma luta do bem contra o mal, dos bonzinhos contra os malvadões. O que há são interesses nacionais, baseados nos interesses de classes sociais.
O atentado do dia 22 de março em Moscou está inserido nesta luta de interesses. Ela se reflete nas versões apresentadas para o mesmo fato. Os Estados Unidos disseram que a Ucrânia não tem nada a ver com o ataque, antes mesmo de a Rússia descobrir alguma coisa sobre o ocorrido. Obviamente os russos – que, como players profissionais, também desconfiam de tudo – acharam essa declaração muito estranha.
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Depois, as agências de notícias ocidentais relataram um anúncio que teria sido feito pelo Estado Islâmico. “O ataque vem no contexto de uma guerra violenta entre o Estado Islâmico e os países que combatem o Islã”, diz um comunicado atribuído à Amaq News Agency, pertencente ao ISIS.
Toda a imprensa monopolista tem utilizado essa declaração para dizer que o Estado Islâmico assumiu a culpa do atentado “e ponto”, na expressão de Matthew Miller, porta-voz do Departamento de Estado. Como toda essa imprensa é comprada pelos EUA, também não podemos acreditar nela. É por ela que o governo dos EUA dissemina as suas mentiras, que serviram para justificar as piores barbaridades das últimas décadas.
Mentiras, mentiras, mentiras…
Os EUA mentiram sobre os motivos que o levaram a entrar em guerra contra a Espanha para controlar Cuba, ainda no final do século XIX. Os EUA mentiram para invadir o México dez anos depois. Os EUA mentiram para intervir militarmente e bloquear a Rússia após a revolução de 1917. Os EUA mentiram para entrar na II Guerra Mundial e depois despejar duas bombas atômicas no Japão.
Os EUA mentiram para aplicar golpes militares por toda a América Latina na segunda metade do século XX. Os EUA mentiram para invadir o Iraque duas vezes. Os EUA mentiram para destruir o Afeganistão. Os EUA mentiram para devastar a Líbia e matar seu líder. Os EUA mentiram para bombardear a Síria. Os EUA mentiram para derrubar Nicolás Maduro na Venezuela. Os EUA mentiram para prender Julian Assange.
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Logo, não há razão nenhuma para acreditar no que diz o governo dos Estados Unidos e seus meios de comunicação. Sobre nada, e muito menos sobre acontecimentos relativos à Rússia, sua arquirrival.
Mascote do imperialismo
O mascote do imperialismo americano deveria deixar de ser o Tio Sam para dar lugar ao Pinocchio. Todos os observadores minimamente atentos perceberam que o nariz dos EUA aumentou um pouco mais após suas declarações sobre o atentado do Crocus City Hall.
Contudo, também não se pode acreditar piamente no que dizem as autoridades russas. Mas, até o momento, elas são a fonte mais confiável nesta história. Sempre que atentados ocorrem, todos recorrem às investigações oficiais. Quando as autoridades dos EUA dizem algo sobre um atentado em seu território, toda a imprensa dá como certas suas palavras. A mesma confiança é dada às informações divulgadas pelas autoridades europeias. Então, por que acreditar menos nas autoridades russas do que nas ocidentais?
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Ora, só porque a Rússia é um regime autocrático comandado por um tirano assassino. Só por isso. A propaganda difundida pela indústria de mentiras dos Estados Unidos também serve ao propósito de desacreditar e deslegitimar quaisquer reivindicações do governo russo – exatamente como faz a propaganda israelense (difundida pela mesma indústria de mentiras dos EUA) contra o Hamas e as estatísticas computadas diariamente pelo seu governo sobre o número de mortos no genocídio em Gaza.
Propaganda contra a Rússia
Se deixar de lado o preconceito resultante da propaganda americana contra o governo russo, veremos que o que dizem suas autoridades tem o mesmo peso das palavras das autoridades ocidentais quando atentados ocorrem nos EUA ou na Europa.
Mas, neste caso, se não é possível confirmar que a verdade está do lado dos russos, ao menos a lógica o está. Não tem lógica o atentado ter sido organizado pelo Estado Islâmico por interesses próprios. O discurso de que atacou a Rússia porque é inimiga do Islã é falacioso, pois a Rússia é o principal aliado dos países muçulmanos – por outro lado, o ISIS não fez absolutamente nada contra Israel, considerado unanimemente o grande inimigo do Islã, mesmo após seis meses de genocídio em Gaza.
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Da mesma forma, deve-se desconfiar da reivindicação do ISIS pelo atentado em Kerman, no Irã, no início do ano, ocorrido nas comemorações pelo martírio do general Qassem Souleimani por um ataque dos EUA – atentado ocorrido em meio ao genocídio em Gaza, o qual Israel comete com a desculpa de combater os “procuradores” do Irã. Não tem lógica a responsabilidade do Estado Islâmico: a lógica é que Israel e os EUA estejam por trás daquele atentado.
Por outro lado, há muita lógica na tese de a Ucrânia (com os EUA por trás, pois são os que comandam Kiev desde 2014) ter ordenado a realização do atentado em Moscou. É o que Kiev tem feito há dez anos no Donbass contra a população de origem russa. É a sua tática após não ver possibilidade de vitória no campo de batalha: o uso de drones para atingir edifícios residenciais na Rússia tem sido diário há cerca de um ano e meio, enquanto atentados foram executados em restaurantes e cafés para matar personalidades apoiadoras do Kremlin.
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Está comprovado que a CIA estimulou os sentimentos fundamentalistas islâmicos nas repúblicas da Ásia Central para desmembrar a União Soviética, que apoiou os mujahideen no Afeganistão, depois os transportou para a Bósnia e para o Kosovo a fim de dividir a Iugoslávia, criou o Estado Islâmico para manipular a luta armada no Oriente Médio e direcioná-la à derrubada dos regimes nacionalistas e depois, novamente, levou combatentes do oeste da Ásia para o leste europeu, estacionando-os na Ucrânia para combaterem a Rússia.
Portanto, enquanto não houver provas irrefutáveis sobre os reais responsáveis pelo atentado em Moscou, nenhuma possibilidade pode ser descartada. Principalmente se levarmos em conta a história.