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Evo Morales e Luis Arce (Fotos: Facebook)

Evo e Arce: derrotar fascismo na Bolívia exige colocar causa das massas acima de tudo

É possível que o fascismo tenha percebido na falta de unidade o Calcanhar de Aquiles do movimento popular, e se tenha valido dela para golpear a Bolívia
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Beatriz Cannabrava

A Bolívia assomou como uma sorte de laboratório do fascismo desde a Guerrilha do Che e o fugaz governo de Juan José Torres, derrubado em agosto de 1971. O medo do Império e da velha “rosca” boliviana, assustados ambos pela possibilidade de que o país se convertesse no foco de uma Revolução inconclusa – abril de 1952 –, logrou que se consolidasse um relativo processo de estabilização, por gestão de um tirano sinistro: Hugo Banzer.  

Sucessivos governos, alguns “reformistas” e outros conservadores, derivaram em uma variante neoliberal de Sánchez de Lozada. Amplamente repudiada pelo povo. Finalmente, um caudilho popular, Evo Morales, sob a condução do Movimento ao Socialismo, abriu passo a um convulso processo de transformações sociais, que ainda não culmina.

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Pode-se ter opiniões de uma e outro signo a respeito dos ocorridos na Bolívia durante a gestão do MAS. Além deles, há elementos comuns que se impõem pela força da vida; o progresso social e político logrado pela país apesar da força desempenhada sistematicamente pela oligarquia tradicional e a Casa Branca, empenhadas ambas em obstruir as mudanças e reassentar privilégios perdidos. 

Nunca esteve fora dos planos do Império recuperar o poder pela força para impor um regime adito a Washington. Por isso, e depois de várias conspirações improdutivas, perpetrou um golpe de Estado, em novembro de 2019, que acabou com o governo de Morales. Para isso, foi indispensável contar com a cumplicidade de altos mandos castrenses que se prestaram – uns por adesão e outros por interesse – a somar-se a uma ação violenta que tingiu de sangue o solo altiplânico, e que fora estimulada pela CIA

O regime de Jeanine Añez, imposto à força pela ultradireita, não fez senão agravar as coisas em meio a uma aguda luta de classes. Finalmente, e ante a incapacidade de consolidar uma gestão governativa, a precária “mandatária” se viu forçada a convocar eleições adiantadas, as mesmas que puseram a cada quem em seu lugar: o MAS na Presidência, e Añez na prisão.

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A derrota do golpismo foi possível antes de tudo pela unidade do povo boliviano. Juntos, operários, camponeses, funcionários, intelectuais e artistas, trabalhadores em geral, somados a estudantes e donas de casa, combateram com firmeza para enfraquecer a ditadura e tornar inoperantes seus planos de dominação. Mas a luta não foi fácil. 

Não faltaram matanças, crimes de guerra, violações de Direitos Humanos e abusos vários. Eles buscaram manter em suas mãos, por um ou outro meio, as rédeas do Poder para garantir privilégios e prebendas.

As eleições, convocadas depois de 12 meses de martírio, tiveram o resultado que era previsível: o MAS retornou ao governo e Luis Arce Catacora, que fora antes ministro da economia de Evo, obteve 56% dos votos e passou à condução do Estado. Os militares golpistas foram julgados, mas a instituição não foi depurada. Ficaram nela remanescentes que ainda operam. 

O trabalho do inimigo não cessou então com a derrota dos golpistas. Simplesmente mudou o jogo. Consciente de que a força do povo radicava em sua unidade, buscou combatê-la golpeando desde diferentes ângulos. Como dissera Anibal Ponce, aludindo à perda da consciência de classe, alentou em uns a vaidade sempre desperta; e em outros, a ambição nunca dormida; pode penetrar a alma daqueles que tinham possibilidades reais de Poder. Apontou assim a Evo Morales e a Luiz Arce, buscando a ruptura.

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É possível que ambos tenham cometido erros que facilitaram a divisão. Mas ambos também aportaram valiosos recursos ao movimento. Deverão então tirar lições da experiência vivida e entender que, por cima de apetites pessoais está a causa de grandes massas populares. É possível que o fascismo tenha percebido na falta de unidade o Calcanhar de Aquiles do movimento popular. E se tenha valido dela para golpear. Um jogo de laboratório que pode render proveito. 

Mas tanto na Bolívia, como no exterior do país – e é bom sabê-lo – a força do fascismo haverá de persistir na tarefa de escindir o movimento. Hoje, recorre a um novo estratagema: exportar a ideia de que não houve golpe algum, que tudo foi uma farsa alentada por Luis Arce para ganhar prestígio. No fundo, o que busca é persistir em enfrentar a um contra o outro e bloquear qualquer processo de reconstrução da unidade. 

A mão de Washington não é alheia a esta manobra sediciosa. Não é casual que ela tenha ocorrido pouco depois da viagem de Arce a Moscou, e quando a administração de La Paz adota reais medidas para acautelar a exploração de Lítio, tão ambicionada pelo Império e expressamente requerida pela “generala” do Comando Sul dos Estados Unidos, a senhora Laura Richardson. O que está planteado, não é pouco. Se trata do Processo Emancipador Latino-americano.

Depois de tudo, a Bolívia não é só um país. É também um laboratório do fascismo. Ali, ainda não se jogaram as últimas cartas.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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