O extraordinário cantautor, ator e escritor Kris Kristofferson, que faleceu em 28 de setembro nos EUA, aos 88 anos, entrava e saía da fama nacional sem se importar muito, mas junto com seu talento, foi sua solidariedade e coragem profissional que mais o distinguiram entre as estrelas culturais dos Estados Unidos.
Nos últimos dias, Kristofferson foi lembrado por sua obra musical e como ator (participou de mais de 50 filmes), mas se fala pouco sobre sua dedicação a causas nobres dentro e fora de seu país, desde o apoio ao sindicato de trabalhadores rurais UFW, liderado por Cesar Chavez, sua solidariedade com movimentos de libertação nacional na América Central e África do Sul, até a defesa de prisioneiros políticos americanos como o líder indígena Leonard Peltier e o ativista afro-americano Mumia Abu-Jamal, e sua participação em protestos contra intervenções e guerras estadunidenses e o armamento nuclear.
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Sua trajetória musical e suas contribuições artísticas merecem ampla atenção (ver homenagem de Pablo Espinosa nestas páginas). Sua solidariedade com causas populares e rebeldes foi parte integrante de sua vida, na qual, entre outros, compartilhou com Vanessa Redgrave a defesa dos palestinos e com Martin Sheen a dos trabalhadores rurais imigrantes, além da oposição à ameaça nuclear e à política belicista de seu país (ele mesmo foi soldado e seu pai, general).
“Sou um radical há muito tempo. Suponho que isso esteja errado, já que seria mais comercializado como um direitista caipira (ignorante), mas entrei nisso para dizer a verdade como eu a via”, comentou Kristofferson em entrevista à Esquire em 2007.
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A carreira de Kris Kristofferson
Kristofferson começou sua carreira no gênero country — conhecido por ser o mais conservador e até racista dos círculos musicais dos EUA. Mas fez parte das correntes progressistas conhecidas como “outlaw country”, cujas figuras mais proeminentes são Johnny Cash – seu mentor, que abriu as portas de sua carreira– e Willie Nelson, que continua, aos 91 anos, tanto na música quanto em seus formidáveis esforços de apoio a fazendeiros e comunidades rurais.
O country também nutriu correntes que fluem no rock, folk e o chamado pop, e as canções de Kristofferson também são conhecidas por artistas de outros gêneros. Por exemplo, é a voz da grande roqueira Janis Joplin que para sempre consagra a canção de Kristofferson “Me and Bobbie McGee“.
Algumas de suas canções menos famosas são importantes mais por sua expressão político-social do que por sua qualidade musical, como é o caso de seu álbum Repossessed, de 1986, e Guerrero del Tercer Mundo, lançado em 1990, que inclui músicas que abordam os movimentos de libertação em El Salvador, Nicarágua e África do Sul.
“Você não pode derrotá-lo, ele está lutando pela liberdade
Isso é tudo o que ele quer, isso é tudo o que ele precisa
Nunca poderá derrotá-lo com armas e dinheiro
Não há corrente tão forte como a vontade de ser livre”.
Em outra, conclui:
“E digo que até o dia em que libertarmos Mandela
Todo o mundo estará em cadeias.”
Em uma entrevista de 1991, perguntaram a Kristofferson como ele via a situação de seu país, e ele respondeu algo que certamente poderia repetir hoje: “além do fato de que me lembra o patriotismo coreografado de bandeiras tremulantes que tivemos na Alemanha nazista há meio século, o fato de que temos um sistema de partido único no controle dos três poderes do governo, e uma mídia de notícias… que está gerando propaganda para o governo que faria um nazista corar, além disso, estamos indo muito bem”.
Suas canções continuarão a ser cantadas, sua voz trará saudades mais que nunca.
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