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Imagem: Wikimedia Commons

Sangue, ouro e utopia: as marcas da colonização do Novo Mundo

Cada episódio da colonização do continente americano foi marcado pelo saque e massacre, deixando um rastro de morte e devastação por onde os colonizadores passavam
Jorge Rendón Vásquez
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Desde o primeiro resplendor da alba, aquele 12 de outubro de 1492, o marinheiro Rodrigo de Triana, subido no mastro maior da caravela Pinta, mirava, ansioso, a escura e interminável superfície do oceano Atlântico, sobre a qual só distinguia as silhuetas nas sombras das caravelas Santa Maria e Niña. No dia anterior, a tripulação havia visto várias aves se dirigindo a algum destino desconhecido, e isso queria dizer que a terra estava perto. Mas onde? 

As três caravelas haviam partido em 3 de agosto desse ano do porto de Palos da Fronteira, ao sul da Espanha, com o comando de Cristovão Colombo, um navegante possuído pela ideia fixa de chegar às Índias, e desde aí, seguindo o mesmo rumo, retornar ao porto de partida, posto que para ela a terra era redonda. 59 dias despois, um grupo de exaltados tripulantes, desesperados porque não viam terra, se puseram de acordo para jogar pela borda Cristóvão Colombo e retornar à Espanha se após dez dias não avistassem alguma costa. 

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Nunca nenhum navegante havia sulcado tantos dias um mar tão extenso. E, embora a conta regressiva tenha começado a correr, Cristóvão Colombo, sem se imutar, não desistiu de sua campanha de continuar para o oeste, pensando, talvez, que já depois ajustaria contas com os conspiradores, pendurando-os do mastro maior. 

De repente, Rodrigo de Triana acreditou ver uma linha escura confundida com o horizonte. Esfregou os olhos. Quando a linha se fez mais nítida, não teve nenhuma dúvida e gritou: “Terraaaaaaa, terraaaa!”. Rodrigo de Triana, um judeu a quem, como outros que Colón havia embarcado para salvá-lo da perseguição, nunca chegou a saber que seu grito ressoaria na história com mais força que o canhonaço que Colombo fez disparar. 

Francisco de Bobadilla

As caravelas haviam chegado a uma pequena ilha, situada ao norte de Cuba e ao sudeste de Miami, que Colombo chamou de São Salvador, por ter salvado sua vida.

Depois, o Almirante Maior, título que os reis católicos lhe haviam conferido em troca da prestação pelos territórios que descobrisse para eles, inspecionou outras ilhas do Caribe e realizou duas viagens a mais, nas que tocou a costa do novo continente. Em sua terceira viagem, o governador das Índias nomeado para substituí-lo, Francisco de Bobadilla, obedecendo aos reis católicos, o prendeu e, carregado de correntes, o devolveu à Espanha. 

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Apesar de ser Cristóvão Colombo o descobridor do imenso continente, este não recebeu seu nome, nem a coroa espanhola, principal beneficiaria de sua façanha, nunca se preocupou de render-lhe essa homenagem e, ao contrário, julgou normal desprezá-lo e tratar de destruí-lo. A fruta tenra, sã e impoluta da gratidão tinha para os reis o sabor do veneno, e o monge Torquemada lhes havia dito que cresceram na horta do demônio. O único valor tangível que eles apreciavam até o delírio era o ouro dessas terras. 

Américo Vespúcio

Foi o cartógrafo italiano Américo Vespúcio, residente em Sevilha, quem advertiu que Colombo havia entregado ao mundo um novo continente, ao qual designou com o título de sua obra publicada em 1504, Mundus Novos, da qual foram feitas inumeráveis edições e traduções na Europa. No ano seguinte, insistiu nesta afirmação em seu livro Carta, e, em 1507, o cartógrafo alemão Martin Waldseemüller denominou o novo continente América em honra de Américo Vespucio, a quem atribuiu, erroneamente, seu descobrimento. E assim ficaram as coisas, para sempre.

Depois da primeira viagem de Colombo, se iniciou a conquista do Novo Mundo por empresários espanhóis com o compromisso de entregar o quinto das riquezas e qualquer outro benefício material que obtivessem a suas majestades, os reis, tarefa na qual foram tão eficientes como mortíferos. Cada episódio da conquista foi um safári e um saque que deixava como subprodutos a repartição das terras cultivadas, a exploração das minas e a escravidão das populações nativas. 

Bartolomé de las Casas

A matança de seres humanos pelos conquistadores foi tão espantosa que o monge sevilhano Bartolomé de las Casas, horrorizado, apesar de ter recebido ele mesmo uma repartição em Santo Domingo e outra em Cuba, consagrou sua vida em adiante a denunciá-la. 

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Reuniu seus testemunhos em sua obra Brevísima relación de la destruición de las Indias, terminada em 1542. Porém, lhe enfrentou, irritado, outro clérigo, chamado Ginés de Sepúlveda, com quem sustentou em 1550 um célebre debate denominado a Junta de Valladolid. Sepúlveda justificava a matança alegando que os povoadores indígenas da América careciam de alma e eram, portanto, seres inferiores que deviam ser escravizados.

Bartolomé de las Casas o refutou aduzindo que esses habitantes tinham consciência e eram seres humanos iguais aos espanhóis. Para os burocratas e a sociedade espanhola de então, não houve nesse debate vencedor nem vencido.

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Mas, o Conselho das Índias, a superior autoridade para os assuntos das colônias, ditou algumas disposições protetoras dos indígenas, mas não por compaixão, e sim para evitar seu aniquilamento total e preservá-los como força de trabalho sob servidão. Estas leis nunca foram cumpridas na América. O próprio Bartolomé de las Casas e outros clérigos que o apoiavam propunham, como alternativa ao maltrato dos nativos, a importação massiva de escravos, caçados por milhares na África. 

12 de outubro

Em 1935, o 12 de outubro foi designado como Dia da Hispanidade pelo Ajuntamento de Madri. Se ampliou esta denominação à toda Espanha por um decreto de 9 de janeiro de 1958, expedido pelo caudilho Francisco Franco — responsável definitivo pela matança de mais de um milhão de republicanos desde seu triunfo em 1939 —, e também se consagrou essa data como a festa nacional da Espanha.

Curiosa contradição: os dias nacionais nos países da América Latina são homenagens à sua independência da Espanha e de Portugal. 

O 12 de outubro evoca a audaz e transcendental criação de Cristóvão Colombo, embora muitos cobramos com um manto de generosa compreensão a finalidade de se enriquecer e se dotar de poder que movia sua mente ao fazer-se ao mar para o desconhecido em 3 de agosto de 1492. 

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Aos habitantes dos países latino-americanos, o 12 de outubro nos recorda também o momento em que América foi incorporada à civilização ocidental, com a brutalidade de toda conquista pelas armas. Não nos vai nem vem como lembrança de uma hispanidade soberba, cobiçosa, santarrona e sedenta de sangue, e de sua herança na América, na margem oposta da outra hispanidade popular, simples, progressista e amistosa, que ficou na Espanha ou veio depois a trabalhar.

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Na Argentina, nessa data, as coletividades de origem estrangeira, que são muitas, se reúnem nas praças, instalam quiosques para a venda de comidas, se alegram com sua danças e canções e, como argentinos, se dão a mão fraternalmente. Desde 2010 é para eles o Dia da Diversidade Cultural. 

Estendendo a expressão de José María Arguedas, a América é, desde aquele longínquo dia, o continente de todos os sangues e da mestiçagem racial e cultural. 

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Jorge Rendón Vásquez Doutor em Direito pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos e Docteur en Droit pela Université de Paris I (Sorbonne). É conhecido como autor de livros sobre Direito do Trabalho e Previdência Social. Desde 2003, retomou a antiga vocação literária, tendo publicado os livros “La calle nueva” (2004, 2007), “El cuello de la serpiente y otros relatos” (2005) e “La celebración y otros relatos” (2006).

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