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Imagem: Flickr

Trump sugere usar militares contra “inimigos internos” e historiadora afirma: “é um ensaio”

Segundo Ruth Ben-Ghiat, declarações de Trump mostram o que o republicano realmente pretende fazer contra opositores caso seja eleito
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Donald Trump pediu o desdobramento de tropas da Guarda Nacional ou militares no dia das eleições, não para enfrentar alguma ameaça estrangeira como China ou Rússia, nem imigrantes, mas para confrontar o que ele chamou de “inimigo interno”: seus opositores.

Em comentários que uma especialista em fascismo sugeriu que poderiam ser um ensaio para ações que o candidato presidencial republicano poderia adotar se chegar à Casa Branca, Trump foi perguntado se tinha preocupações com ataques terroristas ou imigrantes no dia das eleições. “Creio que o maior problema é o inimigo interno”, respondeu ele em entrevista à Fox News no domingo. “Temos algumas pessoas muito más, temos pessoas doentes: lunáticos da esquerda radical”. Esse “inimigo”, acrescentou, “deveria ser enfrentado muito facilmente, se necessário, pela Guarda Nacional, ou se for realmente necessário, pelos militares, porque não podem permitir que isso aconteça”.

Trump reiterou que nenhum de seus apoiadores representa uma ameaça a eleições livres e imparciais, apesar de a história contar outra versão; ele incitou seus seguidores a frear a transição pacífica do poder executivo pela primeira vez na história do país, na eleição que perdeu em 2020. Ao apontar quem representaria essa “ameaça”, disse que vinha dos democratas, como o candidato ao Senado Adam Schiff, da Califórnia, que, como deputado, liderou o processo de impeachment de Trump.

A candidata presidencial democrata Kamala Harris condenou as declarações de Trump, comentando nesta segunda-feira (14) que colocavam a liberdade em risco no país. Ao mesmo tempo, sua campanha usou os comentários sobre o “inimigo interno” para uma nova rodada de publicidade eleitoral.

Esses comentários de Trump, explicou Ruth Ben-Ghiat, historiadora da Universidade de Nova York, poderiam ser um indicativo do que o republicano poderia tentar fazer se vencer a eleição. “Ele está realmente ensaiando, de certo modo, o que poderia fazer como chefe de Estado, o mesmo que Orbán, Modi e Putin têm feito há muito tempo”, comentou em entrevista à NBC News, comparando Trump aos líderes da Hungria, Índia e Rússia. “Isso sai do manual autocrático. Ao consolidar seu poder, tudo o que ameaça seu poder, revela sua corrupção ou difunde informações que os prejudicam de alguma forma, torna-se ilegal”, acrescentou.

Esses alertas não são surpreendentes; inclusive não só opositores, mas altos funcionários e oficiais que trabalharam na presidência de Trump concordam. Ninguém menos que o ex-chefe do Estado-Maior – os chefes máximos das forças armadas – quando Trump era presidente, disse ao jornalista Bob Woodward que “ninguém jamais foi tão perigoso para este país quanto Donald Trump”. Em seu livro recém-publicado, Woodward cita esse oficial, o general Mark Milley, afirmando: “Agora percebo que ele é um fascista total”.

Mais de 200 ex-colaboradores de Trump durante sua presidência, entre eles ex-altos funcionários, declararam que votarão em sua oponente Harris, principalmente para evitar um segundo mandato do magnata. Neste mês, o New York Times publicou comentários de cerca de 91 ex-colaboradores, assessores e aliados, incluindo líderes militares, chefes de gabinete, legisladores e diplomatas, afirmando que seu ex-chefe não é apto para o cargo. “Ele sempre colocava seus próprios interesses e gratificava seu próprio ego acima de tudo, incluindo os interesses do país”, declarou o ex-procurador-geral Bill Barr, apenas um dos exemplos.

No entanto, os comentários cada vez mais extremos de Trump – desde a perseguição criminal a seus oponentes e críticos, seu esforço macarthista de pintar seus adversários como “comunistas, marxistas, esquerdistas radicais”, até brincar que “serei um ditador por um dia” e seu ataque central de que há “uma invasão de ilegais” vindos do México, imigrantes que estão “envenenando o sangue do nosso país” e que comem os animais de estimação dos estadunidenses – não têm tido grande impacto nem parecem incomodar muito seus simpatizantes, segundo as pesquisas. De fato, uma pesquisa recente registrou que cerca de 70% da população foi ofendida por algo que Trump disse, mas muitos desses mesmos dizem que poderiam votar nele, incluindo latinos e afro-americanos.

“Eu não presto muita atenção às notícias”, disse Cristal Bailey, uma eleitora na Califórnia, entrevistada pelo New York Times. “Mas sei que Trump é honesto. E sim, um pouquinho racista, mas sinto que ele poderia ser tão racista quanto os vizinhos ao lado”. Bailey, que é afro-americana, pretende votar no “pouquinho racista”. Shirley Treviño, uma eleitora latina, comentou ao jornal que se sente ofendida pela maneira como Trump fala sobre as mulheres, mas acrescentou: “Não me ofendem as coisas que ele diz sobre os hispânicos, porque ele fala muita verdade. As pessoas estão vindo aqui ilegalmente e precisam seguir o processo” legal. Ela também votará em Trump.

Os ataques de Trump contra o que ele diz ser o “establishment” ressoam em pessoas que acreditam ter sido ignoradas pelo sistema político e econômico, especialmente entre eleitores da classe trabalhadora sem ensino superior que sofreram com a perda de empregos na indústria e temem que o futuro será pior para eles e seus filhos. Neste país, 65% dos adultos não têm ensino superior, e esse percentual é ainda maior em estados decisivos como Arizona, Michigan, Pensilvânia e Wisconsin.

“A grande questão”, diz a historiadora Ben-Ghiat, é se Trump poderia conseguir centralizar mais poder se vencer. Durante seu primeiro mandato, líderes militares e políticos dizem que o limitaram recusando-se a cumprir ordens ou desviando decisões perigosas. Mas Trump disse que fará uma purga na burocracia federal e só nomeará incondicionais, retórica com a qual, segundo Ben-Ghiat, ele está preparando seus apoiadores para um rumo mais perigoso e menos democrático no governo. “Trata-se de criminalizar a dissidência”, disse, acrescentando que “há um método para essa loucura que levou as pessoas em uma jornada de doutrinação”.

O general Milley, ex-chefe do Estado-Maior, relatou que, em 2020, Trump ameaçou ordenar o retorno ao serviço ativo de dois generais aposentados para submetê-los a um tribunal militar por insubordinação. Milley agora acredita que isso poderia acontecer com ele se Trump retornar à Casa Branca. “Ele é um anúncio ambulante e falante do que tentará fazer”, disse Milley a Woodward em seu novo livro War.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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