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Manifestação na Geórgia em 28 de outubro (Foto: Salome Zourabichvili / X)

Após derrota, candidatos pró-UE questionam resultado das eleições na Geórgia

Oposição afirma que números foram falsificados e exige novas eleições organizadas por administração internacional, sem participação do órgão eleitoral da Geórgia
Juan Pablo Duch
La Jornada
Moscou

Tradução:

Ana Corbisier e Beatriz Cannabrava

*Atualizado em 30 de outubro de 2024 às 10h44

Milhares de pessoas foram na noite desta segunda-feira (28) ao comício, convocado pela oposição em frente à sede do Parlamento da Geórgia em Tiblissi, para protestar pelo que denomina “falsificação dos resultados” e exigir, como única demanda, a “repetição das eleições legislativas”, mas excluindo da organização e da contagem de votos a Comissão Central Eleitoral georgiana. É o que se vê na ampla cobertura dos canais de televisão por satélite da república caucasiana da antiga União Soviética.

A manifestação foi realizada por iniciativa da presidenta do país, Salome Zurabishvili, que não reconhece os resultados que outorgam a vitória ao partido governante, o Sonho Georgiano, cuja bancada de 89 deputados ultrapassa em 13 legisladores o mínimo para formar governo. O comício no centro da capital da Geórgia reuniu, baseando-se no instrumento mapcheking, cerca de 15 mil inconformados com as “irregularidades” que teriam facilitado a vitória do oficialismo com a cumplicidade da máxima autoridade em matéria eleitoral, segundo acusam.

Os quatro partidos da oposição insistem que a soma dos votos que realmente teriam recebido supera o Sonho Georgiano. Georgi Vashadze, líder da Unidade – Movimento Nacional, foi a público em nome dessas agrupações e, aclamado pela multidão, explicou:

“Primeiro: nós, assim como todos vocês, consideramos que estas eleições carecem de legitimidade. Segundo: não temos nenhuma intenção de fazer parte deste Parlamento, renunciamos a todos os mandatos (de deputado) e anulamos as chapas de partido. Terceiro: vamos lutar até vencer e prometemos que vamos vencer. E quarto: temos uma exigência concreta: repetir as eleições, mas organizadas por uma administração eleitoral internacional”.

Vashadze não indicou o que entendem os líderes opositores por “administração eleitoral internacional” e reiterou que não vão negociar com o Sonho Georgiano, salvo “as condições para repetir o encontro nas urnas”.

Em meio à crise, Geórgia recebe Viktor Orbán

Frente ao que começa a se configurar como a enésima crise de poder na Geórgia, o Sonho Georgiano, que rejeita todas as acusações de ter alterado os resultados e assegura que sua vitória reflete a vontade majoritária dos georgianos, recebeu nesta segunda-feira a visita do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que foi a Tiblissi para expressar apoio a seu colega georgiano, Irakli Kobajidze.

Orbán, cujo país ostenta até dezembro seguinte a presidência rotatória da União Europeia (UE), não recebeu nenhum mandato do Conselho Europeu para esta viagem e o faz a título pessoal, esclareceu Bruxelas.

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, assim como Ursula von der Leyen, presidenta da Comissão Europeia, e outros dirigentes comunitários, continuaram exortando as autoridades georgianas a “investigar com seriedade as supostas irregularidades” que afirmam ter ocorrido durante a votação de sábado. 

A União Europeia, de acordo com uma de suas porta-vozes, Nabila Massrali, considera que as eleições na Geórgia foram marcadas por “uma campanha de desinformação sem precedentes e uma dura retórica anti-europeia, inspirada pela Rússia”.

Rússia repudia acusações 

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, repudiou “de modo categórico” as acusações de que a Rússia tentou influenciar as eleições georgianas. “É algo que para muitos países tem caráter padrão. Mal acontece qualquer coisa, imediatamente acusam a Rússia de ingerência. Não, isso não é assim. Não houve nenhuma intromissão. Estas acusações carecem de todo fundamento”, frisou Peskov

De Tiblissi, o chanceler húngaro, Péter Szijjártó, que faz parte da comitiva de Orbán, endossou a declaração de Peskov ao responsabilizar a UE por questionar a limpeza das eleições na Geórgia. Em sua opinião, “no sábado não ganharam os designados por Bruxelas e a corrente majoritária liberal, e sim o partido governante que defende a soberania, a paz e a família, resumindo, os interesses nacionais”.

Resultado das eleições

O partido governante Sonho Georgiano, no poder há 12 anos, venceu as eleições legislativas no sábado (26) na Geórgia, segundo dados preliminares da principal autoridade eleitoral do país. Com 70,9% dos votos apurados e uma participação de 58,96% do eleitorado, o Sonho Georgiano obteve 52,99% dos votos contra os quatro principais grupos de oposição, que juntos somaram 38,27%.

Conforme esses resultados, divulgados por Georgi Kalandarishvili, presidente da Comissão Eleitoral Central, os 150 deputados do Legislativo unicameral da Geórgia ficariam distribuídos da seguinte forma: Sonho Georgiano, 88 cadeiras, frente a 62 da oposição (Coalizão para a Mudança, 19; Unidade – Movimento Nacional, 16; Geórgia Forte, 14; Gajaria pela Geórgia, 13). Os treze demais partidos listados nas cédulas não alcançaram os 5% de votos necessários para acesso ao Parlamento.

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Não surpreendeu ninguém que o Sonho Georgiano, usando todos os recursos do Estado contra uma oposição fragmentada e submetida a leis restritivas, obtivesse o maior número de votos. Mas, até que 70% dos resultados fossem oficializados, não era claro se seriam suficientes para permanecer no poder. Para formar governo, são necessários 76 deputados, e já conta com 12 além do mínimo requerido.

Medo da guerra

Alguns analistas acreditam que o temor de uma guerra com a Rússia, principal tema de campanha do Sonho Georgiano, superou o desejo da população de se integrar quanto antes à União Europeia, prioridade compartilhada pelos partidos de oposição.

Estes últimos, ao somar os votos dispersos que receberam, confiavam em estar aptos a formar um governo de coalizão em torno da Carta para a Geórgia, criada pela presidente Salome Zurabishvili, defensora da adesão à União Europeia, apoiada por entre 70% e 80% da população, segundo pesquisas realizada nos últimos meses.

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Embora a oposição tente desacreditar o Sonho Georgiano, qualificando-o de partido pró-Rússia, na verdade ele não se opõe à adesão à União Europeia, mas propõe desacelerá-la para, como dizem, “não se tornar uma segunda frente contra Moscou” — aspiração que, segundo eles, é buscada pelas “forças estrangeiras que manipulam a oposição” e resultaria em “uma guerra com a Rússia”.

No entanto, os gestos de aproximação de Tiblissi com Moscou — como evitar um posicionamento abertamente contrário à Rússia no âmbito da guerra na Ucrânia e aprovar leis que divergem da legislação europeia — desagradaram Bruxelas e fizeram com que o bloco suspendesse o status da Geórgia como país candidato a ingressar na União Europeia, além de reter um crédito de 121 milhões de euros, ao passo que os Estados Unidos negaram vistos a dezenas de funcionários e deputados georgianos.

Bocas de urna divergentes

Curiosamente, os dados das pesquisas de boca de urna, apresentados pelo governo e seus adversários, divergiram totalmente, com ambos os lados reivindicando a vitória em detrimento do verdadeiro vencedor.

Assim, o canal de televisão pública Imedi, próximo ao governo, divulgou os seguintes dados de pesquisas de saída: Sonho Georgiano, 56,1%; Coalizão para a Mudança, 12,6%; Unidade – Movimento Nacional, 11,6%; Geórgia Forte, 7%.

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Em contraste, o canal de televisão Fórmula, identificado com a oposição, afirma que suas pesquisas de boca de urna mostraram resultados diferentes. Especificamente, que o Sonho Georgiano obteve 40,9%. Já os rivais: Coalizão para a Mudança, 16,7%; Unidade – Movimento Nacional, 16,7%; Geórgia Forte, 10,3%; e Gajaria pela Geórgia, 8,2%. Juntos, os opositores somariam 51,9%, 11 pontos percentuais a mais que os governistas.

Por volta de uma da manhã (horário de Tiblissi), os principais líderes da oposição, Nika Gvaramia, da Coalizão para a Mudança, e Tina Bokuchava, de Unidade – Movimento Nacional, não reconheceram os resultados e denunciaram “roubo” e “golpe de Estado constitucional”.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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