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Donald Trump e Kamal Harris (Fotos: Gage Skidmore / Flickr)

Eleições nos EUA: comícios, ameaças, violência política e as últimas promessas de Harris e Trump

Reta final das eleições nos EUA é uma corrida contra o tempo para virar votos em estados-chave, lapidar discursos e reforçar as ameaças que Harris e Trump representam
David Brooks, Jim Cason
La Jornada
Nova York

Tradução:

Ana Corbisier

A votação nas eleições nos EUA não termina até a próxima terça-feira (5), mas ambas as campanhas já estão acusando seus adversários de colaborarem para cometer fraudes e outras formas de manipular os resultados, enquanto exércitos de advogados já preparam seus casos para contestar o desfecho.

“O condado de York, na Pensilvânia, recebeu milhares de registros de votação potencialmente fraudulentos e solicitações de cédulas por correio de um grupo externo”, denunciou nesta terça-feira (30) o candidato republicano Donald Trump. “O que está acontecendo na Pensilvânia? As autoridades precisam fazer seu trabalho, imediatamente”. Os republicanos já registraram 130 ações judiciais que, segundo eles, têm como objetivo maior transparência e evitar o voto ilegal, mas que os democratas denunciam como medidas para suprimir o voto.

Stephen Bannon, ex-estrategista de Trump e que tem um dos podcasts mais ouvidos no país, comentou também na terça que o ex-presidente está mais preparado este ano do que em 2020 para enfrentar batalhas legais e contestar os resultados. Em seu primeiro dia fora da prisão, onde cumpriu uma sentença de quatro meses por se recusar a depor no Congresso sobre a tentativa de Trump de subverter o resultado da última eleição, Bannon disse que recomendou que, no dia das eleições, o republicano declare vitória antes mesmo do anúncio do resultado final.

“Ele deveria se levantar e dizer: ‘Ei! Eu ganhei. E temos equipes que agora mesmo vão assegurar que não nos roubem’”, disse Bannon em entrevista ao New York Times. Trump insiste que venceu a eleição de 2020, apesar das evidências esmagadoras de que foi derrotado. Nas semanas após a última eleição presidencial, advogados republicanos apresentaram mais de 60 ações questionando a contagem dos votos em estados-chave, todas rejeitadas pelos juízes, com alguns advogados sendo punidos por apresentarem casos sem fundamento e enganosos, como o ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani.

Trump se recusa a declarar que aceitará os resultados desta eleição se não vencer. Além disso, durante meses, aliados ricos do ex-presidente financiaram esforços para tentar limitar o voto em vários estados, impulsionando medidas que dificultam a participação de determinados grupos, especialmente de setores pobres, urbanos e de minorias onde as tendências favorecem os democratas.

O New York Times relatou que, nos últimos três anos, organizações conservadoras conseguiram eleger republicanos como secretários — responsáveis por supervisionar eleições — em quatro estados. Até agora, os tribunais têm rejeitado esforços conservadores para impor restrições e outros obstáculos aos eleitores no dia das eleições na Carolina do Norte, Pensilvânia e Geórgia, mas esses esforços continuam mesmo após a eleição, com advogados argumentando para excluir certos votos, sobretudo em estados onde a margem de vitória é muito estreita.

Confira nossa editoria especial: Eleições nos EUA

O Partido Democrata estabeleceu uma “Unidade de Integridade Eleitoral” e trabalha com uma equipe de advogados para monitorar a contagem dos votos em estados-chave. “A equipe de Harris já preparou diferentes cenários legais hipotéticos” e elaborou milhares de páginas de processos que poderiam ser rapidamente modificadas para enfrentar disputas eleitorais em tribunais, informou a CNN.

Com Trump repetindo incessantemente que as eleições, caso ele não vença, não são confiáveis e são manipuladas com participação de “ilegais” — ele inclui a de 2020 —, a maioria dos republicanos continua questionando esses resultados, apesar da ausência de evidências de fraude, e essa desconfiança se generalizou entre seus apoiadores neste ano.

Além disso, com o histórico da tentativa de golpe de Estado em 6 de janeiro de 2021 e o clima de violência política alimentado desde então, as consequências são evidentes. Três quartos dos eleitores potenciais disseram acreditar que “a democracia estadunidense está sob ameaça” em uma pesquisa do New York Times nesta semana. Destes, 21% acreditam que Trump representa essa ameaça, 7% apontam para os imigrantes e 5% para os democratas.

47% dos votantes prováveis nessa mesma pesquisa relatam grande ou certa preocupação com a possibilidade de que Trump e seus aliados tentem subverter os resultados de 2024 por meios ilegais. Em outra pesquisa realizada pela agência AP, 76% dos eleitores expressaram preocupação com a possibilidade de violência durante ou após o pleito.

Mas isso já está acontecendo. Além de duas tentativas de assassinato contra Trump, na segunda-feira (28), dois artefatos incendiários foram colocados em caixas de votação usadas para depositar votos de pessoas que optaram pela votação antecipada em Portland, Oregon, e em Vancouver, no estado de Washington. As autoridades estão investigando e solicitando que eleitores que depositaram suas cédulas nessas urnas o façam de novo para repor as que foram queimadas.

O Departamento de Segurança Interna emitiu uma advertência em setembro informando que havia detectado possíveis preparativos para interromper a contagem dos votos ou destruir caixas de votação, enquanto funcionários do governo federal estão informando o Congresso sobre a possibilidade de ataques violentos no dia das eleições ou contra funcionários que se dedicam à contagem das cédulas.

Ao que parece, não há garantias de que cada voto conte ou que seja contabilizado neste país.

Comícios na Pensilvânia

Nesta quarta-feira (30), em Harrisburg, no coração da Pensilvânia, Kamala Harris instou milhares de simpatizantes a continuarem batendo nas portas para estimular o voto em um estado que ela precisa ganhar para vencer as eleições nacionais. O evento foi realizado logo após Trump liderar seu próprio comício a poucos quilômetros de distância, onde prometeu acabar com a inflação, fechar a fronteira e reduzir impostos para quase todos.

A Pensilvânia é um dos sete estados que determinarão o resultado nacional, e ambas as campanhas sabem que a margem de vitória nesse estado pode ser de apenas 50 mil votos, dos 7 milhões previstos para participar desta eleição.

Horas antes da chegada de Harris, centenas de simpatizantes já se reuniam perto do local, com camisetas que os identificavam como “Professores por Kamala” ou “Sindicalistas por Kamala”, e outros declarando apoio ao direito das mulheres de optar pelo aborto. Animadoras de torcida e uma banda da escola secundária de Harrisburg entretiveram o público, que também escutava uma mistura musical de um DJ, incluindo o que se tornou um hino gay, YMCA, nos anos 1970 – música que também, inexplicavelmente, é tocada nos comícios do ultrarreacionário Trump.

Mas foi a música Freedom, de Beyoncé, que anunciou a chegada de Harris, que subiu ao palco diante de uma grande faixa vermelha que dizia: “Quando votamos, vencemos”.

“Estou visitando aqui nesta tarde porque precisamos de vocês, Pensilvânia, pois estamos a apenas seis dias para as eleições mais importantes de nossa história”, declarou, provocando gritos e uma chuva de celulares gravando vídeos. Em meio a gritos de “Ka-ma-la, Ka-ma-la”, ela continuou: “Ninguém pode ficar parado. É hora de bater nas portas, enviar mensagens para amigos e vizinhos, falar com suas famílias e colegas de trabalho” para pedir que votem. Os maiores gritos de aprovação vieram quando ela disse: “Nossa luta é pela liberdade, como a liberdade de uma mulher de escolher”.

No entanto, seu discurso foi interrompido quatro vezes por ativistas que gritavam “acabem o genocídio em Gaza” – algo que se repete em quase todos os seus eventos –, chamando a atenção para a cumplicidade do governo de Joe Biden e sua vice, Harris, no envio de armas para Israel. Como fez em outras ocasiões, Harris respondeu: “quem está falando agora sou eu”. Mas acrescentou que “diferentemente de Trump, não considero que pessoas que discordam de mim sejam inimigos internos. Ele quer prendê-los, eu darei um lugar na mesa”. No entanto, talvez isso aconteça só após a eleição, já que ela não tem feito isso com seus críticos sobre Israel. Vale lembrar que se recusou a permitir que algum representante palestino-estadunidense falasse no palco durante a Convenção Democrata, e não fez nenhuma menção ao genocídio em Gaza nesta quarta-feira, nem em seu discurso em Washington.

A mensagem para a Pensilvânia se concentrou na economia, onde prometeu reduzir o custo de vida para a maioria da população e repetiu várias promessas econômicas, desde reduzir impostos para 100 milhões de estadunidenses até oferecer assistência para cuidados infantis, habitação, pequenos negócios e famílias que cuidam de idosos. “Todos têm direito a serviços de saúde”, afirmou.

Suas palavras para um público majoritariamente branco e de classe média foram bem recebidas, mas só se saberá no dia das eleições se ela conseguiu alcançar e convencer os indecisos que serão chave nessa eleição.

O comício de Harris, um dos três realizados nesta quarta-feira, incluindo paradas em outros dois estados decisivos – Wisconsin e Carolina do Norte –, foi um evento bem ensaiado, com um discurso disciplinado, desenhado para arrancar aplausos de simpatizantes. Harris mistura advertências sobre a ameaça que Trump representa ao sistema democrático com a promessa de um futuro que beneficie famílias trabalhadoras estadunidenses – hoje, não houve menção aos imigrantes e suas contribuições à economia.

Por sua vez, o comício de Trump na Pensilvânia foi realizado em Allentown na noite de terça-feira (29). Uma indicação de quão preocupante e volátil é o ambiente eleitoral, as escolas públicas da cidade fecharam e as aulas foram canceladas “por excesso de precaução”.

No ato de Trump, o mais notável foi a ausência de disciplina, oferecendo ao público uma espécie de tour verbal pelo seu processo de pensamento, incluindo, por exemplo, como decidiu construir uma sala de exercícios com pesos que nunca usou, até uma avaliação de como sua famosa cabeleira alaranjada era vista naquele palco.

Entre esses comentários, Trump voltou aos seus temas centrais, falando sobre como suas ameaças de impor tarifas aos carros fabricados no exterior levaram uma empresa automobilística a cancelar planos de construir outra fábrica no México (ele não mencionou o nome da empresa). Enquanto Harris se concentrou no direito ao aborto, Trump sempre volta às “ameaças” que o país enfrenta – os imigrantes, a “esquerda radical marxista” e medidas para amparar pessoas transgênero (incluindo uma antiga e óbvia mentira de que crianças são operadas nas escolas para retornarem para casa com outro sexo).

“Os Estados Unidos são um país sob ocupação, criminosos e pessoas saídas de manicômios estão fluindo por nossas fronteiras”, acusou Trump antes de exibir um vídeo de uma mulher cuja filha foi assassinada por dois imigrantes venezuelanos, que, segundo ele, sua adversária Harris teria permitido entrar no país para esperar a consideração de suas solicitações de asilo.

O ex-presidente sabe como entreter – foi assim que ficou famoso em seu reality show, O Aprendiz – e conhece a fundo seu público. Ao longo de seus discursos, ele aponta para pessoas na plateia (frequentemente mulheres atraentes, apesar de ter sido acusado de abuso sexual, incluindo estupros) para agradecê-las por seu apoio e, de vez em quando, convida políticos locais a subir no palco para elogiá-lo, embora não tolere compartilhar os holofotes por muito tempo.

Subversivos: o riso e a sátira como antídotos ao caos político nos EUA

Neste discurso de terça-feira, a ênfase foi sobre os latinos, já que os republicanos buscavam mitigar os danos de uma brincadeira de um comediante no comício de Trump em Nova York, no domingo (27), quando disse que Porto Rico era uma “ilha de lixo” (mais detalhes a seguir). Os porto-riquenhos são a maioria dos latinos na Pensilvânia, e a campanha de Trump procurou se distanciar do comediante – o candidato disse que nem o conhecia. Então, para comício na Pensilvânia, convidaram o senador cubano-estadunidense da Flórida, Marco Rubio, e uma figura política de Porto Rico, como parte do esforço de controle de danos.

O ex-presidente falou ainda sobre o país que busca resgatar das mãos dos democratas e ofereceu algumas de suas propostas políticas, desde fechar a fronteira, conter a inflação e recuperar empregos perdidos para outros países. Porém, o foco é sempre ele como estrela, a tal ponto que quase se esqueceu do propósito do evento. “Aliás, vocês precisam sair para votar”, lembrou-lhes, “caso contrário, ficarei envergonhado”.

Discurso de Harris em Washington

Na terça-feira (29), a candidata democrata Kamala Harris liderou um comício massivo no chamado Elipse, ao lado da Casa Branca, onde enfatizou dois temas centrais da campanha: a integridade do sistema democrático e a economia.

Harris apresentou, diante do que sua campanha afirmou serem 50 mil simpatizantes, o que chamou de “argumento de encerramento” — uma referência aos seus anos como promotora e à apresentação final ao término de um julgamento — após “apresentar evidências” durante meses sobre por que é hora de virar a página de Trump e traçar um novo caminho para o futuro. Ela disse que a escolha nesta eleição é “entre um país baseado na liberdade ou um país governado pelo caos e pela divisão”.

O local do ato foi escolhido porque foi ali que Trump incitou seus seguidores, em 6 de janeiro de 2021, a irem ao Capitólio, que depois foi tomado de assalto, um evento sem precedentes no país, com a intenção de interromper a certificação da eleição presidencial. Com a Casa Branca ao fundo e vista para alguns dos monumentos nacionais na capital, Harris relembrou o ato de Trump naquele dia e declarou que agora ele “tem a intenção de empregar as forças armadas dos Estados Unidos contra cidadãos estadunidenses que simplesmente discordam dele, pessoas que ele chama de ‘inimigos internos’”. Enfatizou: “é isso que ele é… isso não é o que somos”. O país, acrescentou, não passou por todas as lutas de sua história para agora se submeter a “um pequeno tirano”.

Harris afirmou que representa “uma nova geração de liderança” — talvez por isso Joe Biden também estivesse ausente, embora o ato tenha sido realizado no parque atrás de sua casa. Ela reiterou sua biografia e suas propostas para o futuro em benefício das maiorias.

Foi notável ela ter declarado que “somos uma nação de imigrantes”. Se comprometeu a promover uma reforma migratória com “um caminho para a cidadania” para alguns setores de migrantes, embora tenha insistido que enviará de volta aqueles que cruzarem de forma irregular.

Também assegurou: “não entregarei a liderança mundial dos Estados Unidos”, “para sempre” este permanecerá como “o campeão da liberdade pelo mundo”.

Por sua vez, Trump repetiu nos últimos dias que não é um fascista, que ele é “o oposto de um nazista”. Acusou em seus comunicados diários emitidos por sua campanha que “a camarada Kamala dedica os dias de sua horrível e fracassada campanha… atacando o movimento mais belo da história estadunidense, o MAGA”.

Nos últimos dias, Trump também anunciou uma proposta na qual promete confiscar os bens de gangues criminosas e cartéis de drogas para usar esses bens em um “fundo de compensação” para vítimas de “crimes migratórios”. Afirmou que Harris e o governo de Biden destruíram o país, que ela promove “uma mensagem de ódio e divisão”, enquanto sua “mensagem é sobre salvar nossa economia, assegurar nossa fronteira e formar a maior e mais ampla coalizão da história” do país, rebatendo assim a mensagem que os democratas têm usado contra ele. Repetiu o que agora é um novo slogan: “Ela quebrou, eu vou consertar”.

Enquanto isso, ambos os partidos enviaram seus candidatos a vice-presidente, líderes políticos e figuras do mundo do entretenimento pelo país, principalmente aos sete estados considerados “chave” e que provavelmente determinarão o resultado final da eleição nacional.

Entre o turbilhão de pesquisas, o ruído dos comentaristas, o desfile de “especialistas” e as estrelas nesta eleição atípica repleta de advertências apocalípticas sobre o que espera o país, ninguém se atreve a prever o futuro para além de que pode ser volátil, violento e sob a ameaça de um possível projeto fascista.

Como para comprovar que aparentemente não é incomum sentir-se perdido nesta conjuntura estadunidense, uma mensagem do complexo hospitalar Weill Cornell, em Nova York, oferece um podcast com uma conversa entre dois médicos sobre como lidar com o estresse gerado por esta eleição ao explorar a “interseção entre a saúde mental e a política”.

O show de horrores de Trump no Madison Square Garden

Os dois candidatos presidenciais continuam proclamando que, se o outro vencer, será o fim dos Estados Unidos. Donald Trump reitera que a “esquerda radical” é o “inimigo interno” do país que, com a ajuda dos imigrantes, está destruindo e envenenando o país, enquanto Kamala Harris afirma que seu oponente é a maior ameaça à democracia estadunidense na história moderna.

A visão sombria e ameaçadora de Trump foi exibida no domingo (27) em cores vivas e alto volume em seu grande comício no Madison Square Garden — conhecido como “a arena mais famosa do mundo” —, onde não foram ocultadas as mensagens de vingança política, racismo e, claro, antimigração que têm marcado sua campanha. Os 20 mil presentes e milhares mais que ficaram do lado de fora, ao redor da arena, pareciam desfrutar e celebrar a retórica que incluiu insultos a latinos, afro-estadunidenses, judeus e, acima de tudo, aos oponentes.

Foi às vezes tão extremo que a campanha de Trump tentou amenizar os danos, sobretudo para os latinos, cujos votos podem ser decisivos, depois que o primeiro orador, um comediante, brincou dizendo que “há uma ilha de lixo flutuante no oceano, acho que se chama Porto Rico”, e outro convidado comentou que os imigrantes latinos “gostam de procriar… não tiram depois de meter, assim como fizeram com este país”.

Houve referências indiretas a judeus e ataques velados a palestinos. Outro orador sugeriu que a candidata democrata Harris era uma prostituta “manipulada por seus cafetões”, e um amigo do ex-presidente qualificou a democrata como “o anticristo”. Quando a estrela do show, Trump, finalmente apareceu, ele se referiu novamente à sua mensagem de que a maior ameaça a este país é o “inimigo interno” — repetiu durante esta reta final que esse “inimigo” é a “esquerda radical”, liderada, primeiro, pelo presidente Joe Biden e agora pela “marxista, comunista, fascista” Harris e seu partido. Ele declarou em seu discurso caótico — como sempre — que sua eleição marcaria o “dia da libertação” e o fim da invasão do país por imigrantes.

Trump sugere usar militares contra “inimigos internos” e historiadora afirma: “é um ensaio”

O elenco de oradores incluiu o homem mais rico do mundo, Elon Musk, que investiu quase 120 milhões de dólares de sua fortuna pessoal na campanha de Trump, e Stephen Miller, o arquiteto das políticas anti-imigrantes de Trump quando era presidente e que está desenhando o que o magnata diz que será a maior deportação em massa da história se vencer a eleição. Miller assegurou ao público que Trump é o único que assegura que “a América é para os americanos e apenas para os americanos”.

Mas o centro da mensagem está no que ele chama de “desgraça da economia”, e é esse tema — do qual também deriva a mensagem antimigratória — que continua explicando por que Trump, com todo o seu histórico, crimes e escândalos, permanece empatado com Harris. Sua primeira pergunta ao chegar ao pódio foi: “estão melhor agora do que há quatro anos?”.

Harris não avança nas pesquisas

A vice-presidente Harris, cuja campanha foi lançada apenas no final de julho (as campanhas presidenciais costumam começar com mais de um ano de antecedência) após substituir seu chefe na candidatura democrata, ainda não está perdendo, como era o caso com Biden, mas também não está vencendo em uma disputa cujas pesquisas continuam registrando um empate técnico a nível nacional e, mais importante, nos cinco de sete estados considerados chave e que determinarão o resultado final.

Talvez o mais misterioso seja o fato de que a mensagem econômica de Trump seja tão efetiva, apesar de, no governo de Biden e Harris, os Estados Unidos terem conseguido uma recuperação rápida da crise econômica causada pela epidemia da covid-19, reduzindo o desemprego aos seus níveis mais baixos em anos recentes e gerando a melhor economia entre os países do mundo desenvolvido, sustentada por programas de apoio social e investimentos massivos em infraestrutura e promoção de setores “verdes”. Dizia-se que o estado da economia era o fator determinante em uma eleição presidencial, quase garantindo a vitória para quem está na Casa Branca.

Mas os democratas não conseguiram convencer amplos setores de que as condições econômicas melhoraram. Nesta segunda-feira (28), uma pesquisa da Politico/Morning Consult revelou que menos de três em cada dez eleitores dizem que as iniciativas e medidas econômicas de Biden e Harris melhoraram suas vidas e comunidades. Ainda que a inflação, desencadeada pelo crescimento econômico da recuperação, tenha sido contida nos últimos meses, Trump e seus aliados insistem que, para a maioria, tudo está pior e mais caro do que nunca.

Eleições nos EUA: uma aberração

Por ora, Harris e seus representantes — assim como Trump e os seus — continuarão focados em mobilizar o voto de suas bases e de possíveis, embora poucos, indecisos nos sete estados “chave”. Pela aberração de um sistema democrático sem voto direto para presidente, onde o vencedor é determinado pelo chamado colégio eleitoral (os delegados são atribuídos ao vencedor de cada estado) e não pelo voto popular, uma eleição nacional se reduz a alguns poucos estados que ainda não estão consolidados em uma coluna ou outra de partido. Na reta final desta semana e na próxima, quase todos os atos de campanha estão ocorrendo em Geórgia, Carolina do Norte, Pensilvânia, Michigan, Wisconsin, Nevada e Arizona. É possível que apenas alguns milhares de votos em cada um desses estados decidam o resultado.

E é nesses estados que são esperados os maiores conflitos e disputas eleitorais, embora os atos de intimidação, ameaças até de morte contra funcionários e voluntários, acusações de fraude e participação de imigrantes “ilegais” já tenham começado. As agências de inteligência dos Estados Unidos alertaram os departamentos de polícia locais e estaduais de que “extremistas domésticos”, que acreditam em teorias conspiratórias sobre fraude eleitoral promovidas por seus adversários políticos, podem desencadear atos violentos, “aterrorizando” e interrompendo o voto no dia das eleições e até a posse em janeiro. Eles identificam como possíveis alvos candidatos e políticos eleitos, trabalhadores eleitorais, jornalistas e juízes envolvidos em disputas eleitorais, e as ameaças incluem violência física em locais de votação, depósitos de votos e escritórios eleitorais, informou a NBC News.

Ao mesmo tempo, a eleição ocorre com baixos índices de confiança no sistema político. Quase metade (45%) dos estadunidenses considera que o sistema político não funciona como representante do povo; e 76% considera que a democracia estadunidense está ameaçada, registrou uma pesquisa do New York Times/Siena College divulgada na segunda-feira.

Trump, fascismo e Hitler

Em 23 de outubro, Kamala Harris declarou que Trump “é um fascista” em um fórum da CNN. Foi a primeira vez que sua campanha usou esse termo em público, tentando marcar diferenças fundamentais com seu oponente nesta reta final da eleição. Porém, não é a primeira vez que figuras públicas de alto escalão qualificaram o republicano assim.

De fato, os primeiros a chamá-lo de fascista foram conservadores tradicionais, quando ele se lançou como candidato pela primeira vez em 2015 com uma mensagem contra imigrantes mexicanos e muçulmanos. Vários críticos mantiveram essa opinião desde então, sendo o mais recente seu próprio ex-chefe de gabinete, o general dos Fuzileiros Navais John Kelly, que na semana passada comentou que Trump “se encaixa na definição de um fascista”. Em entrevista ao New York Times, Kelly também revelou que, na Casa Branca, Trump uma vez expressou que queria “o tipo de generais que Hitler tinha” e que Hitler “fez algumas coisas boas”.

Porém, talvez o mais alarmante seja que o próprio Trump — que classificou as palavras de Harris contra ele como prova de que “ela está perdendo, e por muito”, e contra-atacou afirmando que ela é “uma ameaça” ao país — não esconde suas tendências autoritárias e o uso de táticas que analistas chamam de fascistas.

O eixo central de sua mensagem anti-imigrante inclui frases relacionadas a mensagens nazistas, como dizer que os imigrantes estão “envenenando o sangue” dos Estados Unidos, comentários sobre ser “ditador por um dia” e o lembrete de que a Suprema Corte lhe deu imunidade e poder executivo quase ilimitado, exemplos destacados por aqueles que o qualificam como fascista.

Além disso, ele repete comentários como o de que talvez precise usar forças militares contra o que chama de “inimigo interno”, e suas constantes ameaças de que, se chegar à Casa Branca, purgará o governo de funcionários desleais e demitirá imediatamente o procurador especial Jack Smith, que lidera dois casos criminais contra o ex-presidente.

Enquanto isso, Trump continua sendo o primeiro presidente a incitar uma tentativa de golpe de Estado na história do país, algo que persiste até hoje ao se recusar a aceitar os resultados da eleição anterior e preparar o terreno para rejeitar novamente o resultado eleitoral. Na verdade, quase metade dos candidatos republicanos ao Congresso ou a cargos estaduais de alto nível expressaram publicamente dúvidas sobre a integridade desta eleição com o objetivo de minar a confiança pública no processo eleitoral, relatou o Washington Post.

Mas, mesmo com palavras tão fortes como fascista — e esta pode ser a primeira vez na história que um candidato presidencial de um dos dois partidos políticos nacionais é qualificado assim por seu oponente ou por ex-colaboradores de alto escalão — Trump permanece empatado com Harris nas pesquisas nacionais e em quase todos os 7 estados “chave” que determinarão o resultado.

A aposta da equipe de Harris é que usar a palavra fascista poderia frear o voto dos poucos indecisos que ainda restam a esta altura, e enfatizar que a democracia americana está em perigo caso Trump vença. Mas é bem possível que grande parte do público não saiba o que isso significa — a geração que viveu a Segunda Guerra Mundial, também conhecida como a guerra contra o fascismo, quase não existe mais, e o mito oficial dos Estados Unidos como vencedor sobre o fascismo se desfez e agora só existe em filmes.

“Plano” de Trump para expulsar imigrantes custaria US$ 66 bi/ano e aumentaria miséria nos EUA

Ao mesmo tempo, a grande preocupação do eleitorado nesta eleição é a economia, os preços e o emprego — em parte, a retórica anti-imigrante é eficaz quando Trump e seus aliados culpam os estrangeiros por roubar empregos e os benefícios econômicos deste país.

Trump conseguiu se posicionar como defensor dos trabalhadores e agricultores brancos, assim como de alguns latinos e afro-estadunidenses que sentem que estão perdendo o que tinham ou o que lhes foi prometido. E, com isso, conseguiu até agora evitar o que para qualquer outro político teria sido um suicídio profissional, entre seus dois impeachments, ser condenado por 34 acusações de fraude empresarial, acusado criminalmente de dezenas de delitos graves, condenado em processos civis por abuso sexual, entre outros. “Donald Trump desafiou a gravidade política. Ele sobreviveu ao insuportável, normalizou o anormal e ultrapassou as linhas vermelhas traçadas por seus antecessores. E pode vencer — de novo”, comentou o analista Zachary Basu, da Axios.

O comício de republicano no Madison Square Garden, arena icônica de Nova York, no último domingo (27), talvez tenha sido o cenário perfeito para o candidato presidencial. Foi naquele local que, em 1939, aconteceu o maior comício de simpatizantes nazistas estadunidenses da história. A semelhança entre os eventos foi apontada por críticos e denunciada até mesmo por porta-vozes da campanha republicana.

Naquele comício de simpatizantes nazistas, há 85 anos, o palco estava decorado com uma enorme imagem de George Washington com suásticas ao lado. Cerca de 20 mil pessoas compareceram ao ato de solidariedade a Hitler e fizeram a saudação nazista ao passar a bandeira com uma suástica. Segundo o Daily News reportou naquela data, foram mobilizados 1.700 policiais de choque ao redor da sede. Do lado de fora, havia cerca de 80 mil manifestantes antinazistas.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

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