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Foto: Noborder Network / Flickr

Dividir para conquistar: as possíveis razões do voto imigrante em Trump

Voto de grupos minorizados que incluem, além de imigrantes, mulheres e negros, é reflexo da frustração com uma cúpula política que não os representa
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Um dos truques mais antigos da política funcionou outra vez: um multimilionário e seus comparsas ainda mais ricos estão morrendo de rir ao conseguir que as grandes maiorias votassem contra si mesmas e contra seus próprios interesses, levando delinquentes e corruptos ao poder máximo.

Ao revisar os dados sobre a participação (e não participação) eleitoral, fica claro que o velho truque do “dividir para conquistar” funcionou. Nesta eleição, trabalhadores votaram contra trabalhadores (45% dos lares com algum sindicalista votaram no multimilionário e em seus aliados antissindicalistas), mulheres contra mulheres (52% das mulheres brancas votaram no abusador sexual que conseguiu anular o direito constitucional ao aborto), latinos contra latinos (45%, um número sem precedentes em meio século), afro-americanos (o dobro do voto dos homens negros para o magnata racista em relação a quatro anos atrás) e imigrantes contra imigrantes.

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Os casos de imigrantes que conquistaram a cidadania e votaram — alguns pela primeira vez desde que obtiveram o direito ao voto — no multimilionário que se lançou e triunfou com uma das mensagens mais anti-imigrantes dos tempos modernos, são terríveis. Há, por exemplo, uma trabalhadora doméstica mexicana cujas irmãs, contou sem surpresa, votaram em Donald Trump. Ao ser perguntada por que, respondeu que era melhor para a economia e também porque os democratas deixaram passar “imigrantes demais”, aos quais ofereceram apoio, moradia e trabalho, enquanto os que estão há décadas no país continuam indocumentados. Houve também um taxista africano que votou pela primeira vez em sua vida, dando seu voto a Trump, por acreditar que “estão deixando passar imigrantes demais”.

E há relatos semelhantes, alguns até mais enigmáticos, como o de um jovem porto-riquenho que afirmou que os republicanos haviam ofendido seus compatriotas ao chamar seu local de nascimento de “uma ilha de lixo”. Mesmo assim, confessou ter votado em Trump, alegando que ele era melhor para as famílias, frearia a entrada de indocumentados e que os democratas estavam mais preocupados com transexuais.

Razões irracionais

As razões para votar em alguém que claramente é prejudicial à saúde coletiva giram em torno de uma certa irracionalidade gerada por um profundo e prolongado desencanto, ira, desesperança e frustração com uma cúpula política que não os representa. Diante da falta de outra opção, muitos estão convencidos de que Trump representa um movimento – atenção, não um partido – insurgente.

No entanto, com as primeiras nomeações para o gabinete e outros cargos em seu governo, essa insurgência não passa de um projeto ultrarreacionário que promete o retorno a um país mítico do passado, buscando impor-se sobre o que resta do sistema democrático.

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“O totalitarismo no poder invariavelmente substitui todos os talentos de primeira linha, sem importar suas simpatias, por loucos e tolos cuja falta de inteligência e criatividade continua sendo a melhor garantia de sua lealdade”, apontou Hannah Arendt (como nos lembra, nesta conjuntura, sua biógrafa Samantha Rose Hill).

O falecido comediante George Carlin resumiu o velho truque em um de seus monólogos:

“É assim que a classe dominante opera em toda sociedade: tentam dividir o restante do povo, mantendo as classes baixas e médias batalhando entre si para que eles, os ricos, possam escapar com todo o dinheiro… Sabem, qualquer coisa que seja diferente, é disso que vão falar: raça, religião, história étnica, origem nacional, empregos, renda, educação, status social, sexualidade, qualquer coisa que possam usar para nos manter brigando entre nós, enquanto eles continuam voltando ao banco. Sabem como eu descrevo as classes sociais e econômicas deste país? A classe alta não paga nada de impostos. A classe média paga todos os impostos, faz todo o trabalho. Os pobres estão lá apenas para assustar a classe média – para que continuem se apresentando para aqueles trabalhos de merda”

Não foi possível antes, mas talvez agora surja uma luz de resistência solidária e unida diante da sombra cada vez mais escura que paira sobre este país e o planeta.

Eleito pela maioria?

Antes de mais nada, e para contrariar a propaganda aqui e em todo o mundo: é falso que a direita tenha triunfado com um grande mandato popular, o que levou inúmeros analistas progressistas aqui e em outras partes do mundo a proclamar que os Estados Unidos agora mostraram suas “cores verdadeiras” de um país racista, misógino e xenofóbico, entre outras coisas. Vale destacar, como reportou o jornal La Jornada, que Trump ganhou a presidência com pouco mais de um terço do total do eleitorado, ou seja, uma minoria dos que têm direito ao voto neste país.

Agora, há mais dados – ainda preliminares – sobre a lentíssima contagem de votos, que colocam em contexto o triunfo da direita. Trump ganhou com uma das margens mais reduzidas de voto popular desde o século XIX, conforme calculou o New York Times, com uma vantagem de 1,6% sobre Kamala Harris. Além disso, tudo indica que ele não conquistará a maioria do voto popular (atualmente, ele tem 49,9%). O fato de que 40% do eleitorado não participou da eleição significa que Trump ganhou com menos da metade dos votos daquele 60% que compareceu às urnas. Embora ele continue declarando que “a América nos deu um mandato sem precedentes e poderoso”, na realidade ele conquistou a Casa Branca com apenas um terço do eleitorado. Em outras palavras, uma esmagadora maioria de dois terços do eleitorado não votou nele.

Agora, diante do triunfo da direita levada ao poder por uma minoria do eleitorado, a pergunta imediata é: de onde e como se organizará uma resistência, considerando que a grande maioria do país não apoia a proposta reacionária e neofascista do vencedor. Desde democratas tradicionais, liberais, até progressistas em seu sentido mais amplo, todos obviamente sabem que é necessário responder rapidamente ao projeto de nação que já está sendo impulsionado pelo presidente eleito e seu círculo. Porém, por enquanto, não há consenso além disso, entre alertas e preocupações sobre quão terríveis serão os próximos quatro anos. As propostas vão desde o que se imagina até a ausência de grande imaginação no momento – embora isso mude com o tempo –, como “reconstruir” o Partido Democrata e/ou apostar nas organizações sociais (sindicatos, ambientalistas, movimentos de mulheres, da comunidade LGBTQIA+, de defesa dos direitos civis, de imigrantes e mais), ou seja, alguma combinação entre os derrotados pelo resultado eleitoral. Vale destacar que não foi apenas uma derrota eleitoral, mas também das forças sociais progressistas do país.

Enquanto Trump forma seu gabinete, descrito por alguns como um “carro de palhaços”, as implicações para as maiorias no país e para outras nações que não estão dispostas a seguir suas ordens não são nada engraçadas. Para os próximos governantes, o inimigo interno é toda a ampla gama de opositores ao seu projeto, como Trump repetiu todos os dias. O ex-militar nomeado para liderar as forças armadas mais poderosas do mundo escreveu em seu livro Cruzada Americana, de 2020, que seria necessário “humilhar, intimidar e esmagar nossos oponentes esquerdistas” e “derrotar os inimigos internos da América”.

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Para a resistência, isto já não é o mesmo jogo político de sempre. E, portanto, a resposta não pode ser “mais do mesmo”. Talvez o que Trump representa seja tão grave que obrigará as forças progressistas a imaginarem algo muito além de apenas a próxima eleição.

Por enquanto, Trump pode ter interrompido o jogo tradicional do duopólio político estadunidense com seu movimento, que nunca foi controlado pela cúpula tradicional do Partido Republicano, agora submetida ao magnata. Pelo lado progressista, Bernie Sanders conseguiu em parte fazer algo semelhante dentro do Partido Democrata ao lançar-se como pré-candidato presidencial do partido em 2016, mas, nesse caso, a cúpula tradicional o derrotou. Talvez a resistência que está surgindo precise discutir se chegou a hora de algo novo, além de apenas solicitar novamente um voto pelo “mal menor”.

Bônus Musical

The Clash | Know Your Rights

Johnny Cash | Man in Black

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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