Pesquisar
Pesquisar
Lula e Xi Jinping durante encontro em novembro (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Relação Brasil-China impulsiona multilateralismo e situa Brics como “embrião” de um novo mundo

Segundo especialistas, acordos firmados entre Brasil e China seguem a lógica do "ganha-ganha", o que serve de exemplo para relação entre outros países
Flávia Villela
Sputnik Brasil
Rio de Janeiro (RJ)

Tradução:

Com um saldo de 37 acordos em diversas áreas, o presidente da República Popular da China, Xi Jinping, e seu homólogo no Brasil, o Presidente Lula, estreitaram ainda mais a cooperação e parcerias entre os dois países durante encontro em 20 de novembro, no Palácio da Alvorada, em Brasília.

Analistas políticos com especialidade nas relações sino-brasileiras ouvidos pela Sputnik Brasil interpretaram os resultados da visita como algo mutuamente benéfico, na lógica do “ganha-ganha”, em que o multilateralismo, principalmente, sai ganhando.

Cientista político, professor de relações internacionais e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha, Maurício Santoro destacou a sintonia de objetivos de política internacional rumo a um mundo mais multipolar, como a defesa da reforma das instituições globais para beneficiar países do Sul Global. “Há uma afinidade muito grande entre as agendas globais dos presidentes Lula e Xi Jinping, sobretudo no que diz respeito à defesa das instituições multilaterais internacionais”, afirmou ele.

Jurista, editor da Autonomia Literária e analista geopolítico, Hugo Albuquerque argumentou que as duas nações criaram uma dinâmica complementar, que ainda não alcançou sua totalidade devido a entraves como a dolarização das transações comerciais. “Uma relação direta entre Brasil e China, em todos os sentidos, ela tem um peso enorme. Como teria com o Brasil e a Rússia também, e, evidentemente, que uma aproximação do Brasil e a China contribui para relações desse mesmo tipo com outros países, grandes, médios e pequenos, para que os Estados Unidos deixem de ser, além de uma grandeza em si, a régua do mundo“, ponderou.

O fortalecimento da relação bilateral brasileira-chinesa, nesse sentido, gera “precedente para demais relações pelo mundo”, salientou o jurista, ao citar o grupo do BRICS como um “embrião” desse rearranjo na geopolítica mundial: “BRICS é naturalmente como um embrião de um outro mundo possível, que não seja aquele mundo comandado pelas potências imperialistas do século 19, nos vários arranjos que o sistema teve antes da Primeira Guerra, depois da Segunda Guerra, depois da Guerra Fria. É a possibilidade de um mundo diferente dessa ordem que é opressora, vertical, brutal. O BRICS é um embrião desse outro mundo que pode ser possível e a relação sino-brasileira é fundamental nesse sentido”.

Desafios e oportunidades: parceria Brasil-China redefine mapa econômico global

O editor da Autonomia Literária alertou, porém, que o Brasil precisa recalibrar seu modelo de desenvolvimento e construir estruturas públicas e semipúblicas para qualificar a relação com a economia globalizada, como fez a China para não perder o controle da própria economia.

“Me filio entre aqueles que defendem uma reestruturação, mas no sentido público, da gestão da nossa economia, porque só isso vai permitir a gente colher frutos mais efetivos dessa parceria”, refletiu ele.

Rota da Seda

Lançada em 2013, a Iniciativa Cinturão e Rota chinesa, também conhecida como Nova Rota da Seda, que engloba 150 países, não entrou nos acordos, pois o Brasil optou por não aderir ao ambicioso projeto chinês, apesar dos apelos do parceiro asiático.

Os entrevistados destacaram que o impacto de uma adesão seria mais simbólico e político do que comercial para ambos os países. Albuquerque alegou que a decisão brasileira de não aderir ao projeto não foi unânime e teve influência de “grupos ocidentalistas no Brasil, que entendiam que o significado dessa adesão poderia colocar o Brasil muito claramente para longe do Ocidente”, comentou ele ao chamar a decisão de equivocada.

“Para a China, a grande importância da Nova Rota da Seda é para a criação de novas rotas de comércio e também para a exportação de capitais e a reciclagem de capitais, sobretudo na área de infraestrutura. Então, eu acho que faltou aí, na verdade, um posicionamento mais firme do Brasil de aderir e também, claro, cobrando dos parceiros chineses um avanço num problema e num gargalo muito grave do Brasil, que é a infraestrutura, onde a gente tem uma demanda muito reprimida por uma clara falta de ferrovias, hidrovias, rodovias”, examinou o jurista.

Membros do governo jogam contra Lula e sabotam entrada do Brasil na Nova Rota da Seda

O cientista político também frisou que no Itamaraty há “ceticismo” quanto aos benefícios do projeto para o Brasil: “Como o país já recebe muitos investimentos chineses, é o principal destino deles entre as nações do Sul Global, não haveria muitos ganhos extras. Os diplomatas também temem que o Brasil perderia voz e influência nas relações com a China, tendo que negociar com as dezenas de países que formam a iniciativa”, disse ele ao elencar o risco de retaliações comerciais por parte dos EUA como mais um fator considerado.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Flávia Villela

LEIA tAMBÉM

Acordo Mercosul-UE é semicolonial e vai sair caro para empresas sul-americanas
Acordo Mercosul-UE é semicolonial e vai sair caro para empresas sul-americanas
Frei Betto Ainda estão aqui a sequela da impunidade aos crimes da ditadura
Frei Betto | Ainda estão aqui: a sequela da impunidade aos criminosos da ditadura
Rumo à multipolaridade, Centro de Integração e Cooperação Rússia-América Latina é inaugurado no Brasil
Rumo à multipolaridade, Centro de Integração e Cooperação Rússia-América Latina é inaugurado no Brasil
O retorno de Trump, Lula e o resgate da classe trabalhadora no Brasil
O retorno de Trump, Lula e o resgate da classe trabalhadora no Brasil