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ToggleEm entrevista para o site da revista Carta Capital, o ministro Gilmar Mendes, do STF, fez um mea-culpa pelo seu desempenho e do STF com relação à Operação Lava Jato.
Louve-se a coragem e a humildade surpreendentes do ministro Mendes em reconhecer os seus erros e de todos os que apoiaram os lavajatistas. Ainda que tardia, sua autocrítica é importante e deve ser destacada, pois ela deveria servir de exemplo para todos os demais envolvidos na Operação Lava Jato e no seu apoio.
Isto posto, não se pode deixar de registrar estranheza frente à declaração de ingenuidade embutida nas palavras do ministro. Será mesmo que integrantes do Poder Judiciário e do Ministério Público, em seus diferentes níveis, foram candidamente iludidos pelos “cérebros de minhoca” (palavras de Gilmar) que comandaram a Lava Jato?
Vejamos, resumidamente, o que disse o ministro Gilmar Mendes na entrevista.
Aquele período ficará na história como “uma quadra obscura”, durante a qual o País deu poder “a uma gente muito chinfrim.”
“Vimos que Curitiba era uma atividade política, tanto que Moro já é chamado entre o primeiro e o segundo turnos para ser ministro da Justiça de Bolsonaro. E foi até algo positivo, porque ali se revelou o tamanho de sua incompetência.”
Mendes apontou a responsabilidade generalizada do sistema político na hipertrofia da operação. “De alguma forma, todos nós participamos ou deixamos que essa pantomima toda se instalasse.”
No entanto, de acordo com o decano do STF, diante dos impactos jurídicos, políticos e econômicos da operação, a maioria dos ministros do STF teve o mérito de fazer “a corrigenda adequada”.
O ministro arremata: “É um fato constrangedor para toda a gente que se declarou lavajatista ver que, a despeito da ousadia que essa gente tem, eles tinham cérebro de minhoca”. Ele conclui: “Dá uma certa vergonha: ‘Poxa, deixamos que esses microcéfalos nos dirigissem por tanto tempo’.”
Ingênuos?
Vá lá que Deltan Dallagnol e seus colegas procuradores federais do grupo Filhos de Januário (nome do grupo de WhatsApp utilizado pelos lavajatistas), em conluio com o juiz Sérgio Moro, tenham sido capazes de enrolar seus colegas da 13ª Vara Federal de Justiça de Curitiba, mas como acreditar que eles tenham enganado também os desembargadores da 8ª Turma do TRF4, incluindo o presidente do Tribunal que considerou “tecnicamente irrepreensível” a sentença de Moro contra Lula da Silva (diga-se de passagem que o fez sem sequer ter lido a peça)? Será que foi por acreditarem tão piamente nos lavajatistas que confirmaram unanimemente a condenação de Lula e, além disso, aumentaram sua pena na medida exata para torná-lo inelegível?
Na mesma linha, como entender que o STF tenha concordado com a prisão de Lula sem que tivessem se esgotado todos os recursos interpostos junto ao próprio STF? Fossem todos esses personagens alunos de alguma escolinha de educação infantil, seria mais facilmente crível que eles se deixassem iludir, mas o que dizer de homens e mulheres com mais de 50 anos, com “alto saber jurídico”, “moral ilibada”, mestres e doutores em ciências jurídicas, dono (como o próprio ministro Mendes) de faculdade de direito, com anos de carreira e experiência profissional?
Se em vez da ingenuidade, foi o medo que os fez afrontarem, entre outras decisões descabidas, uma determinação do Tribunal Internacional de Direitos Humanos (que tem força de lei e a que o Brasil se submete de forma voluntária e por decisão soberana de seu Congresso Nacional) impedindo Lula de se candidatar à Presidência da República, em 2018, e abrindo espaço para Bolsonaro, não seria agora o momento de o ministro Mendes (e, quem sabe, de os demais ministros do STF) explicar(em) quem ou que instituições (nacionais ou não) os pressionaram para adotar(em) tão desacertadas decisões? Quem respaldou o tuíte do general Eduardo Villas Bôas que fez tremer o STF na véspera do julgamento do habeas corpus de Lula?
Os danos causados à Nação e aos brasileiros foram imensos. Lula foi preso e humilhado injustamente durante 580 dias tão injustamente que o próprio STF, reconhecendo a perseguição sofrida, anulou suas condenações. Além dele, dezenas de políticos de diferentes partidos e empresários foram presos e condenados, sendo os integrantes do Partido dos Trabalhadores os alvos preferenciais da Operação. Como Lula, a maioria dos condenados teve suas sentenças anuladas posteriormente.
Ainda mais grave, a ação orquestrada dos lavajatistas (que foi apoiada incondicionalmente pelo STF, pela Procuradoria Geral da República, pela grande imprensa corporativa, por empresários, por militares, por religiosos e pela totalidade dos políticos de direita e extrema-direita) acabou por destruir a confiança, já historicamente pequena, de grande parte da população brasileira nas instituições públicas e principalmente na política e nos políticos. Segundo a Lava Jato, a “caça à corrupção e aos corruptos” resolveria todos os problemas do país.
O resultado inevitável já era antevisto por aqueles que tinham algum conhecimento de história política, mesmo que tivessem parcos conhecimentos jurídicos. Bastava mirar as consequências não tão distantes no tempo da Operação Mãos Limpas (1992/1996), na Itália, e na qual os lavajatistas declaradamente se inspiraram.
O sistema partidário italiano faliu e as lideranças políticas tradicionais foram substituídas pelas figuras caricatas de Sílvio Berlusconi, tornado Primeiro-ministro da Itália entre 1994 e 1995, 2001 e 2006 e entre 2008 e 2011, e, posteriormente, pelo comediante e blogueiro Beppe Grillo e seu Movimento 5 Estrelas, que se transformou no maior partido e na terceira força política no Parlamento italiano, em 2013. Tudo isto, fruto da criminalização da política e da crença de que “pessoas comuns”, colocadas no poder pela força da internet, poderiam estabelecer uma espécie de democracia direta, isenta de corrupção e de maldades de todo tipo. Além das consequências políticas, o PIB italiano despencou e demorou mais de 10 anos para se recuperar da debacle provocada pela operação Mãos Limpas.
Veneno demais
No Brasil, como se poderia antever e como foi alertado por diversos analistas durante a ocorrência dos fatos, foram os “cérebros de minhoca”, na definição de Gilmar Mendes, que abriram o caminho para que Bolsonaro e a cúpula das Forças Armadas chegassem ao poder como consequência da Operação Lava Jato. Era preciso acabar com Lula, com o PT e com os demais partidos de esquerda e isto foi suficiente para se armar o complô lavajatista, com amplo apoio das principais instituições da República O veneno utilizado, no entanto, foi forte demais e atingiu muito mais do que o PT e a esquerda, atingiu o sistema político brasileiro, além da economia e da saúde do povo brasileiro.
Sob o pretexto de colocar fim à corrupção na Petrobras, além das prisões de diretores, a ação coordenada dos lavajatistas fez com que no período de 2012 a 2014 a empresa caísse quase 400 posições na lista das maiores empresas do mundo, saindo da 30ª para a 416ª posição, segundo a lista publicada anualmente pela revista Forbes[1]. Empreiteiras como a Odebrecht e a OAS, então entre as maiores do mundo, foram levadas a requererem recuperação judicial. A indústria naval brasileira, então em franca expansão e gerando milhares de empregos, foi estrangulada. O almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, físico e engenheiro, considerado um dos pais do projeto nuclear brasileiro e idealizador do submarino nuclear brasileiro, também acusado de corrupção nunca provada, foi preso e seus projetos paralisados.
Ainda pior e muito além da estagnação econômica, do desemprego, da entrega do orçamento público federal à sanha do Centrão pela inoperância de Bolsonaro, do ódio à política e aos políticos disseminado durante o período lavajatista e bolsonarista, estima-se que as vidas de cerca de 400 mil brasileiros e brasileiras poderiam ter sido poupadas durante a pandemia da Covid-19, se políticas negacionistas não tivessem sido adotadas pelo então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, eleito graças ao caminho aberto pela Operação Lava Jato.
Inspiração
Se foi ingenuidade o que fez com que tantos confiassem na Lava Jato, seria bom que os demais integrantes do STF, do Conselho Nacional de Justiça, da Procuradoria Geral da República e da grande imprensa corporativa brasileira fizessem como o ministro Gilmar Mendes e viessem a público reconhecer seus erros.
Diferente da atitude louvável do ministro Gilmar é a convicção nunca revista do então Procurador Geral da República Rodrigo Janot, que respaldou os atos de Dallagnol/Moro et caterva e reafirmou suas crenças (ingênuas?) em livro publicado depois que deixou o cargo e até hoje não revisitado pelo autor.
Diferente da atitude louvável do ministro Gilmar, é a impunidade, que perdura até hoje, dos procuradores da República que participaram das ações da Lava Jato e dos desembargadores integrantes do conluio instalado no TRF4, pela inação do Conselho Nacional de Justiça.
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Diferente da atitude louvável do ministro Gilmar é o silêncio da grande imprensa corporativa brasileira, que bombardeou a população durante vários anos[2], em conluio com os lavajatistas, com denúncias falsas e agora “faz cara de paisagem”, como se não lhe coubesse nenhuma responsabilidade pelo caos econômico, social, político e moral que se instalou no país. Age hoje como se o clima de ódio instalado no país tivesse sido causado apenas pela disseminação de fake news por meio das redes sociais, sem que ela as houvesse divulgado insistentemente e, muitas vezes, criado.
Louve-se a atitude do ministro Gilmar Mendes. Que ela seja imitada por todos e todas que apoiaram a Operação Lava Jato e os lavajatistas. Mais do que isto, que ela sirva de inspiração para que sejam apurados todos os desmandos cometidos e punidos todos os responsáveis por eles. Este será o caminho mais curto para que possamos evitar a repetição de catástrofes como as ocorridas durante o governo Bolsonaro, só tornado possível graças às ações dos muitos apoiadores dos dallagnois e moros espalhados pelo país.
[1] A petroleira despencou da 30ª para a 416ª posição em relação ao ano anterior. No ranking de 2013, a companhia ficou em 20º lugar. Em 2012, a gigante brasileira de petróleo aparecia no 10º lugar. A revista destaca a Petrobras como uma das “maiores perdedoras de alto perfil” do ano, citando os “escândalos contábeis e de corrupção”. Clique aqui para ver a lista completa. A estatal teve seus ativos avaliados em US$ 298,7 bilhões, ante a um valor de US$ 319,2 bilhões em 2014. Já o valor de mercado da companhia despencou em 1 ano de US$ 86,8 bilhões para US$ 44,4 bilhões. – Veja o artigo Petrobras cai de 30º para 416º lugar em lista de maiores do mundo, no site do G1.
[2] Dentre outros muitos exemplos, basta citar o “propinoduto” exibido diariamente durante meses no Jornal Nacional da Rede Globo no período áureo da Operação Lava Jato.
Veja a íntegra da entrevista do ministro Gilmar Mendes concedida ao site da Carta Capital: