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Viagem pela geopolítica espiritual de Rumi, personalidade amada do Oriente ao Ocidente

O Projeto Rumi é mostrar ao homem o caminho para o Amor Divino, conduzindo-o por estágios, do mais baixo para o mais alto
Pepe Escobar
The Cradle
Líbano

Tradução:

“Mas por onde anda a sombra antiga
do âmago astrônomo do Irã?
Por isso, deixo esta cantiga – tempo de mim, asa de abelha –
na tua carne eterna e vã, rosa vermelha!”

Cecília Meireles, “Terceiro Movimento da Rosa”. In Mar absoluto (1945), São Paulo: Global Ed. Excerto.

Poeta místico, sufi, teósofo e pensador, Jalal al-Din Rumi continua a ser uma das personalidades históricas mais amadas da história, no oriente e no ocidente. Andarilho à procura da luz, disse de si mesmo: “Não passo de humilde amante de Deus”.

A era do pai de Rumi – sultão Bahaeddin Veled (1152-1231) e do filho (1207-1273) – foi uma extraordinária montanha-russa sociopolítica. É absolutamente impossível compreendermos hoje as ideias, alusões e parábolas que invadem a magnífica obra de Rumi, o Masnavi de seis volumes, em 25.620 dísticos, sem nos aprofundarmos em viagem a sério no tempo.

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No Masnavi, escrito em persa – principal língua literária da Ásia Ocidental e Central naquela época –, Rumi usou a poesia essencialmente como ferramenta para ensinar segredos divinos, explicando-os por parábolas.

O Projeto Rumi é mostrar ao homem o caminho para o Amor Divino, conduzindo-o por estágios, do mais baixo para o mais alto. Apertados e subjugados pelo gigante tecno feudalista, talvez precisemos agora, mais do que nunca na história, dar atenção a essas lições.

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O Masnavi tornou-se extremamente popular em toda a Eurásia, imediatamente após a morte de Rumi em 1273 – de Índia, Paquistão e Afeganistão, até Ásia Central, Irã e Turquia.

Então, lenta mas seguramente, o homem e a obra acabaram chegando até o Ocidente coletivo (Goethe foi hipnotizado), e inspirando uma riqueza de comentários eruditos em persa, turco otomano, urdu e inglês.


“O mestre da Anatólia”

Comecemos nossa viagem no século XI, quando tribos turcas, depois de cruzarem a Transoxiana, começaram a se estabelecer no norte da Pérsia.

Essas novas tribos turcas – dos gaznávidas aos seljúcidas (na verdade o ramo de uma tribo turca) – constituíram dinastias fabulosas que desempenharam papel fundamental na mistura das culturas turca e persa (o que os chineses de hoje, aplicando-o às Novas Estradas da Seda, chamam de “contatos pessoa a pessoa”).

O Islã espalhou-se muito rapidamente na Pérsia sob o domínio dos samanídeos, tolerantes, no campo da religião. Essa foi a pedra fundamental para Mahmud de Ghazna (998-1030) formar um grande império turco, do nordeste da Pérsia até partes muito remotas da Índia. Mahmud causou forte impressão em Rumi.

Enquanto os gazinávidas permaneceram poderosos na Pérsia oriental, os seljúcidas estabeleceram império poderoso, não apenas em partes do Irã, mas também nas remotas terras da Anatólia (chamado Arz-I Rum). Esta é a razão pela qual Rumi é chamado Mavlana-yi Rum (“o mestre da Anatólia”).

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Rumi, quando criança, viveu na lendária Balkh (parte do Khorasan, no norte do Afeganistão), capital do império Khwarazm. Quando Rumi e seu pai ainda estavam lá, o rei era Ala al-Din, de uma dinastia estabelecida por um escravo turco.

Após uma série de enfrentamentos incrivelmente confusos no reino, Ala al-Din viu-se envolvido em batalha contra o rei de Samarcanda, Osman Khan. O confronto acabou em massacre em 1212, no qual os soldados de Ala al-Din fizeram 10 mil mortos em Samarcanda. O jovem Rumi ficou chocado.

Ala al-Din queria nada menos que o governo absoluto do mundo muçulmano. Recusou-se a obedecer ao califa em Bagdá. Começou até a fazer projetos para a China – onde Genghis Khan já havia conquistado Pequim.

Ala al-Din mandou embaixadores à China, os quais foram muito bem tratados por Genghis, que estava de olho – e em que mais pensaria?! – nos bons negócios entre os dois impérios (novamente, o bug da Rota da Seda). Genghis mandou de volta os embaixadores, carregados de presentes. Ala al-Din recebeu-os em Transoxiana, em 1218.

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Mas então o governador de uma de suas províncias, parente próximo de Ala al-Din, roubou e matou alguns dos mongóis. Genghis exigiu punição. O Sultão recusou. Quem desejaria briga com Genghis Khan?

E Genghis iniciou imediatamente uma série de massacres na Pérsia. Como seria inevitável, o império Khwarazm – com suas grandes cidades, Samarcanda, Bukhara, Balkh, Merv – entrou em colapso. 

Naquele momento, Rumi e o pai já tinham partido.

Como Bagdá, cada uma daquelas fabulosas cidades era um centro de estudos. A Balkh de Rumi tinha cultura mista de árabes, sassânidas, turcos, budistas e cristãos.

Depois de Alexandre, O Grande, Balkh tornou-se o centro da Greco-Bactria. Pouco antes do advento do Islã, era centro budista e centro de ensino de zoroastrismo. E durante todo esse tempo, foi um dos grandes centros das Antigas Rotas da Seda.

O Projeto Rumi é mostrar ao homem o caminho para o Amor Divino, conduzindo-o por estágios, do mais baixo para o mais alto

Crédito de la foto: La Cuna
Rumi diz, essencialmente, que quem vá a um moinho de farinha e não leve o trigo… nada ganhará além de barbas e cabelos brancos




Na estrada com 300 camelos

O herói do Masnevi de Rumi, Ibrahim Adham, havia renunciado a seu trono, por amor a Deus, como Buda, dando o exemplo para o Sufismo que mais tarde floresceria naquelas latitudes, conhecido como a “escola Khorasani”.

Como diz o Prof. Dr. Erkan Turkmen – nascido em Peshawar, hoje um dos principais especialistas da Universidade Karatay em Konya e autor, dentre outros, de um belo volume, Roses from Rumi’s Rose Garden (lit. Rosas do Jardim de Rosas de Rumi) – há duas fontes confiáveis para conhecermos a extraordinária peregrinação do pai de Rumi Bahaeddin e família, de Balkh a Konya, com livros, comida e itens da residência, carregados nas costas de 300 camelos, acompanhados por 40 religiosos. As fontes, têm de ser, inevitavelmente, pai e filho (o relato de Rumi está escrito em versos).

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A primeira grande parada foi Bagdá. Nos portões de entrada, os guardas perguntaram quem eram. O pai de Rumi respondeu: “Estamos vindo de Deus e devemos voltar para Ele. Viemos do mundo inexistente e para lá voltaremos”.

O califa al-Nasir convocou seu maior estudioso Suhreverdi, que imediatamente deu luz verde para os recém-chegados. Mas o pai de Rumi não quis ficar sob a proteção do califa, conhecido pela crueldade. E assim, após alguns anos, partiu para Meca num Hajj e depois para Damasco – cidade extremamente bem organizada na época dos abássidas e dos seljúcidas, repleta de 660 mesquitas, mais de 40 madrassas, 100 casas de banhos e muitos estudiosos renomados.

Os últimos passos na jornada da família foram Erjinzan na Anatólia – já então um centro de comércio e cultura – e depois Larende (hoje, Karaman), 100 km ao sul de Konya. Atualmente, Karaman é pequena província turca, mas naqueles tempos estendia-se até Antalya, ao sul. A cidade abrigou muitos turcos cristãos, que escreveram turco usando o alfabeto grego.

Em Karaman, Rumi casou-se. Posteriormente, seu pai foi convidado pelo sultão Ala al-Din Kayqubad I (1220-1237) a visitar Konya, onde afinal se estabeleceu com a família, até morrer, em 1231. Os seljúcidas na Anatólia irromperam na história no ano de 1075, quando Alp Arslan derrotou os bizantinos na lendária batalha de Manzikert. Um século depois, em 1107, Qilich Arslan derrotou os Cruzados, e o império Seljuk começou a se espalhar muito rapidamente. Foram algumas décadas, até que os cristãos começassem a aceitar o inevitável: a presença dos turcos na Anatólia. Mais tarde, começaram até a se misturar.

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A era dourada dos seljúcidas aconteceu sob o sultão Ala al-Din Kayqubad I (que convidara a família de Rumi para Konya), que construiu cidadelas ao redor de Konya e Kayseri para protegê-las da invasão mongol que se aproximava; e passou seus invernos na bela costa mediterrânea em Antalya.

Em Konya, Rumi não se envolveu na política e parece não ter tido relações estreitas com a família real. Era amplamente conhecido, ou como Mevlana (nosso mestre) ou Rumi (o anatoliano). Na Turquia de hoje é conhecido como Mevlana, simplesmente; e no Ocidente, como Rumi. Na poesia lírica, usa o pseudônimo Khamush (Silencioso). 

O Partido da Justiça e do Desenvolvimento, PJD (tur. AKP) – empresa altamente materialista que se dedica a negócios duvidosos – do sultão Recep Tayyip Erdogan, não chega exatamente a gostar do Sufismo de Rumi.


Sob o Domo Verde

Como vimos, Rumi passou a maior parte da infância, na estrada. Assim sendo, jamais frequentou escola regular. A primeira educação recebeu do pai e de outros eruditos que acompanharam a família até Karaman. Pelo caminho, Rumi também conheceu muitos outros estudiosos famosos, especialmente em Bagdá e Damasco, onde estudou história islâmica, Alcorão e árabe.

Rumi adoeceu quando estava prestes a concluir o 6º volume do Masnevi, com febre persistente. E faleceu no dia 17/12/1273. Organizou-se um fundo de 130 mil dirhams para construir sua tumba, que inclui o mundialmente famoso Domo Verde (Qubbat ul-Khazra), dada por terminada em 1274 e atualmente em renovação.

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O túmulo hoje é um museu (Konya guarda relíquias surpreendentes, especialmente nos museus de Etnografia e Arqueologia). Mas a maioria dos peregrinos de todas as terras do Islã e de outros países, que vêm prestar homenagens espirituais, entram ali como num santuário de amantes (Kaaba-yi Ushaq).

Essas linhas, inscritas em seu esplêndido sarcófago de madeira, podem resumir tudo quanto Rumi tentou ensinar ao longo de toda a vida:

“Se crescer trigo no barro da minha sepultura, e se você assar pão desse trigo, a embriaguez será geral. Massa e padeiro enlouquecerão, e o forno também pôr-se-á a recitar versos saídos da mesma loucura. 

Quando visitar meu túmulo, ele parecerá dançar, porque Deus me criou do vinho do amor, e ainda sou o mesmo amor, mesmo que a morte consiga me esmagar”.

O sufi é, por definição, o amante de Deus. O misticismo islâmico considera três estágios do conhecer:

1. O conhecimento da certeza (você tenta conhecer Deus pela certeza da prova intelectual; o fracasso é inevitável);
2. Você vê pelo ‘olho da certeza’ e pode estar em sintonia com segredos divinos (a certeza é o primeiro grau da vida espiritual e o último da experiência especulativa); e
3. Você sabe ver e compreender espiritualmente a realidade (o Alcorão é a Verdade da Certeza). Esse caminho não é muito diferente da via budista para alcançar a Iluminação.

Além dessas três etapas, há caminhos a seguir em direção a Deus. Escolher um caminho – Tarikat – é negócio muito complicado. Um dos caminhos a escolher pode ser uma ordem do sufismo – como Mavleviya, Kadriya, Nakshbandiya – sob a orientação de um xeique daquele específico Tarikat.

Nesses tempos do absurdismo militante de diplomacia de grãos que mal sabe remediar os efeitos tóxicos das sanções imperiais, que é parte de uma guerra de civilizações ‘por procuração’, um verso de Rumi pode abrir perspectivas inesperadas:

“O moinho celestial não lhe dará farinha, se você não tiver trigo.” 

Rumi diz, essencialmente, que quem vá a um moinho de farinha e não leve o trigo… nada ganhará além de barbas e cabelos brancos (de restos de farinha). E adiante, na mesma linha: 

“Se não tivermos boas ações para levar conosco para o outro mundo, nada ganharemos, além de dor no coração. Mas se desenvolvermos nosso ser espiritual, ganharemos honra e Amor Divino”.

Ok. Agora tente explicar isso a um ocidente coletivo em Cruzada.

Pepe Escobar | The Cradle
Tradução: Vila Mandinga.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Pepe Escobar Pepe Escobar é um jornalista investigativo independente brasileiro, especialista em análises geopolíticas e Oriente Médio.

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