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ToggleO Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo se configura há anos como absolutamente imprescindível para entender as dinâmicas em evolução e as provações e tribulações da integração euroasiática.
Decorrida entre os dias 15 e 18 de junho último, São Petersburgo em 2022 é ainda mais crucial, já que se conecta diretamente com três desenvolvimentos simultâneos que descrevi anteriormente, sem nenhuma ordem em particular:
Primeiro, a chegada do “novo G8”: quatro nações BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China), além de Irã, Indonésia, Turquia e México, cujo PIB por paridade de poder aquisitivo (PPA) já eclipsa o antigo, dominado pelo Ocidente.
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Em segundo lugar, a estratégia chinesa dos “Três Anéis” de desenvolver relações geoeconômicas com seus vizinhos e sócios.
Em terceiro lugar, o desenvolvimento dos BRICS+, o BRICS estendido, incluindo alguns membros do “novo G8”, que se discutirá na próxima cúpula, na China.
Quase não havia dúvidas de que o presidente Putin seria a estrela de São Petersburgo 2022, pronunciando um discurso contundente e detalhado na sessão plenária.
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Entre os aspectos mais destacados, Putin destroçou as ilusões dos chamados ‘bilhões de ouro’ que vivem no ocidente industrializado (só 12 por cento da população mundial) e as “políticas macroeconômicas irresponsáveis dos países do G7”.
O presidente russo afirmou que as “perdas da UE devido às sanções contra a Rússia” podem superar os 400 bilhões de dólares por ano, e que os altos preços da energia na Europa – algo que na realidade começou “no terceiro trimestre do ano passado” – devem-se a “acreditar cegamente nas energias renováveis”.
Também desestimou devidamente a propaganda ocidental do ‘aumento dos preços de Putin’, dizendo que a crise alimentar e energética está vinculada a políticas econômicas ocidentais equivocadas, isto é, “os cereais e fertilizantes russos estão sendo sancionados” em detrimento do Ocidente.
Em poucas palavras: o Ocidente julgou mal a soberania da Rússia ao sancioná-la, e agora está pagando um preço muito alto.
O presidente chinês, Xi Jinping, ao dirigir-se ao fórum por vídeo, enviou uma mensagem a todo o Sul Global. Evocou o “verdadeiro multilateralismo”, insistiu em que os mercados emergentes devem ter “uma voz na gestão econômica mundial” e pediu “melhores diálogos Norte-Sul e Sul-Sul”.
Dependia do presidente do Cazaquistão, Tokayev, o governante de um sócio profundamente estratégico tanto da Rússia como da China, dar o golpe de graça em pessoa: a integração da Eurásia deveria progredir pela mão da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) da China. Pronto, círculo completo.
Kremlin – Wikimedia Commons
Corredores de transporte, e não conquista territorial, serão motivações para guerras a partir de agora
Construindo uma estratégia de longo prazo “em semanas”
São Petersburgo ofereceu vários debates apaixonantes sobre temas e subtemas chave da integração da Eurásia, como os negócios no âmbito da Organização de Cooperação de Shanghai (SCO)Rússia-ChinaBRICSrusso.
Uma das discussões mais importantes concentrou-se na crescente interação entre a União Econômica da Eurásia (EAEU) e a ASEAN, um exemplo chave do que os chineses definiriam como ‘cooperação Sul-Sul’.
E isso se conecta com o ainda longo e tortuoso caminho que leva a uma integração mais profunda da própria UEEA.
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O que implica passos para um desenvolvimento econômico mais autossuficiente para os membros; estabelecer as prioridades para a substituição de importações; aproveitar todo o potencial de transporte e logística; desenvolver corporações transeuroasiáticas; e imprimir a ‘marca’ EAEU em um novo sistema de relações econômicas globais.
O vice-primeiro-ministro russo, Alexey Overchuk, foi particularmente arguto nos assuntos urgentes em questão: implementar uma união econômica e alfandegária de livre comércio completa, além de um sistema de pagamento unificado, com liquidações diretas simplificadas, utilizando o cartão de pagamento Mir para chegar a novos mercados no sudeste asiático, África e o Golfo Pérsico.
Em uma nova era definida pelos círculos empresariais russos como “o jogo sem regras”, desacreditando a “ordem internacional baseada em regras” assim denominado pelos Estados Unidos, outra discussão relevante, com o assessor chave de Putin, Maxim Oreshkin, concentrou-se em quais deveriam ser as prioridades para as grandes empresas e o setor financeiro em relação à política econômica e externa do Estado.
O consenso é que as ‘regras’ atuais foram escritas pelo Ocidente. A Rússia só podia conectar-se aos mecanismos existentes, apoiados pelo direito e pelas instituições internacionais. Mas depois o Ocidente tratou de “espremer-nos” e até “cancelar a Rússia”. De modo que é chegado o momento de “substituir as regras sem regras”. Este é um tema chave subjacente ao conceito de ‘soberania’ desenvolvido por Putin em seu discurso em plenário.
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Em outra discussão importante presidida pelo CEO do Sberbank, Herman Gref, sancionado pelo Ocidente, houve muitas preocupações com o fato de que o “salto evolutivo russo para 2030” deveria ter ocorrido antes. Agora, deve-se construir uma “estratégia a longo prazo em semanas”, com cadeias de abastecimento que se rompem em todo o espectro.
Fez-se uma pergunta à audiência, la crème de la crème da comunidade empresarial da Rússia: o que recomendaria, aumentar o comércio com o leste ou reorientar a estrutura da economia russa? Um enorme 72% votou por esta última opção.
De modo que agora chegamos ao ponto crucial, já que todos estes temas interagem quando observamos o que aconteceu apenas uns dias antes de São Petersburgo.
O corredor Rússia-Irã-Índia
Agora está em jogo um ponto de transbordo chave do Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (INTSC), que une o noroeste da Rússia ao Golfo Pérsico através do Mar Cáspio e do Irã. O tempo de transporte entre São Petersburgo e os portos indianos é de 25 dias.
Este corredor logístico com transporte multimodal tem uma enorme importância geopolítica para dois membros BRICS e um possível membro do “novo G8”, porque abre uma rota alternativa chave ao caminho de carga habitual da Ásia para a Europa pelo canal de Suez.
O corredor INSTC é um projeto clássico de integração Sul-Sul: uma rede multimodal de 7.200 km de rotas marítimas, ferroviárias e viárias que interconecta a Índia, o Afeganistão, a Ásia Central, o Irã, o Azerbaijão e a Rússia até a Finlândia, no Mar Báltico.
Tecnicamente, imagine-se um conjunto de contêineres que vão por terra desde São Petersburgo até Astrakhan. Depois, o carregamento navega pelo Cáspio até o porto iraniano de Bandar Anzeli. Depois é transportado por terra ao porto de Bandar Abbas. E depois no estrangeiro para Nava Sheva, o maior porto marítimo da Índia. O operador chave é Islamic Republic of Iran Shipping Lines (o grupo IRISL), que tem sucursais tanto na Rússia quanto na Índia.
E isso nos leva a por quê serão travadas as guerras a partir de agora: corredores de transporte, e não conquista territorial.
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O acelerado BRI de Beijing é considerado uma ameaça existencial para a “ordem internacional baseada em regras”. Desenvolve-se ao longo de seis corredores terrestres através da Eurásia, além da Rota Marítima da Seda desde o Mar da China Meridional e o Oceano Índico, até chegar à Europa.
Um dos objetivos chave da guerra de poder da Otan na Ucrânia é interromper os corredores BRI na Rússia. O Império fará todo o possível para interromper não só os pontos de transbordo BRI como também o INSTC. Impediram que o Afeganistão, sob a ocupação estadunidense, se tornasse um ponto de transbordo para o BRI ou o INSTC.
Com pleno acesso ao Mar de Azov, agora um “lago russo”, e possivelmente a toda a costa do Mar Negro mais adiante, Moscou aumentará enormemente suas perspectivas de comércio marítimo (Putin: “O Mar Negro foi historicamente território russo”).
Durante as últimas duas décadas, os corredores de energia estiveram muito politizados e estão no centro das implacáveis competições globais de gasodutos, desde BTC e South Stream até Nord Stream 1 e 2, e as intermináveis telenovelas Turquemenistão-Afeganistão-Paquistão- Gasodutos India (TAPI) e Irã-Paquistão-Índia (IPI).
Depois há a Rota do Mar do Norte, ao longo da costa russa até o Mar de Barents. A China e a Índia estão muito focadas na Rota do Mar do Norte, não por acaso também discutida em detalhes em São Petersburgo.
O contraste entre os debates de São Petersburgo sobre uma possível reconfiguração de nosso mundo e os três malucos que tomam um trem para lugar nenhum para dizer a um medíocre comediante ucraniano que se acalme e negocie sua rendição (como confirmou a inteligência alemã) não podia ser mais nítido.
Quase imperceptivelmente, assim como reincorporou a Crimeia e entrou no teatro sírio, a Rússia, como uma superpotência de energia militar, agora mostra que é potencialmente capaz de fazer retroceder uma grande parte do oeste industrializado à Idade da Pedra. As elites ocidentais estão simplesmente indefesas. Se apenas pudessem percorrer um corredor no trem de alta velocidade euroasiático, poderiam aprender alguma coisa.
Pepe Escobar | Jornalista
Fonte: The Cradle
Tradução: Ana Corbisier
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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