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Governo colombiano prende e ameaça líderes jovens às vésperas das eleições de domingo

Governo de Iván Duque realiza nova onda de perseguições contra lideranças usando falsos argumentos, denuncia senador
Leonardo Wexell Severo
ComunicaSul
Bogotá

Tradução:

“Queremos fazer uma convocação urgente à comunidade internacional e a todos os votantes das eleições presidenciais do próximo domingo (19) na Colômbia. Estamos correndo o alto risco de uma fraude eleitoral, porque não confiamos na Registraduria – órgão que teria como missão garantir a legitimidade, transparência e eficácia do processo eleitoral -, pois não houve a permissão para que se fizesse a auditoria no software da contabilização dos votos”, afirmou a campanha de Gustavo Petro e Francia Márquez, candidatos à presidência e à vice-presidência pela coalizão oposicionista Pacto Histórico. Na mesma mensagem, a frente progressista, por meio do coordenador, advogado Alirio Muñoz, denuncia a detenção ilegal de “jovens das Primeiras Linhas – que se colocam à frente na resistência da repressão policial – divulgando a mentira de que vamos fazer sabotagens, protestos e que vamos colocar fogo no país. Isso não é verdade!”

Presente em Bogotá, a ComunicaSul se dirigiu até Usme, uma das 20 sublocalidades em que está dividida a capital colombiana, e um dos principais berços da resistência contra a política de terrorismo de Estado do presidente Iván Duque, para entrevistar duas das principais lideranças do movimento, que denunciaram a “tentativa desesperada do governo de Iván Duque de eleger o seu candidato, Rodolfo Hernández, e evitar a vitória de Petro”.

Em suas ruas, e principalmente nos locais próximos à Ponte da Dignidade, deram  sustentação ao estallido social — levante popular que a partir de 2019 destampou a panela de pressão com que o governo e sua mídia vinham tentando impor goela abaixo da população as medidas de arrocho ditadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial. Ao mesmo tempo em que carregam consigo a dor das confrontações, trazem a esperança da mudança.

“Prova disso é a Praça da Resistência de Uzme, onde há um mural feito em braile com os fragmentos das bombas de gás lacrimogêneo e granadas de atordoamento lançadas sobre os manifestantes”, declarou David, um dos líderes do movimento. Desta forma, o jovem que deixa ser fotografado, mas esconde o sobrenome, explicou: “os que não podem ler, podem sentir e reconhecer pelas letras que há o trabalho do coletivo de Bastão Branco, que trabalha especificamente em braile”.

“Vale lembrar que muitas dessas bombas lançadas contra os manifestantes eram vencidas, causando graves danos na pele. Eu não podia me aproximar muito porque tenho problemas respiratórios, mas de onde estava podia ver gases de diferentes cores: azul, verde, laranja, vermelho, e cada um causava um dano específico. A partir de então muitos jovens começaram a demonstrar problemas específicos de saúde: respiratórios, na pele, nos olhos… A visão ficou reduzida permanentemente devido ao efeito destes gases, sem falar nos jovens que perderam um de seus olhos. Só em Bogotá foram 45 perdas oculares, das quais em Uzme foram quatro”, lamentou David.

Governo de Iván Duque realiza nova onda de perseguições contra lideranças usando falsos argumentos, denuncia senador

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Além dos intensos jatos de água, muitas das bombas lançadas pela Polícia contra os manifestantes eram vencidas

Javier e os dias numa cela superlotada

Outra das lideranças, Javier Silva, falou do real significado do terrorismo de Estado aplicado pelo governo. “Tudo na tentativa desesperada de eleger o seu candidato, Rodolfo Hernández, e derrotar Gustavo Petro, para que tudo permaneça como está”, esclarece o dirigente, alertando que “além das dezenas de prisões, há processos contra mais de 200 jovens em todo o país, com a Polícia anunciando mais capturas”.

Javier sentiu a dor da injustiça no último dia 14 de fevereiro, uma segunda-feira, às 10 horas e 21 minutos, como recorda com pesar. Mesmo sem apresentar qualquer prova, a polícia o capturou de forma arbitrária e o manteve preso durante cinco dias em condições subumanas.

Cercado por agentes do Estado e elementos à paisana quando ia visitar o avô, “que se encontrava muito doente” no departamento de Caldas, foi conduzido à Unidade de Reação Imediata e depois à sede do Esquadrão Móvel Antidistúrbios (o temível e terrível Esmad, célebre por torturas, assassinatos e desaparecimentos), sendo jogado numa cela em que cabiam sete, com outras 22 pessoas. As acusações? Armação para delinquir, obstrução do tráfego, agressão a funcionário e dano a bem público. Nenhuma prova jamais foi apresentada.

Tudo girava em torno da resistência na Ponte da Dignidade, que durou cerca de sete meses, com os jovens permanecendo inquebrantáveis até 18 horas por dia. A polícia descarregou ali todo o seu ódio contra quem não se dobrava e defendia a pátria dos traidores. “Chegaram a dizer que eu até havia incendiado um ônibus. Respondi que não fiz nada daquilo, que estava apenas exercendo o meu direito constitucional à manifestação e que nunca havia cometido nenhum daqueles atos delitivos, mas me mantiveram preso”, disse.

“Por defender meu país e meu povo fui jogado numa cela ainda mais abaixo, no último piso, como um porão, quando começaram a me cobrar dinheiro para que não ocorresse nada comigo. Eu dormia do lado de um balde em que todos faziam xixi, em meio aos respingos de urina”, recordou Javier.

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Uma vez solto, o jovem funcionário do Jardim Botânico de Bogotá, emprego com o qual sustentava o filho e a família, e que exibe com orgulho o certificado de ter seu trabalho social na comunidade reconhecido pelas Nações Unidas – e sem antecedentes criminais -, começou a ser assediado e perseguido. “Na Colômbia, o Estado trata assim as pessoas que pensam. Eu tive que largar o trabalho, precisei, pois era em frente à Polícia Nacional que me tinha como inimigo. Por contrato eu deveria fazer a manutenção de árvores com várias pessoas e eles passaram a me enviar só. E os agentes passaram a me tirar fotos. Tive de deixar o emprego por questão de segurança”, relatou.

Próximo às eleições, na tentativa de amordaçar o coletivo, a Polícia o mantém sob estrita vigilância, estando sujeito a qualquer momento a ser visitado. Sua ausência em casa pode trazer graves implicações, ameaçaram os agentes.

David com a vida em risco

“No meu caso, vi que minha vida estava correndo risco, apesar de não ter nada que ver com confrontações e por sempre manter um trabalho voltado para pôr fim à violência. Também sofri perseguições e ameaças de morte. Fui ameaçado quando estava com uma companheira e um motoqueiro sacou a arma, apontou e, felizmente, conseguimos ser rápidos, correr e nos esconder”, relatou David.

“Mas há muitos agentes que se aproximam em todo lugar onde estou, tiram fotos, me seguem, tudo para intimidar nosso trabalho de conscientização. O que podemos dizer é que Rodolfo Hernández é o candidato do governo, todo mundo sabe, e Gustavo Petro é o candidato do povo”, acrescentou.

Sobre a dimensão dos protestos, David recorda que “num único dia podia haver até 200 feridos numa mesma localidade, em um processo que durou, com confrontação direta e choque, entre seis e sete meses”. “Começou em 2019, como algo momentâneo, abafado pela pandemia, mas que o assassinato do advogado Javier Ordoñez em Bogotá por um policial com uma teaser [arma de eletrochoque] fez retornar a agenda das ruas”.

Mais adiante, com a proposta de reforma tributária, em 28 de abril de 2021, começa uma greve nacional indefinida, que reúne setores sociais, culturais e artísticos, com a onda ganhando corpo. “Porque a comida estava muito cara e o salário não era suficiente, o que fez com que as ruas transbordassem em todo o território nacional. O que conto são testemunhos coletados de jovens a quem doía ver a sua Pátria, de ver como em Cali massacravam e eles não podiam fazer nada. Então eles fizeram também aqui a Primeira Linha de defesa das manifestações diante da violenta repressão da Polícia”, relatou David.

Direita quer se perpetuar no poder

Na avaliação de Javier Silva, “estamos diante de uma jogada da direita porque temem a mudança com um mandato de Petro, afinal são décadas de governos em que os mesmos se revezam no poder”. Servindo a este esquema viciado, esclareceu, “a Registraduria sempre serviu para a manipulação, havendo eleições em que a Colômbia dormiu com um presidente e acordou com outro”.

Javier faz questão de esclarecer detalhadamente: “na Colômbia existe e a Registraduria e o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que controlaria para que fossem legais as votações, para que se soubesse quem está votando, quantos estão inscritos, para que falecidos não votassem… Mas, de fato, o CNE trabalha conjuntamente com a Registraduria, com a direita da Colômbia, que agora alega que não pode fiscalizar o software eleitoral porque é de uma firma privada. Este esquema é o que fez com que a direita sempre tenha sido vencedora, embora as pesquisas apontem para a vitória da esquerda”.

Obviamente, citou, “é por isso que não deixam entrar observadores internacionais para acompanhar as eleições. No primeiro turno, em 29 de maio, foram barrados observadores da Inglaterra, Bélgica, Argentina, França, Suíça e Espanha. Não os deixaram sequer passar sequer da imigração do aeroporto”. Não querem vigilância de seus atos, destacou, para se que se mantenham impunes. “É muito triste ver que a mesma Força Pública que deveria nos proteger, nos mate, nos sequestre, nos torture e nos prenda”.

“É espantoso saber que alguém quer trabalhar para a comunidade, para o seu país e seu povo, e que o governo não os deixe, pelo contrário, o persiga e o estigmatize. Tentam manchar nosso nome, impedir nosso trabalho. Por isso agradecemos a presença da solidariedade internacional, como vocês, que nos deem voz e demonstrem que não somos delinquentes, que não somos o que diz o Estado, que não somos terroristas, que queremos o melhor para o nosso país. Queremos que o nosso povo viva bem. Agora, aportando o nosso grão de areia, acredito que podemos modificar algo. Com Petro e Francia vamos pelo caminho da mudança”, concluiu Javier.

Leonardo Wexell Severo, jornalista | ComunicaSul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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