“Apreender a realidade submergindo-se de cheio nela” era o lema de Ryszard Kapuscinski, o grande repórter polonês cuja passagem por este planeta deixou marcas profundas no jornalismo e na maneira de compreender o mundo.
Sua trajetória impecável e carregada de valores humanos, vem recordar-nos uma vez mais a existência de uma vocação imprescindível: um jornalismo em cujo exercício devem primar o compromisso, a verdade e a sensibilidade diante da tragédia dos povos submetidos à violência incompreensível da guerra.
Para Kapuscinski, o segredo descansa em prestar atenção às pequenas coisas, porque nelas reside o próprio segredo da vida. Da mesma forma, assumir sem restrições um voto de honestidade para evitar cair na sobre dimensão do ego e assim manter os pés bem assentados sobre a terra, porque não somos mais do que transmissores da palavra dos mais necessitados, dos mais vulneráveis e daqueles que experimentam, em primeira mão, a crueldade dos poderosos.
Por isso é importante recordá-lo agora, quando o mundo observa outro enfrentamento entre potências, diante dos meios internacionais, como um coelho alucinado pelos faróis de um automóvel, esquecendo outras agressões ainda mais cruentas, onde também há seres humanos esmagados pela violência de outras guerras e outros conflitos geopolíticos ou territoriais tão injustos como prolongados.
Carlos Latuff – Brasil de Fato
A ética no jornalismo é uma obrigação, não um gesto amável.
Kapuscinski nos falou de ética e de valores, mas o jornalismo tomou a rota da conveniência e do bem-estar econômico de seus proprietários. Hoje temos cadeias sob a batuta de conglomerados empresariais de onde se manejam os fios da política e as pressões das grande potências e de grupos de interesse. Os povos ficam sozinhos e suas tragédias se refletem nas telas como parte de uma realidade inevitável da qual podemos desprender-nos apenas mudando de canal.
O modelo de reportagem jornalística apegado aos fatos, e sobretudo, submergido até o fundo na realidade daqueles que não têm voz, deve ser a norma e não a exceção, como sucede em nossos dias. É uma profissão sobre a qual se assenta valores tão fundamentais como o respeito pelos direitos humanos, a democracia, a justiça e a busca exaustiva da verdade. Por isso não é surpreendente constatar o temor dos governantes diante de comunicadores valentes, contra os quais apelam ao recurso da ameaça, da extorsão e, como sucede ao redor do mundo, do sequestro e da morte.
Diante do atual conflito na Ucrânia, exibido ao mundo como se tratasse de uma série de televisão, temos que compreender até que ponto uma ameaça de guerra é capaz de transformar a vida de milhões de pessoas em uma antessala do inferno, transtornando seus hábitos de vida, comprometendo sua capacidade de sobrevivência, destruindo seu entorno e privando-os de direitos. Para aqueles que o vemos à distância é um fenômeno incompreensível e, por isso, repórteres conscientes de seu papel e capazes de exercê-lo com independência, resultam imprescindíveis para apreender essa realidade em toda a sua dimensão.
O mundo é menor do que quiséramos crer e as repercussões derivadas de qualquer agressão armada – as quais representam um negócio próspero para as grandes potências – facilmente podem chegar às nossas portas. O que diria Kapuscinski?
A ética no jornalismo é uma obrigação, não um gesto amável.
Carolina Vásquez Araya é colaboradora de Diálogos de Sul da Cidade da Guatemala.
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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