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ToggleA ratificada condenação ditada pelo Tribunal Supremo da Itália, de prisão perpétua para o general Morales Bermúdez, trouxe a lembrança da “Operação Condor” impulsionada em seu momento pelas ditaduras militares do Cone Sul, estimuladas pelo Pentágono e sustentadas pela Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos.
Ela se formalizou depois de um encontro celebrado no Chile em novembro de 1975 e ao que compareceram “delegados” desse país, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia. O Peru não participou, porque seus sócios não tinham confiança nos militares daqui, que viviam ainda influenciados pelo Processo de 68, embora Velasco já tivesse sido deposto.
Essa Operação pôs em marcha um plano de extermínio para “acabar com a subversão”, entendida como a força que se opunha ao Poder Militar imperante, e obstruía a aplicação do neoliberalismo nestas terras e que devia se impor a qualquer preço.
Em geral, suas ações foram secretas. Desenvolveram-se escondidas, amparadas na escuridão da noite, no campo ou nas praias nas quais numerosas vítimas eram torturadas e assassinadas. Em todas, atuou a Força Armada de cada um dos países.
O Condor segue voando: desta vez, o alvo da operação guiada pelos EUA é a Venezuela
Assim, milhares de pessoas sequestradas na Argentina foram transferidas a lugares clandestinos de reclusão, como a ESMA, ou estabelecimentos comerciais como Automotores Orletti.
A mesma coisa aconteceu no Chile, no Uruguai e em outros países. Mas todas estas ações tiveram um denominador comum: eram práticas de extermínio em massa e se orientavam a acabar definitivamente com tudo aquilo que assomara como “resistência” à política oficial.
Soman – Wikimedia Commons
Operação se orientava a acabar definitivamente com tudo aquilo que assomara como “resistência” à política oficial
Matar destacadas personalidades como o general Pratts, Orlando Letelier e Juan José Torres, ou atirar presos amarrados de aviões ao mar, era uma rotina consubstancial ao esquema então vigente.
Um dos líderes desta prática assassina, o general Iberico Saint Jean – governador de Buenos Aires em 1977 – cunhou uma frase que mostrou muito claramente “a fronteira” na qual devia terminar a ação: “Primeiro mataremos a todos os subversivos, depois mataremos seus colaboradores, depois seus simpatizantes, em seguida aqueles que permanecem indiferentes, e finalmente mataremos os tímidos“ .
Nessa concepção, inimigos destes “cruzados” de novo tipo eram todos: estudantes, intelectuais, profissionais, sacerdotes, incluso militares, considerados “inimigos”, e aos que havia que aniquilar de todos os modos.
Essas práticas e suas teorias chegaram ao Peru um pouco depois, quando os requisitos da “Operação Condor” demandaram não só ações, mas também informação. Proporcioná-la era um modo de fazer “mérito” diante dos serviços interessados. Aí apareceu a presencia peruano na Condor.
Quando nos primeiros dias de março de 1977 foi anunciada a visita ao Peru do general Carlos Rafael Videla, a polícia fez algumas capturas. Entre os detidos esteve Carlos Alberto Maguid, um cidadão argentino que vivia refugiado aqui.
Lembranças dolorosas, mas necessárias sobre a Operação Condor no Paraguai
Eu o conheci pessoalmente, porque compartilhamos a cela nos cinco dias em que ambos estivemos detidos pelo mesmo motivo: o interesse de Morales Bermúdez em assegurar que não houvesse atos hostis que tirassem o brilho da visita da mandatário argentino.
Maguid era um homem claro, lúcido e valente. Era consciente da situação que lhe haviam criado e sabia que poderia ser-lhe fatal, como aconteceu. Pouco tempo depois de libertado, foi capturado novamente, torturado de forma selvagem e finalmente assassinado. Uns dizem que morreu aqui, e outros que foi entregue às autoridades de sua país, mas em qualquer caso se converteu em um desaparecido.
Serviços secretos peruanas e a Operação Condor
Foi o primeiro marco na relação já estabelecida entre os serviços secretos peruanas e a Operação Condor. Alguém deverá responder por isso.
Em maio de 1978, ocorreu outro caso tangível: a detenção e deportação de personalidade políticas do Peru por parte do governo militar. Elas foram enviadas à Argentina. Originalmente depositadas em Jujuy, foram remetidas à Patagônia. Embora a intenção fosse matá-las, os afetados conseguiram recuperar sua liberdade e sair desse país.
Esse foi um novo marco na relação entre as autoridades militares peruanas e a Operação Condor.
Dois anos mais tarde, em junho de 1980, e afiançados os vínculos entre os serviços de inteligência do Peru e a Operação Condor, produziu-se o sequestro de presumidos Montoneros – homens e mulheres – que foram detidos em Miraflores e não apareceram mais. Foi responsabilizado pelo fato o Comandante Carlos Morales Dávila, apodado de «Britzo», quem depois também desapareceu.
Estes fatos foram insuficientemente investigados e deles não derivou nenhum processo penal. Isso explica o acionar de Tribunais Italianos que indagaram também por “acidentes” que custaram a vida a Omar Torrijos, ao equatoriano Jaime Roldós e ao general peruano Luis Hoyos Rubio, então Comandante Geral do Exército e o último dos militares velasquistas da época.
Reestruturação da Operação Condor
Embora os fatos tenham “envelhecido”, é indispensável investigá-los e deslindar as responsabilidades. Francisco Morales Bermúdez e seus colaboradores mais imediatos deverão responder por eles, que ficam como experiências que Jorge Luís Borges bem poderia haver incluído em sua “História universal da infâmia”.
Morales Bermúdez tem agora quase 100 anos. É provável que a sentença não seja cumprida, mas a condenação será uma mancha sobre quem busca renovar afãs golpistas, derrubar o Presidente Castillo e restaurar no Peru o Poder Oligárquico, no empenho de repetir a história. Só que ela não se repete, ou como disse o velho Marx, a primeira vez ocorre como drama, e a segunda como comédia.
Gustavo Espinoza M. é colaborador da Diálogos do Sul de Lima, Peru.
Tradução: Beatriz Cannabrava
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