A maioria das ações projetadas a partir de qualquer âmbito de autoridade de nosso entorno social nos obriga a aceitar mitos, pensamentos ou decisões baseadas em uma verdade sobre a qual, em geral, não temos consciência.
A maneira como somos treinados desde a infância para receber instruções e modelar nossos pensamentos e crenças de acordo com preceitos supostamente inamovíveis e corretos, vai deixando sua marca no transcurso de nossa passagem por distintas etapas da vida.
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É assim como nos convertemos em parte de uma comunidade, cuja característica principal é a coincidência de valores, normas e uma concepção determinada da verdade. Tudo isso implica à aceitação tácita de sua condição como fundamento daquilo em que baseamos nossa conduta.
A força derivada de uma posição de autoridade, nos sistemas imperfeitos de sociedades como as nossas, entranham enormes perigos.
Um deles é a confusa relação entre distintos centros de poder – político, religioso, econômico – cujas escalas de valores se encontram distorcidas e sujeitas a uma concepção de seus objetivos e seus postulados alheia ao interesse e ao bem-estar de seus povos.
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A deformação dos fundamentos que dão sentido à fé constituem uma evidência dos profundos alcances da manipulação
É assim como, em pleno século da tecnologia e das ciências, o poder se apoia no progressivo debilitamento das capacidades intelectuais, físicas e psicológicas das sociedades a partir das quais se alimenta sua força.
Desde tempos remotos, as autoridades do âmbito espiritual – cujo império se considera indiscutível – invocam a submissão e a obediência cegas a preceitos associados com outros estamentos de poder, como apoio incondicional a sistemas verticais de discriminação, exploração e injustiça; e, para isso, apela à capacidade humana de aceitar a incomensurável força da fé como parapeito contra a força da razão.
Do medo ao desconhecido e a aceitação da pobreza como inevitável condenação divina, as estratégias concebidas pelas nações mais poderosas conseguem invadir os espaços espirituais de países do terceiro e quarto mundo.
Estratégias cuja efetividade tem consistido na submissão dos mais pobres em recursos intelectuais, econômicos e ideológicos, com o objetivo de manter um status estabelecido a partir dos poderes político e econômico.
Enfraquecimento progressivo das política públicas
O enfraquecimento progressivo das política públicas no âmbito educativo é uma das formas mais perversas de um Estado para submeter a população a uma incapacidade de análise e reflexão provocada propositadamente; estas valiosas ferramentas intelectuais são consideradas, a partir dos centros de poder, como uma ameaça a qualquer projeto de governança.
É por isso a dicotomia existente entre os postulados políticos e a realidade das gestões governamentais na maioria dos países em desenvolvimento. Como apoio a esse debilitamento da força popular, se instaura de maneira paralela uma série de obstáculos ao acesso à saúde, à alimentação e a suas capacidades para gerir organizações comunitárias.
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Costuma definir-se a fé como aceitação em uma crença, como uma convicção que admite o absoluto. A razão, por seu lado, é fundada na evidência.
A deformação dos fundamentos que dão sentido à fé, tal e como se tem evidenciado ao longo da história e, recentemente, na crise sanitária que experimenta o mundo, constituem uma evidência dos profundos alcances da manipulação e do engano exercido a partir desse âmbitos de poder contra a razão e o interesse público.
Assim como se deforma o conceito de verdade a partir do discurso político, escondido atrás do sermão religioso, igualmente se compromete o direito à saúde e à vida de milhões de seres humanos, cuja carência endêmica de recursos de análise e reflexão a condenam a aceitar como certos os conceitos vertidos a partir dos âmbitos de autoridade.
Por isso, nossas supostas democracias nascem desprovidas da força necessária para se consolidarem e por isso, também, os mais pobres se enfrentam em uma realidade onde a fé se confunde com a mais injusta resignação.
Os povos se debatem entre as esperanças vãs e as realidades cruas.
Carolina Vásquez Araya, colaboradora de Diálogos do Sul na Guatemala
Tradução: Beatriz Cannabrava
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