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Cannabrava | Ditadura do proletariado? Para sair do atoleiro no Brasil só com retomada da luta de classe

O governo militar se apossou dos centros de decisão, cooptou partidos políticos e demais instituições e está a executar a missão de desmontagem do Estado
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Tem início mais um ano, 2022 de Nossa Era, no calendário imposto pelo papa Juliano, ou seja, pela Igreja de Roma. Zilhões desde que o mundo é mundo e apareceram os Raimundos. “Comemorar o quê?”, perguntou-me um terráqueo.

No Brasil alguns estão programando comemorar o bicentenário da independência e o centenário da Semana de Arte Moderna

A Independência, em 1822, foi um arranjo entre famílias para dividir territórios e poder, uma farsa, portanto. Na realidade, o país se manteve dependente tanto de Portugal como da Inglaterra por séculos, dependência que apenas trocaria de potência a partir do século 20.

Já a Semana de Arte de 1922 foi uma demonstração de que o Brasil existe, com a força do pensamento liberto. Ela transcorreu numa São Paulo que se preparava para ser a grande metrópole. Criatividade e Construção — eis a chave, o binômio do desenvolvimento acelerado. São Paulo ganhou o título de cidade que mais crescia no mundo, em todos os sentidos. Edificando num ritmo de quatro casas por hora, absorvia a mão-de-obra desesperada por trabalho do Brasil inteiro.

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Não é bairrismo. É história. São apenas lembranças de que o pleno emprego e desenvolvimento cultural é possível, mesmo dentro do capitalismo, desde que haja planejamento e gestão competente. Para criar competência, as três maiores universidades públicas estão em território paulista, financiadas pelo estado.

Por isso mesmo, em São Paulo foi onde mais se concentrou o processo de industrialização. Aqui se fabricavam aviões, motores e navios de grande porte, locomotivas e vagões; indústrias de transformação com grande capacidade de atender o mercado interno e exportar com produto agregado. Uma realidade que não impediu a descentralização e o desenvolvimento integrado do país, em taxas que esteve entre as mais elevadas do planeta.

Isso acabou. O neoliberalismo, o Consenso de Washington, ao impor a ditadura do pensamento único e do capital financeiro, foi responsável pelo fim do Projeto Brasil Potência. O Brasil está há quatro décadas em recessão, crescimento zero ou pouco acima da taxa de crescimento demográfico, e entramos nesse 22º ano do século 21 em situação de estagflação, metade da população — 100 milhões de pessoas- na pobreza e no desamparo

O governo militar se apossou dos centros de decisão, cooptou partidos políticos e demais instituições e está a executar a missão de desmontagem do Estado

Informe e crítica
Ao perder o sentido de classe, ao abdicar da luta de classe, a esquerda perdeu o rumo e deixou de ser uma opção alternativa ao status quo

Ditadura

Há uma grande confusão em torno da palavra Ditadura. Para uns significa um governo autoritário e repressivo, como foi o que adveio do golpe de 1964 até 1985; ditadores como Rafael Trujillo e Anastasio Somoza corroboraram para imprimir essa conotação ao termo. Mas, é mais amplo que isso. Essas ditaduras são apenas uma expressão disso, uma das formas em que a ditadura de classe se impõe.

A definição clássica de ditadura é quando uma classe (uma categoria social) se impõe sobre as demais para explorá-las em seu proveito. Quando em 1789, as classes exploradas se revoltaram e se organizaram, derrubaram a ditadura de uma das monarquias mais ricas e militarizadas da época. Foi a semente de uma revolução burguesa que ainda não terminou na Europa, o que frustrou a democracia social.

Paulo Cannabrava | Brasil vive sob uma ditadura, você percebeu?

O grande feito que abalaria o mundo ocorreu em outubro de 1917, na Rússia, com a derrota da ditadura de uma monarquia poderosa e hereditária, absolutista e substituída pela ditadura do proletariado. Em outras palavras, instituiu um regime em que o poder passou a ser exercido pelos que antes eram os explorados, vilipendiados pela monarquia. Os trabalhadores na condução do Estado, a ditar as políticas públicas para beneficiar toda a população.

Democracia e Desenvolvimento se fazem com Políticas Públicas. E a primeira e mais revolucionária de todas é botar todas (Todas!) as crianças na escola — escola pública, laica, de qualidade e em tempo integral. A partir daí, tem que ter o que oferecer para essa juventude lá na frente quando estiver qualificada para o trabalho para contribuir na construção da pátria soberana e o bem-estar para todos.

Para isso, é preciso ter um projeto de país e de Estado, além de estratégia para o desenvolvimento. Fora disso, é enganação.

Os brasileiros chegamos a uma situação limite com a ditadura do pensamento único imposta pelo capital financeiro e instrumentalizada por pretores do Imperialismo dos Estados Unidos e seus aliados. É no que foram transformadas as forças armadas brasileiras: pretores do imperialismo colonialista da vez.

O governo militar de ocupação se apossou de todos os centros de decisão do país, cooptou partidos políticos e demais instituições estatais e está a executar a missão de desmontagem do Estado para assim facilitar a voragem com que perpetram a desindustrialização, a venda dos principais ativos e a alienação das riquezas nacionais.

Para melhor cumprir com a entrega, demoliram as escolas. Literalmente, no que concerne às escolas públicas de primeiro e segundo grau, e atacam o ensino superior onde já avançaram bastante na imposição do pensamento único, formando apenas gestores do status quo, sem sentido crítico.

Militares estão se preparando para continuar no poder com ou sem Bolsonaro

Essa é a questão, é a teoria e a práxis da classe dominante desde sempre. Nascida de um golpe de estado militar, a República dos Oligarcas fez da ausência de educação seu principal projeto de dominação e exclusão social e o poder foi assegurado pela força dos militares. Estes, sempre e cada vez que a hegemonia oligárquica foi ameaçada atuaram para preservá-la. Com isso, se transformaram em algozes do próprio povo.

Impressionante a potência desse nosso povo, nadando contra a correnteza paralisante das oligarquias e suas forças armadas fez desse país uma potência. O Brasil figurou como a 7ª potência industrial do planeta. Isso foi possível graças a estadistas que souberam aliar as forças vivas da nação em torno de um Projeto Nacional e uma Estratégia de Desenvolvimento, envolvendo inclusive setores oligarcas e militares.

1964 é o marco na história que delimita a captura do Estado pelas transnacionais. Já escrevemos artigos e livros sobre isso, há abundante bibliografia, destacando-se a obra magistral de René Dreifuss, “A Captura do Estado”, elimina qualquer dúvida que se possa ter sobre isso e a participação dos Estados Unidos, por trás dos fatos.

1980 é outro marco histórico, marca a captura do Estado pelo capital financeiro e a imposição de um pensamento único. É o começo de um novo ciclo processual. Nas forças armadas, os militares nacionalistas e/ou desenvolvimentistas foram substituídos por militares oportunistas, sem nenhum caráter, posto terem abdicado da soberania e se colocado a serviço dos interesses dos Estados Unidos.

Mais que uma questão ideológica, é realmente uma questão moral. Precisaria ser completamente idiota para acreditar no demônio comunista ou no bicho-papão como motivo para estarem no poder. Chegaram ao planalto em função de um projeto a ser executado por um pretenso partido militar.

2016 pode servir também de marco histórico. Tão bem instrumentadas estão as instituições do Estado que eles conseguiram depor a presidenta da República por meio do Congresso e do Judiciário. E na sequência, executam uma operação de inteligência que culminou com a captura do poder pelos militares legitimados pelo voto. Tudo realizado com a ação solidária dos Estados Unidos.

Eis a questão: a luta é de classe

Temos então a ditadura do pensamento único, imposta pelo capital financeiro e executada pelas forças armadas, empresários do agronegócio e da exploração mineral para exportação. Bancos e financeiras com lucros que não se vê em outro lugar do mundo.

Os militares estão se refestelando no poder, cada um com seu duplo salário, mordomias e os generais ganhando acima do teto. Sem escrúpulos, estão acelerando a desmontagem do Estado e a entrega dos recursos. O Brasil virou terra de ninguém, saqueado por todos os lados.

As conquistas e os direitos dos trabalhadores, conquistados com séculos de luta e muito sacrifício e sangue, foram simplesmente anulados, borrados e o pouco que ainda há está sob ameaça. O trabalhador sem direitos e com o salário aviltado é hoje uma minoria entre a massa de desempregados, desalentados, precarizados e exiliados. 100 milhões, metade da população na pobreza e desesperança.

Paulo Cannabrava provoca: quem nasceu primeiro o dinheiro ou o banqueiro?

Os magnatas, assustados, estão a pregar a necessidade de atuar para diminuir a desigualdade. Querem que os candidatos se manifestem sobre a injustiça. Hipocrisia pura. Por que não mostram o caminho? A diminuição da desigualdade começa com uma reforma tributária, que incida sobre as grandes fortunas e sobre o lucro das empresas, sobre o maior controle sobre o capital especulativo, direcionando os recursos para a produção.

Ao perder o sentido de classe, ao abdicar da luta de classe, a esquerda perdeu o rumo e deixou de ser uma opção alternativa ao status quo.

O resultado mais grave do abandono da luta de classe está por todos os lados: no movimento sindical cooptado, neutralizado, incapaz de resistir à desmontagem dos direitos dos trabalhadores, ao processo de desindustrialização; está principalmente nas periferias, onde o povo ficou à mercê das falsas denominações religiosas e do crime organizado. Em que o fundamentalismo religioso quer acabar com o estado laico.

Retomar a luta de classe é retomar o trabalho de organizar e politizar o povo. Levar ao povo a verdade dos fatos para que ele integre e movimente a grande frente de salvação nacional. É disso que se trata: lutar contra a ditadura dos militares e contra o inimigo principal da humanidade, o imperialismo.

Paulo Cannabrava Filho é editor da Diálogos do Sul


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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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