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Morre Pa’i Oliva, o “Lenin dos camponeses” paraguaios. Perseguido pela ditadura e amado pelo povo

“Dizem que não devemos dar o peixe aos pobres, mas ensiná-los a pescar, mas quando chegam ao rio está todo privatizado”, costumava ironizar Pai Oliva
Leonardo Wexell Severo
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Nascido em 14 de outubro de 1928, o jesuíta e jornalista espanhol Francisco de Paula Oliva, conhecido no Paraguai como Pa’i Oliva — pela denominação dos sacerdotes em guarani — faleceu nesta segunda-feira, aos 93 anos, após uma vida dedicada aos mais pobres e à defesa dos direitos sociais. Morreu na casa dos Jesuítas mais velhos, conhecida como Taita Róga, sendo a principal referência religiosa do país que fez de seu.

Oliva se formou jesuíta em 1946, chegando à nação vizinha em 1964, aos 18 anos, fundando em 1966 o curso de Ciências da Comunicação da Universidade Católica. Por estar “abrindo os olhos da juventude” foi expulso do Paraguai em 1969. O que teria sido decisivo para o ódio do ditador Alfredo Strossner (1954-1989) foram as visitas de solidariedade aos grevistas de fome na Faculdade de Medicina.

“Dizem que não devemos dar o peixe aos pobres, mas ensiná-los a pescar, mas quando chegam ao rio está todo privatizado”, costumava ironizar Pai Oliva

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“Lenin dos camponeses”, Pai Oliva falece no Paraguai aos 93 anos

Campanha de Curuguaty

Reconhecido pela dedicação e obstinação, foi decisivo na campanha nacional e internacional pela libertação dos camponeses de Curuguaty, convencendo a todos de que “eram presos políticos, vítimas de um sistema que buscava uma condenação exemplar para os que lutam”. Condenava a injustiça de uma estrutura agrária em que 2,5% dos proprietários detêm 85% das terras e onde milhões de paraguaios sobrevivem famintos para garantir lucros estupendos com a exportação de alimentos.

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Em Curuguaty, no dia 15 de junho de 2012, um “confronto” entre 324 policiais e cerca de 60 camponeses – metade deles idosos, mulheres e crianças — resultou na morte de 17 pessoas. Pelo sangue vertido dos seis policiais e 11 agricultores, os camponeses que ocupavam a terra pública — Marina Kue significa Terra da Marinha, em guarani — foram condenados por “homicídio doloso”, “formação de quadrilha” e “invasão de imóvel”, sem que os juízes tenham conseguido comprovar nenhuma das acusações. 

O camponês Rubén Villalba recebeu a condenação mais dura (35 anos), seguido de Luis Olmedo (20 anos), Arnaldo Quintana e Nestor Castro (18 anos). Mulheres, Fani Olmedo, Dolores Lopez e Lucia Aguero foram condenadas a seis anos de cárcere e jogadas em prisão domiciliar.

“Por trás de Curuguaty, há mais do que pensamos”, ressaltou Pai Oliva, pois a promotoria que substituiu Jalil Rachid — vinculado à quadrilha de Stroessner — expressou claramente a necessidade de penas duras para que os camponeses não ocupassem mais terras públicas. Afinal, elas já haviam sido doadas pela ditadura a grandes fazendeiros, que sustentam os juízes e determinam suas sentenças.

“Se deu a Curuguaty uma grande importância”, assinalou o religioso, para que os camponeses ficassem quietos. “Isso é muito forte, porque o julgamento, a apelação e tudo o que veio depois foi orientado para isso. Porque, obviamente, não foram escopetas para matar coelhos que mataram os policiais, mas fuzis. Mais do que uma causa jurídica, é uma farsa jurídica para dar força política a uma só ideia: frear os camponeses em sua busca por justiça, terra e liberdade”, frisou.

Dedicação

Nascido em Sevilla, o sacerdote ressaltava que “voltou a nascer” em 1964, quando chegou ao Paraguai, pois foi então que “mudou meu pensamento político e social”. Até então, disse, “tinha vivido na Espanha uma religião separada da realidade. Aqui me dei conta de que uma fé autêntica precisa estar comprometida com o seu entorno”. Por isso, fundou a rádio da Universidade Católica de Assunção, já que “os meios de comunicação têm um papel importantíssimo nos avanços sociais, porém seguem nas mãos dos que não querem mudanças”.

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Por despertar a consciência crítica dos mais jovens, nos anos 60 a ditadura de Stroessner o deteve “um mês após obter a nacionalidade paraguaia”, acusado de ser “o Lenin dos camponeses”. Seis policiais o levaram em uma canoa que cruzou o rio Paraguai até o lado argentino, onde as autoridades o salvaram de ser “um desaparecido mais”. Dali foi para Buenos Aires, onde trabalhou nove anos com refugiados, onde era vigiado pela Polícia e pelo Exército. Perseguido pela ditadura em 1976, acusado de ser um enlace com os soviéticos, conseguiu deixar a Argentina.

A convite da Igreja anglicana, conseguiu viajar antes que a ditadura argentina o sequestrasse. Não o encontraram, mas dois dos seus colaboradores desapareceram. “Seu superior de então, com o que manteria constantes conversações, era o jesuíta Jorge Bergoglio. Ambos voltaram a se encontrar em 2015, em Assunção, durante a visita de Bergoglio como Papa, e se abraçaram como velhos amigos”, relembra o jornal El País.

Viveu na Nicarágua por sete anos, aprendendo e contribuindo com a revolução sandinista. Após anos de exílio da pátria guarani, Pai Oliva praticou o sacerdócio em várias capelas de Assunção, manteve uma escola de formação secundária, uma rádio comunitária, um restaurante para deficientes físicos, tendo ainda fundado uma cooperativa para mães solteiras.

“Dizem que não devemos dar o peixe aos pobres, mas ensiná-los a pescar, mas quando chegam ao rio está todo privatizado”, é uma das frases mais conhecidas do líder religioso, resumindo de forma contundente sua concepção de luta social.

O Senado do Paraguai reconheceu sua histórica contribuição em favor “da formação ética da juventude, da democracia, dos direitos humanos, a promoção da livre expressão e o pensamento crítico”.

A historiadora Margarita Durán, escreveu: “Temos um novo santo paraguaio, San pa’i Oliva. Foi ao encontro do Pai às 15 horas. Partiu sem deixar de nos surpreender. Um grande entre os grandes, irmão, companheiro e amigo para sempre”.

Leonardo Wexell Severo, colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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