Desde suas origens, este país tem se definido, em grande medida, em torno ao temor diante do “outro”; seus políticos justificaram guerras, invasões, intervenções, tortura, genocídios de indígenas, escravidão, discriminação e um fervor armamentista sem igual até hoje.
Quase tudo organizado em torno a uma constante “ameaça” que quase sempre provém do exterior. O inimigo, como em quase todos os países, é “demonizado” — a ameaça mexicana, a “amarela”, a “vermelha” (primeiro indígenas, depois comunismo) — e assim nutrindo mais guerras, ondas anti-imigrantes, a xenofobia e uma percepção do crime vinculado a minorias e aos “outros” (com isso se chegou a ser o país que mais encarcera no mundo).
O país mais poderoso da história é aparentemente o país mais assustado do mundo.
Por isso é que os Estados Unidos necessitam o orçamento militar mais massivo do planeta (maior que o total combinado dos próximos 11 países com maior gasto militar) — o temor sempre esteve entre as melhores armas dos políticos para justificar e manter seu poder e as guerras quase constantes ao longo da história deste país.
Mas neste ano, os principais demônios e monstros, “inimigos” e outros que ameaçam este país já não provêm de “fora”, não são estrangeiros, nem extraterrestres, nem estão disfarçados de outra coisa, mas sim são estadunidenses.
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Segundo o consenso das agências de inteligência e segurança interna e de uma ampla gama de analistas políticos, a maior ameaça aos Estados Unidos hoje provém de extremistas brancos e seus promotores, entre eles o ex-presidente Donald Trump e seus aliados.
Freepix
O país mais poderoso da história é aparentemente o país mais assustado do mundo.
“Quando visitava Estados Unidos nos sessenta e setenta, tinhas que assinar uma declaração de que não tinhas a intenção de derrocar o governo estadunidense pela força. Nunca percebi que isso só se aplicava aos estrangeiros”, tuitou recentemente o grande cômico inglês John Cleese, integrante do Monty Python.
As investigações em curso sobre a tentativa de golpe de Estado em 6 de janeiro continuam revelando uma rede cada vez maior de cumplicidade entre grupos extremistas de direita e legisladores federais e assessores republicanos.
O Washington Post, em uma ampla pesquisa, conclui que esse dia foi uma parte do “assalto pelo Presidente Donald Trump sobre a democracia estadunidense” que impulsionou desde meses antes e que essa “insurreição não foi um ato espontâneo nem um evento isolado. Foi uma batalha de uma guerra mais ampla em torno à verdade e sobre o futuro da democracia estadunidense”.
Há uma semana uma gama extraordinária de proeminentes escritores, acadêmicos e analistas conservadores tradicionais, centristas e liberais publicaram uma “Carta Aberta em Defesa da Democracia” deplorando o assalto por forças trumpistas do processo político-eleitoral.
“Instamos a todos os cidadãos responsáveis a quem lhes importa a democracia — funcionários públicos, jornalistas, educadores, ativistas, cidadãos comuns — ter como prioridade urgente agora a defesa da democracia… Agora é o momento para que líderes de todos os tipos… se apresentem para oferecer seu apoio à República”.
Durante os anos de Trump e agora com o Partido Republicano subordinado ao seu projeto neofascista, vozes desde Noam Chomsky à de ex-generais — algo inusitado — repetiram que o experimento democrático estadunidense está mais ameaçado hoje que nunca desde a Guerra Civil, algo que poderia ter graves consequências internacionais.
Enquanto o Halloween desafortunadamente tem contaminado o México há anos, o Dia dos Mortos está se infiltrando cada vez mais nos Estados Unidos. Talvez isso abra a possibilidade de convocar os grandes defensores deste povo de imigrantes — com cempsuchil e copal e talvez um pouco de uísque também — a acompanhar a luta para resgatar seus princípios democráticos e para deixar de assustar-se, e com isso, assustar todos ao seu redor.
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