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SP: Não é justo perder chance de seguir: alunos lutam contra fim do noturno na escola Caetano de Campos

“Governo vem fechando salas do período noturno da Escola Estadual Caetano de Campos da Aclimação, o que tem obrigado muitos jovens a abandonarem os estudos, já que trabalham durante o dia e é a única opção que lhes resta"
Redação Diálogos do Sul
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

“O governo vem fechando salas do período noturno da Escola Estadual Caetano de Campos da Aclimação, o que tem obrigado muitos jovens a abandonarem os estudos, já que trabalham durante o dia e é a única opção que lhes resta. Por isso, estamos levantando a nossa voz, coletivamente, porque uma educação pública de qualidade é um direito da comunidade e um dever do Estado”, afirmou a professora Monica Fonseca Severo, sintetizando a decisão da assembleia de representantes realizada na noite de segunda-feira (18).

Outro ponto importante denunciado por estudantes, pais e professores é o verdadeiro abandono dos sete mil metros quadrados de uma das escolas mais tradicionais de São Paulo pela firma da “limpeza”. A partir da “terceirização” — trágica prática de subcontratação de trabalhadores — são apenas três profissionais atuando seis horas e um quatro horas, “com baixíssimos salários, sem direitos e nem segurança”, em um imenso prédio de cinco pisos, todos com banheiro, 23 salas de aulas e mais umas tantas do setor administrativo, refeitório e laboratórios. Se em tempos de pandemia, praticamente sem frequentadores, a vida deles já era difícil, imagine com a volta às aulas. “Impossível”, reiterou a assembleia, que deliberou pela “imediata contratação de mais pessoal”. 

A situação é tão calamitosa que, na semana passada, o pessoal da limpeza não compareceu, “pois havia ficado sem receber sequer o vale-transporte”, denunciaram.

Inúmeros relatos emocionados davam a dimensão da verdadeira epopeia a que muitas famílias vêm sendo submetidas na busca de manter seus filhos estudando. É o caso de Anike Batista Quadros que, sem vagas no Caetano, foi obrigada a tentar outra instituição. “O problema é que o Caetano fica ao lado de casa e queriam transferir a minha filha de 15 anos, no centro de São Paulo, à noite, para uma escola que fica 40 minutos a pé, num caminho perigoso, porque não tem ônibus neste trajeto. Aí comecei a sair mais cedo do trabalho, pedir licença, para pressionar. Mas logo começou um jogo de empurra entre a Secretaria de Educação e a Diretoria de Ensino. 

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Tive também que ir ao Conselho Tutelar, porque minha filha não podia ficar sem estudar. Infelizmente, foi o que aconteceu com muita gente que não conseguiu fazer barulho, que não conseguiu faltar no serviço para fazer resistência”, contou. O fato, completou Anike, “é que vivemos tempos de crise e desemprego e minha filha precisa trabalhar para ajudar em casa. Eu não queria isso, mas é necessário. Mas é importante que ela continue estudando, mas foram fechadas várias escolas no período noturno e aí tudo fica mais difícil”.

“Governo vem fechando salas do período noturno da Escola Estadual Caetano de Campos da Aclimação, o que tem obrigado muitos jovens a abandonarem os estudos, já que trabalham durante o dia e é a única opção que lhes resta"

Reprodução
Governo vem fechando salas do período noturno da Escola Estadual Caetano de Campos da Aclimação.

Para Geovanna de Melo Silva, presidente do Grêmio Estudantil, do terceiro do Ensino Médio, de 18 anos, “a manutenção do noturno é extremamente necessária porque abre as portas para o jovem estudar e trabalhar ao mesmo tempo”. “É um pessoal mais maduro, que tem responsabilidade”, defendeu. Trabalhadora em um petshop na rua Augusta, ela entra na escola antes de ir para casa, “que fica praticamente do outro lado da rua”. “O que precisamos fazer é abrir mais salas, porque muitos alunos perderam a vaga e acabaram ficando sem matrícula”, frisou.

Trabalhadora da Galeria do Comércio, no centro, Larissa Silva, de 18 anos, disse que faz sua jornada das 10 horas às seis e meia e quando foi informada de que estava sem vaga, “a primeira coisa que passou na cabeça foi: nossa, e agora? E há muitos que seguem esta mesma rotina”. “Eu quero concluir o terceiro ano para prestar concurso público, mas sem oportunidade vai ficar ainda mais complicado. Estou tentando, frequentando, mas sem vaga. E não deram prazo para resolver”, condenou Larissa.

Trabalhadora no bairro da Liberdade, Júlia Bernardo está “empenhada em não perder o ano”, mas também em preservar um emprego com carteira assinada que conquistou, à custa de muito sacrifício, como caixa de um restaurante. “Estudei nesta escola desde o meu primeiro ano, metade da minha vida e não é justo que muitos alunos percam a oportunidade de seguir em frente. Daí a importância desta mobilização”.

Para Roberto Guido, dirigente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), “o governo estadual tenta vencer as comunidades pelo cansaço e pela desmobilização, porque sua prática é de fechar noturnos, fechar salas e fechar escolas, forçando o torniquete”. “Mas o Caetano está lutando e nós colocaremos a estrutura necessária para vencer mais esta batalha”, assinalou.

Representando o mandato do deputado federal Orlando Silva (PCdoB), Rodrigo Carvalho destacou o Caetano de Campos da Aclimação como “uma das escolas mais tradicionais de São Paulo, que sempre teve um projeto exemplar e muito moderno, e que não é admissível que hoje esteja sendo submetida a este nível de problemas, inclusive com jovens sob o risco de ter de se locomover quilômetros para conseguir estudar”. “O nosso deputado vai falar diretamente com o Secretário de Educação, porque não faz sentido tudo isso que está acontecendo. O fundamental é abrir o noturno e garantir as condições sanitárias mínimas”, acrescentou.

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Luzineide Ramos, dirigente da Confederação das Mulheres do Brasil (CMB) e mãe de dois ex-estudantes do Caetano, André — que inclusive presidiu o Grêmio — e Marina, falou emocionada sobre a triste realidade vivida atualmente na escola, “muito diferente daquela que os meus filhos puderam usufruir há duas décadas atrás”. “Mas o importante é estarmos unidos e mobilizados em defesa da educação, para reabrir as vagas do noturno e continuar fazendo do Caetano uma referência para as futuras gerações”, enfatizou.

Presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), Rozana Barroso recordou que começou a trabalhar aos 13 anos e do quanto lhe comovia ver a situação em que foram lançados vários estudantes do Caetano, sem oportunidade. “O quadro de abandono a que vivem nossas escolas é absurdo, mas o ministro da Educação não aceita dialogar, e os cortes se multiplicam por todo o país. Nós estamos aqui para nos somar com a campanha Vida, Pão, pelo direito à Educação, em defesa do Caetano, que sempre foi referência nas lutas”. “Vamos nos somar com unhas e dentes em defesa do noturno e da limpeza, porque isso é uma obrigação do Estado”, apontou.

“Estaremos juntos, mobilizando, para transformar esta realidade de abandono. Não vamos deixar que ataquem o direito aos nossos sonhos”, concluiu o presidente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (UPES), Hector Batista. 


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