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Colômbia: Desde a assinatura do acordo de paz, a cada três dias é morto um líder indígena

"O Governo apoia os indígenas que o apoiam. Duque quer dividir os povos, para eliminar a autonomia indígena", diz diz Leonor Zabaleta
Contagio Radio
Diálogos do Sul Global
Buenos Aires

Tradução:

Desde 1995, comemora-se o Dia Internacional dos Povos Indígenas em 9 de agosto. De acordo com as Nações Unidas, a data busca dar reconhecimento às comunidades, a sua cultura, idioma e saberes. A organização calcula que são 476 milhões os Povos Indígenas existentes, em 90 países ao redor do mundo. 102 destes Povos Indígenas vivem em nosso país e mais de 50% deles corre atualmente risco de desaparecimento.

Contagio Radio entrevistou Leonor Zalabata, comissária de direitos humanos do Povo Arhuaco, na Serra Nevada de Santa Marta; Camilo Niño, secretário técnico indígena da Secretaria Técnica Indígena (STI) e da Comissão Nacional de Territórios Indígenas (CNTI); e ainda Jairo Guerrero, delegado do Movimento Autoridades Indígenas da Colômbia (AICO) pela Pachamama, em Pasto.

Os três entrevistados afirmaram que este 9 de agosto, além de ser uma data de celebração, deve fazer um apelo dos Povos Indígenas ao Governo Nacional, para que ouça os problemas que as comunidades enfrentam com o abandono estatal, a pandemia da Covid 19 e a presença de empresas extrativistas e grupos armados legais e ilegais.

«O 9 de agosto nasce com exigências de Povos Indígenas. É um dia para ressaltar, evidenciar, visibilizar que ainda em pleno século XXI, a discriminação contra os Povos Indígenas que não desapareceu e o não cumprimento dos direitos dos Povos Indígenas. É um dia para reconhecer os conhecimentos que temos e nossas soluções para resolver problemas que enfrentamos mundialmente».

Camilo Niño, secretário técnico indígena da STI e da CNTI.

Os povos indígenas resistem ao desaparecimento

Para Leonor Zabaleta, a situação atual dos Povos Indígenas na Colômbia e no mundo é «consequência da forma como se decide em um órgão político ou administrativo as questões dos Povos Indígenas, o que não permitiu que esses Povos tenham importância». Também afirmou que não há garantias para a existência dos Povos com identidade de cultura.

A comissionária de direitos humanos disse também que historicamente os Povos Indígenas foram estigmatizados na Colômbia, como Povos «selvagens» ou «semi-selvagens». «O fundamental tem que ver com nossas culturas, e nasce dessa visão do universo, da terra; e isso o sistema global ainda não pôde incluir nos temas políticos e econômicos dos países (…) Há esperanças em figuras como o Dia Internacional dos Povos Indígenas, mas a mudança que deveria ter ocorrido não ocorreu», acrescentou Leonor Zabaleta.

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Os entrevistados também afirmaram que na atualidade continuam trabalhando para manter a cultura e a identidade indígena na Colômbia, apesar do racismo a que foram submetidos pelo próprio Estado. «Na medida em que nos integrávamos para não sermos considerados semi-selvagens, perdíamos cultura, língua, táticas agrícolas e assuntos próprios da comunidade (…) Esse enfoque tem a ver com a discriminação racial que ainda existe e que não se supera; não se supera simplesmente com leis, decretos ou normas; tem que haver uma mudança na mentalidade, reconhecimento e conhecimento que devem ser transmitidos desde a escola.

"O Governo apoia os indígenas que o apoiam. Duque quer dividir os povos, para eliminar a autonomia indígena", diz diz Leonor Zabaleta

Instituto Socioambiental
"O Governo apoia os indígenas que o apoiam. Duque quer dividir os povos, para eliminar a autonomia indígena"

A passagem da Covid 19 e seu dano aos Povos Indígenas

Jaime Guerrero afirmou que somada ao racismo que as comunidades enfrentam e ao abandono dos governos nacional, departamental e municipal, a pandemia da Covid 19 afetou e afeta atualmente os Povos Indígenas com a morte dos líderes, homens e mulheres e também anciãos dos Povos Indígenas que tinham consigo as memórias e o conhecimento de suas culturas.

Para o delegado indígena, apesar de que não estavam preparados para enfrentar a pandemia, conseguiram resgatar vidas por meio da medicina ancestral; no entanto, o Governo demonstrou não saber manejar a epidemia e foram notáveis as falhas do sistema de saúde na Colômbia, especialmente nos territórios ocupados por comunidades camponesas, indígenas e afros.

Recentemente a comunidade indígena lamentou a morte por Covid 19 do líder indígena Martín Tenganá Narváez, que era presidente da AICO.  O sociólogo e antropólogo de 52 anos morreu nesta segunda-feira, 9 de agosto, no Hospital San Pedro de Pasto, em Nariño.

A Assembleia Departamental de Nariño lamentou a morte do líder indígena. 

A cada três dias é assassinado um líder indígena

Os entrevistados afirmaram que quando foi assinado o Acordo de Paz pensavam que teriam soluções em seus territórios quanto ao social e ao meio ambiente, mas o Governo Nacional não cumpriu integralmente o que foi pactado em Havana e não enfrentou as mais de 360 mortes de lideranças indígenas desde 2016.

«Depois do Acordo de Paz, o Governo não foi capaz de ocupar as áreas que estavam em poder das FARC e agora aparecem 5, 6 grupos armados, com objetivos diferentes e que não se importam com a população. A menos de 5 km há bases do Exército, mas isso não evita a presença de grupos ilegais».

Jairo Guerrero, delegado da AICO.

Leonor Zabaleta também afirmou que a solução para os territórios não é a presença militar, pois esta desencadeou agressões e confinamentos dos Povos Indígenas em várias regiões do país. Para a comissária é fundamental o diálogo entre o Governo Nacional, as instituições e os Povos Indígenas para respeitar sua autonomia.

Segundo o testemunho de Leonor, na Serra Nevada de Santa Marta houve conflitos com o atual governador do Povo Arhuaco, que foi denunciado por três mulheres da comunidade por abuso sexual. Leonor afirmou que o Governo Nacional fez caso omisso das denúncias demonstrando que quer eliminar os Povos Indígenas com a divisão.

“O Governo apoia os indígenas que o apoiam. O Governo quer dividir os Povos, para eliminar a autonomia indígena”, diz Leonor Zabaleta, comissária de direitos humanos do Povo Arhuaco.

Jairo Guerrero também denunciou que as solicitações normativas que fazem pensando no bem estar da comunidade, na proteção jurídica e territorial não foram considerada «De 180 solicitações, dizem-nos que este ano pode haver duas. Ou seja, necessitaríamos de 100 anos».

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Segundo os entrevistados, nos territórios indígenas há também prejuízos ambientais graves, devido à presença de empresas mineradoras e petroleiras e ao manejo dos cultivos de coca, planta que é usada pelos indígenas devido a seus benefícios nutritivos.

Entre as solicitações dos Povos Indígenas ao Governo Nacional está incluído o cumprimento do Acordo de Paz, e ainda o tema dos cultivos ilícitos para evitar sua expansão e os danos ambientais. A comunidade pediu também que sejam finalmente respeitados os direitos que foram consagrados na Constituição de 91 e que sejam reconhecidos como atores políticos.

* Fonte: Contagio Radio

** Tradução de Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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