O Peru é insólito, desconcertante e com um impulso de luta pelas mudanças econômicas, raciais, sexuais, culturais, democráticas, que parece que se perde e de repente se volta a encontrar! Ademais, em um momento histórico: o Bicentenário: 200 anos de Independência do Peru.
Já havia afirmado anteriormente que era impossível não votar em Pedro Castillo, o atual presidente. Porque não só a ameaça era que o país caísse indefectivelmente nas mãos da máfia e da corrupção que caracteriza Keiko Fujimori. Também porque o candidato Pedro Castillo, professor rural de primária, que tinha outra linguagem e outra presença, conseguiu empatar com os setores, mulheres e homens, mais despossuídos do país. Era uma aposta arriscada, mas impostergável.
Finalmente, em 28 de julho, dia da Independência do Peru e do Bicentenário, Pedro Castillo assume a Presidência, depois dessa árdua, longuíssima e milionária campanha de Fujimori e os grupos mais de direita peruanos sobre a existência de fraude eleitoral.
Não houve fraude, e isso foi reconhecido por todas as instituições internacionais que estiveram de Observadoras do processo eleitoral, além dos governos (Estados Unidos entre eles! Será para diferenciar-se do apoio à fraude não só em seu país, mas em outros que queiram adotar o estilo Trump?).
Mais de um mês durou o ataque em torno da fraude, a ameaça do comunismo, o risco de debacle do país até que finalmente, resolvendo as arbitrárias denúncias feitas ao Juri Nacional de Eleições, este proclamou Pedro Castillo como Presidente do Peru.
Grande triunfo! Mas, oh, as esquerdas nossas iniciaram o processo de retrocesso democrático: o Partido Peru Livre, com o qual ganhou Castillo, quis o controle do governo. Deixaram cair as alianças já feitas para ter uma bancada no Congresso e permitiram que uma lista improvisada, das direitas mais soberbas, ganhasse a presidência e a mesa diretora do Congresso.
No momento em que Castillo recebe a faixa presidencial anuncia a nomeação do primeiro-ministro para o dia seguinte, na cerimônia simbólica em La Quinua, Ayacucho. Surpreendentemente, nomeia para esse cargo a um dos militantes mais duros de Peru Livre, mais de esquerda tradicional, declarado homofóbico e machista.
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Os ministros já estavam quase todos eleitos (só duas mulheres), mas no momento do juramento, dois dos mais representativos e respeitados, inclusive pelos opositores, decidem renunciar. O Conselho de Ministros se instala com duas ausências: Pedro Francke, no Ministério de Economia, e Aníbal Torres, na Justiça, ambos excelentes profissionais com o acréscimo de que Francke, do partido de esquerda democrática Novo Peru — coalizão Juntos pelo Peru, já havia mantido conversações, tranquilizadoras, com as instituições empresariais nacionais e internacionais.
Presidencia Peru
Juramentação simbólica do presidente da República na Pampa da Quinua
Depois do enorme desengano, da pena pelo que parecia a perda de uma real possibilidade, sem dúvida complexa, de mudanças democráticas, começou a ser vista uma possibilidade que se tornou esperança, e agora em fato: Pedro Francke jurou, na semana passada, como Ministro de Economia e Aníbal Torres como Ministro de Justiça.
Não foi uma aceitação qualquer. Mas sim muito política, com claras condições. Ficou claríssimo no momento do juramento: Pedro Francke assumiu o cargo com as seguintes palavras;
“Por um avanço sustentado para o Bem Viver, por igualdade de oportunidades, sem distinção de gênero, identidade étnica ou orientação sexual. Pela Democracia e a concertação Nacional, sim juro!”
Isso foi na sexta, 30 de julho.
No dia seguinte, muito cedo pela manhã, sai esse comunicado do Conselho de Ministros:
Fazer este reconhecimento por escrito e público foi a exigência de Pedro Francke para aceitar o Ministério.
E também hoje, outra declaração de Francke continua pondo os pontos necessários:
“Desde o Gabinete ademais defenderemos a necessidade de ter uma separação clara entre o governo e o partido, reconhecendo que este é uma base política indispensável sempre que a aposta seja consertar e fortalecer a democracia”.
É certo que há retrocessos a denunciar: retrocedeu-se dramaticamente na possibilidade de paridade; entre algumas autoridades se dão opiniões sexistas e homofóbicas, mas são as menos agora. Nossa agenda permanecer visível e em disputa.
E há outras mudanças importantes a recuperar: por um lado, diante da falácia de um Bicentenário de Independência do país, se evidencia a não independência, a falta de autonomia, de recursos, de acessos cidadãos, recupera-se uma narrativa que constrói resistência frente ao despojo e a subalternidade ao longo do Bicentenário, que evidencia a persistência da colonialidade, a existência de um desprezo, a partir da costa do país, às e aos habitantes da serra e da selva.
Por tudo isso, é uma conquista a presença de longe majoritária de ministros e ministras das regiões, em uma porcentagem altamente maior que nos últimos (ou talvez todos) os governos do Peru: 70,6%
Como podem ver, há ainda esperanças de mudanças democráticas em um país que teve experiências profundamente antidemocráticas e ditatoriais, aceitando a Constituição de 1993, produto do golpe de Estado de Fujimori, a qual dá o benefício total ao mercado e o escurecimento total de direitos cidadãos, vistos como benefícios e não direitos.
Este é o passo seguinte do Presidente Castillo: a mudança da Constituição. Será muito difícil conseguir, mas a aposta está ali.
* Gina Vargas é feminista peruana, revolucionária. Membra da comissão de coordenação do Fórum Social Mundial
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