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Pesquisadoras analisam projeto de poder do Partido Militar e risco de "militarização da vida": é mais profundo que Bolsonaro

“A lógica militar é contrária ao diálogo e, portanto, à política. Se trazemos essa orientação para a vida em geral, destruímos a possibilidade de construir democracia, ciência, redes de solidariedade e uma sociedade mais justa e humana”, dizem
João Vitor Santos
Revista IHU On-line
São Leopoldo (RS)

Tradução:

As professoras e pesquisadoras Ana Penido e Suzeley Kalil têm trabalhado com a perspectiva de Partido Militar para analisar os movimentos das Forças Armadas no cenário político. 

Na verdade, para elas, esse talvez seja mais do que um partido político como conhecemos. “É uma organização semelhante aos partidos políticos, pois, do mesmo modo que estes, organiza e dá forma a um conjunto de demandas formuladas por uma parte da cidadania (a família militar) e tem por objetivo a conquista do poder político para realizar tais demandas”, explicam. 

Porém, lembram que essa também “é uma organização partidária privilegiada e especial: não está sujeita às regras impostas aos partidos políticos, tem uma ‘militância’ cativa, é bastante organizada – emprestada a burocracia mais hierarquizada e disciplinada da República –, tem mecanismos de financiamento também organizados (os clubes militares e assemelhados)”.

Leia também: Cannabrava | A palavra de ordem que irá tirar os militares do poder vem das ruas: #ForaBolsonaro

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, de forma conjunta, elas detalham esse conceito e observam que “os principais quadros do Partido foram para o Executivo e institutos, locais em que existe a possibilidade de gestão orçamentária, e não para o Legislativo. 

O que não impede de militares participarem massivamente das eleições”. Além disso, olham como o projeto desse grupo é maior do que o do próprio presidente. “Como um Partido, sua proposta é a conquista do poder, controlando o Executivo, Legislativo, Judiciário, tendo imprensa própria, setores empresariais, relações internacionais”, completam.

Para além de todas as denúncias de corrupção que temos visto – pois, como elas colocam, “os militares são tão corruptos quanto qualquer outra instituição, apenas o sigilo lhes garantindo impunidade” –, o risco que se corre é de uma espécie de militarização da vida. 

“Somos muito preocupadas com a militarização dos modos de vida, expressa em jogos violentos, na moda, na explosão dos cursinhos para concurso militar. Isso é algo muito mais profundo que Bolsonaro, e por isso muito mais preocupante. Trata-se de perceber a violência e formas militares como uma maneira para a resolução de conflitos”, analisam.

Além dos mais, “a lógica militar é contrária ao diálogo e, portanto, à política. Se trazemos essa orientação para a leitura da vida em geral, destruímos a possibilidade de construir democracia, ciência, redes de solidariedade e uma sociedade mais justa e humana”.

Ana Amélia Penido Oliveira possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, mestrado em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança pela Universidade Federal Fluminense – UFF e doutorado em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (Unesp/Unicamp/Puc-SP), através da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp. Atualmente cumpre estágio de pós-doutorado no Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp. É pesquisadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social e do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional – Gedes – Unesp, nas áreas de defesa, forças armadas, profissionalização e educação dos militares.

Suzeley Kalil possui graduação em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, mestrado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo – USP e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Realizou, ainda, pós-doutorado na Uned-Instituto Universitário “General Gutiérrez Mellado” (em Madri, Espanha). Atualmente, é professora livre-docente da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp. Também é líder do Grupo de Estudos sobre Paz e integra o Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional – Gedes.

Confira a entrevista

IHU: O que é o Partido Militar e como ele se constitui?

Ana Penido e Suzeley Kalil: O Partido Militar se constitui ao longo do processo de profissionalização das Forças Armadas brasileiras, especialmente após a II Guerra Mundial. A fundação da Escola Superior de Guerra – ESG, em 1949, pode ser considerada um marco no processo de fundação do Partido Militar, pois, a partir de então, se constrói uma doutrina que dominará o pensamento militar ao longo do tempo.

O Partido Militar não é um partido político em sentido estrito, com registro no Tribunal Superior Eleitoral – TSE, mas uma organização semelhante aos partidos políticos, pois, do mesmo modo que estes, organiza e dá forma a um conjunto de demandas formuladas por uma parte da cidadania (a família militar) e tem por objetivo a conquista do poder político para realizar tais demandas. Porém, é uma organização partidária privilegiada e especial: não está sujeita às regras impostas aos partidos políticos, tem uma ‘militância’ cativa, é bastante organizada – emprestada a burocracia mais hierarquizada e disciplinada da República –, tem mecanismos de financiamento também organizados (os clubes militares e assemelhado

O Partido Militar segue a mesma hierarquia da caserna? Como podemos compreender as questões de fundo dessa organização hierárquica no Partido?

Sim, o Partido Militar se organiza como as Forças Armadas, tendo por base a hierarquia e a disciplina.

Qualquer força armada, porque deve preparar seus membros para a guerra, precisa ter como princípio conformador desse profissional, pensando na guerra clássica — hoje, com as guerras podendo ser feitas desde gabinetes, essa ideia de formação primeira dos militares vem sendo reavaliada —, dada a ordem, esta deve ser rigidamente transmitida até chegar no operador (cadeia de comando) que, na batalha, não pode questionar, ainda que a ordem possa significar a perda de sua vida. As ordens dadas, na batalha e apenas nela, devem ser cumpridas quase que de forma automática. É só na batalha que deve prevalecer o mote “não duvidar, não divergir, não discutir” (Ratembach, 1975).

Todavia, e este é o problema, ao atuar na vida política, a caserna traz para o centro da política — um mundo constituído pela divergência, diálogo e convencimento – a mesma forma de pensar e agir da vida militar, buscando impor uma visão de mundo hierárquica e disciplinadora. Entretanto, embora o Partido Militar espelhe a hierarquia e a disciplina da Instituição, ele subverte esses dois valores na própria Instituição, uma vez convidada a fazer parte do governo, representando o partido, os mais leais ideologicamente, e não os classificados conforme a hierarquia – 01, 02, 03…

Veja também: “Com intervenção frequente dos militares nas eleições, democracia no Brasil nunca pôde ser plena”

O que faz os militares se converterem à cena política? E, nesse cenário, o que parecem ser seus objetivos centrais?

Os militares jamais deixaram a cena política. A diferença é que estavam nos bastidores e não no palco principal. Eles se retraíram (não foram retirados) no processo de transição, especialmente depois da Constituição de 1988 – lembrando que mantiveram e, em certa medida, aumentaram sua autonomia frente aos civis –, criando a falsa ilusão de que o Partido Militar estava morto – Oliveiros Ferreira, grande conhecedor das Forças Armadas, escreveu no início do milênio Vida e Morte do Partido Fardado (Senac, 2002), como ele nomeia o Partido Militar. 

E assim, fazendo uma analogia com as organizações partidárias perseguidas e colocadas na clandestinidade, voltaram-se para dentro da caserna, reconstruindo suas bases, jamais, todavia, deixando de exercer alguma influência sobre os governos civis, até assumirem, no processo de golpe em 2016, o que chamamos “protagonismo sorrateiro”.

No cenário atual, os objetivos dos militares parecem ser muito mais corporativos (a corporação domina o Partido Militar) do que foi no passado, ou seja, se sob o governo dos generais os militares buscavam conciliar seus interesses com interesses de outros setores e também da cidadania (por exemplo, desenhando políticas de erradicação do analfabetismo, como o projeto Mobral), hoje eles parecem buscar apenas seus próprios interesses, e mesmo assim, dos setores dirigentes do Partido Militar (oficiais superiores). É o que mostra, por exemplo, a reforma da Previdência, muito diferente para civis e para militares, e entre militares de alta e baixa patente.

“A lógica militar é contrária ao diálogo e, portanto, à política. Se trazemos essa orientação para a vida em geral, destruímos a possibilidade de construir democracia, ciência, redes de solidariedade e uma sociedade mais justa e humana”, dizem

Palácio do Planalto
Ana Penido e Suzeley Kalil têm trabalhado com a perspectiva de Partido Militar para analisar as Forças Armadas no cenário político.

De que forma os sujeitos do Partido Militar apreendem as instituições do Estado Democrático de Direito?

O que podemos dizer é que desde o processo “Mensalão”, iniciou-se o solapamento do Estado de Direito, com a ‘escolha’ de para quem seria aplicada a lei e quem seria considerado culpado desde a suspeita que se estabelece, sem ter direito à defesa, repetindo o que aconteceu nos EUA nos anos 1950-1960 com o senador McCarthy perseguindo todos que dele divergiam, acusando-os de comunistas. Isso culminou na prisão de Lula e o impedimento de sua participação nas eleições. Em outras palavras, desde pelo menos 2014, pode-se classificar o Brasil como “Estado de não Direito” (veja entrevista de Suzeley para o IHU no ano passado). Já a democracia aqui é sinônimo exclusivo de existência de eleições, independentemente de como estas eleições sejam realizadas. Nesse sentido, as instituições estão profundamente estremecidas – parecem um queijo suíço…

Quanto aos militares, eles formulam suas próprias noções sobre democracia, legitimidade, legalidade. Se percebem enquanto intérpretes dos anseios do povo brasileiro, ainda que sem mandato para isso.

 

 

Com essa conversão à política, podemos considerar que os militares abandonam a ideia de golpe para se manter no poder?

Como anteriormente dito, os militares jamais deixaram o cenário político, apenas assumiram papéis menos protagônicos [veja Saint-Pierre, H. (2004). As formas não golpistas da presença militar no Estado. Perspectivas: Revista de Ciências Sociais (Unesp. Araraquara), São Paulo, v. 24/25, n.2001/2002, p. 115-130]. E há um golpe em curso – golpe no sentido de processo de mudança reacionária e fora das regras do jogo – desde 2015 e com grande participação militar, como comprova o depoimento do general Villas Bôas [CASTRO, C (org.), Eduardo General Villas Bôas: conversa com o comandante. FGV, RJ, 2021]. 

Apenas não é um golpe estilo 1964. As consequências mais aparentes são 1) para o processo político/sociedade civil: crescente autoritarismo, violência política, militarização e sufocamento da cidadania; 2) para as Forças Armadas: declínio do profissionalismo (crescimento do despreparo para a guerra), comprometim ento da imagem diante da opinião pública, e desconstrução da identidade (as Forças Armadas já não terão nenhuma especialidade, deixando de ser necessárias para a defesa).

Qual a incidência da chamada ‘transição pacífica’ do final da década de 1980 na conformação desse ideário de militares que são peças-chave na cena política nacional hoje?

A transição do autoritarismo burocrático foi chamada de ‘transição pela transação’ [Share, D.; Mainwaring, S. (1986). Transição pela transação: democratização no Brasil e na Espanha. Dados (Revista de Ciências Sociais), v. 29, n. 2, pp. 207-236], com isso querendo sublinhar dois aspectos importantes do processo de saída do regime autoritário: as Forças Armadas tinham controle quase absoluto da situação, isto é, impuseram o momento, o ritmo e a extensão de sua saída dos centros do poder; os civis não apenas aceitaram as imposições militares, com alguns setores apoiando tais imposições, como jamais impuseram qualquer revisão ao processo.

Ademais, quando lideranças ultrapassaram os limites da legalidade (fazendo apologia à tortura, por exemplo), jamais houve cobrança de tais atos. Em suma, eles mantiveram sua autonomia em muitas áreas, como a própria educação, em virtude da maneira como a transição ocorreu. Houve também um processo de ampliação dos poderes do Judiciário sem nenhuma contrapartida para o equilíbrio dos poderes. Tudo isso convergiu, e converge, para a manutenção de uma cultura política excludente (há cidadãos de segunda classe) e violenta (os menos cidadãos podem ser perseguidos, presos e empobrecidos).

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Partidos no Brasil de hoje têm uma ideologia volátil. Nesse sentido, o Partido Militar consegue fugir à regra e manter a coesão?

Nem todos os partidos brasileiros têm ideologia volátil. Isso é próprio das legendas eleitoreiras. O Partido Militar segue a mesma orientação dos partidos classistas (os socialistas são os primeiros a se organizarem), isto é, têm uma ideologia que solda seus ‘militantes’. O Partido Militar não foge à regra, mas ele não é um partido político como os outros. Se aproximam mais da estrutura de um partido de quadros (mais ideológicos) do que de um partido de massas (mais eleitoreiros). Ele se assemelha a uma organização partidária, mas tem a vantagem de ter a maioria de seus ‘militantes’ forjados na caserna.

Que relação podemos estabelecer entre a Operação Lava Jato e a ascensão dos militares na cena política?

A operação Lava Jato alimentou um processo que já estava em curso, de desmoralização dos políticos, e abre caminho para a ascensão dos militares. O projeto militar de maior participação na política é muito anterior, mas a Lava Jato permite que esse projeto se torne explícito e visível, menos sorrateiro, justamente porque a Lava Jato acelerou o processo de destruição da legalidade (estado de direito) no país.

Uma questão importante, mas que foge ao escopo do assunto aqui tratado, é o quanto a Lava Jato representou a infiltração de interesses forâneos no Brasil, e como estes foram incorporados por vários setores da sociedade, inclusive militares. Temos a esperança de ver todos os envolvidos na Lava Jato no banco dos réus, pois eles são responsáveis diretos pela destruição do patrimônio nacional.

Alguns analistas ouvidos pelo IHU discutem se o bolsonarismo é um projeto militar ou se os militares foram cooptados pelo projeto bolsonarista. Como vocês analisam esse ponto?

Bolsonaro é produto do Partido Militar. O único ‘projeto bolsonarista’ que visualizamos, a partir da campanha, é de destruição do Estado brasileiro, transformando-nos em um país pária, num Estado falido – e ele tem sido bem-sucedido. Bolsonaro e o Partido Militar se mostraram úteis um para o outro, estabelecendo uma relação de simbiose, pois interessava ao partido voltar ao poder por meio de eleições, mas o Partido Militar é anterior a Bolsonaro. Sua fidelidade é à família militar, e não ao atual presidente.

E como observam o bolsonarismo entre as polícias militares nos estados?

Tal assunto demanda mais pesquisas do que fizemos até agora. Há indícios de que Bolsonaro tem apoio entre as PMs. Também existem iniciativas legislativas para dotá-las de uma capacidade de ação a nível nacional, que hoje não possuem. Porém, cabe observar o quanto isso será funcional para as Forças Armadas, que sempre quiseram, ao arrepio do pacto federativo, controlar as polícias, de fato pensadas como forças auxiliares. À luz da história brasileira, ter polícias fortes e unidas em torno de um líder, mesmo que construído pelos militares, não parece interessante, pois interfere na lógica do monopólio absoluto da força.

Em suas reflexões, vocês consideram o Partido Militar a partir do número de militares no Executivo. Mas, desde as últimas eleições, em todos os níveis, é grande a participação de militares no Legislativo. Em que se diferem os militares do Executivo e do Legislativo?

Nas últimas eleições, sete deputados vieram das hostes militares, na esteira de Bolsonaro. Não consideramos o Partido Militar a partir dos militares no Executivo. Como um Partido, sua proposta é a conquista do poder, controlando o Executivo, Legislativo, Judiciário, tendo imprensa própria, setores empresariais, relações internacionais. Tomamos os números do Executivo como amostra para identificar quem manda no Partido Militar. Pelos nossos estudos, os principais quadros do Partido foram para o Executivo e institutos, locais em que existe a possibilidade de gestão orçamentária, e não para o Legislativo. O que não impede de militares participarem massivamente das eleições. Veremos novo exemplo disso no ano que vem em todos os níveis.

Afora os sujeitos oriundos das Forças Armadas, há grande ascensão política, especialmente nos legislativos, de sujeitos vindos das polícias militares. Como compreender essa ascensão em específico?

Chamamos de Partido Fardado a ‘organização’ dos diferentes setores de segurança em seu objetivo de participação na cena política. O processo de maior presença do Partido Fardado nos legislativos, e mesmo nos executivos estaduais e municipais, pode ser creditado ao que chamamos de ‘militarização’. Neste caso, trata-se da combinação da incorporação de valores próprios da caserna ao processo político, acreditando que qualquer problema pode ser resolvido como se fosse uma questão militar, com a aplicação da força.

É um processo muito perigoso que pode, no limite, representar a destruição mesma da política, com a substituição do diálogo e da negociação pela violência e imposição de uma ordem artificial e contrária à soberania popular. O Partido Fardado é menos coeso que o Partido Militar, e tem menor capacidade de direção.

A maioria das polícias estaduais ainda traz fortemente os efeitos da militarização dos anos de ditadura. A entrada das polícias militares na política pode ser lida como disputa de forças com o Partido Militar?

O Partido Militar e o Partido Fardado são complementares, compõem alianças, não disputam na arena geral. A militarização das polícias, ressaltando que não é tema de nossas pesquisas, apenas tem redundado na desprofissionalização das forças de segurança.

Na mesma onda que elege muitos militares e leva outros a cargos no alto escalão do Executivo, há o discurso de negação da política e da figura do político. Como essas duas perspectivas dialogam no caso do Partido Militar e de militares na política?

A despolitização da política é algo bastante antigo no Brasil – é bom lembrar que este foi o grande mote da campanha de Fernando Collor, em 1989. E essa despolitização da política, e satanização dos políticos, é principalmente alimentada pelos partidos e organizações de direita ou conservadores, incluindo especialmente a imprensa, buscando reduzir a cidadania ao mero voto.

 

 

O Partido Militar assim como o Partido Fardado ganham com tal despolitização, pois se apresentam como técnicos capazes, como especialistas que podem resolver os problemas. A CPI da Covid tem cuidado de mostrar o erro dessa interpretação, mas também alimenta que só existem políticos corruptos, não auxiliando na compreensão que sem política não há cidadania.

O mais impressionante é como compramos tal discurso, mesmo sendo a segurança pública entendida como o principal problema indicado em todas as pesquisas eleitorais, justamente o setor que deveria ser ‘resolvido’ pelos fardados…

 

Do conturbado ambiente da CPI da Pandemia surge a denúncia de que haveria dois núcleos de corrupção no Ministério da Saúde: um político e outro militar. O que a denúncia indica para vocês?

Que a corrupção é endêmica ao sistema. Os militares são tão corruptos quanto qualquer outra instituição, apenas o sigilo lhes garantindo impunidade. A confusão deve-se a, diante da entrada de um novo grupo (militares) na partilha do butim que é o Ministério da Saúde, interesses que precisam ser acomodados.

Uma questão positiva é a abertura de discussões sobre uma área historicamente sob controle deles, a justiça militar. O remédio contra corrupção se chama reforma no sistema político, transparência, prestação de contas, controle externo, e diversas modalidades de participação direta do povo na política.

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Como avaliam a leitura da população, especialmente a mais pobre, acerca das Forças Armadas e a militarização dos modos de vida?

As pesquisas têm apontado que a percepção da população tem mudado. A reputação que gozavam as Forças Armadas nas comunidades, especialmente as mais afastadas, é boa porque, em grande medida, é a única presença do Estado que tais comunidades conhecem. São eles que levam cestas básicas, reconstroem estradas destruídas pelas chuvas ou dão vacinas. Por outro lado, na medida em que o Estado substitui estes “tapa buracos” com políticas públicas, como o “Mais Médicos” ou o “Bolsa Família”, por exemplo, a percepção da população vai se ampliando, daí, talvez, também os militares serem críticos de tais projetos. O envolvimento de militares em escândalos desde o início do governo, e a exposição das suas entranhas pela imprensa (como a compra de cervejas e picanha em plena pandemia), tem contribuído para essa queda de avaliação da imagem institucional.

Somos muito preocupadas com a militarização dos modos de vida, expressa em jogos violentos, na moda, na explosão dos cursinhos para concurso militar. Isso é algo muito mais profundo que Bolsonaro, e por isso muito mais preocupante. Trata-se de perceber a violência e formas militares como uma maneira para a resolução de conflitos. Nossa intenção é deixar claro que militarização não é apenas ter uma presença grande de militares no governo. Mesmo se os 7.000 militares saíssem, ainda nos restaria um problema de militarização.

Em suas reflexões, apontam que a lógica militar é binária. Quais os riscos de uma militarização dos modos de vida em que esse binarismo seja a chave de leitura para os problemas da atualidade?

Militares trabalham com a lógica de amigo e inimigo, dentro e fora, ou estão comigo ou estão contra mim. A lógica militar é contrária ao diálogo e, portanto, à política. Se trazemos essa orientação para a leitura da vida em geral, destruímos a possibilidade de construir democracia, ciência, redes de solidariedade e uma sociedade mais justa e humana.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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João Vitor Santos

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