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ToggleEm entrevista ao programa Ecologizando, da TV 247, o economista Ladislau Dowbor, professor titular de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), consultor de diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios, falou com leveza e clareza sobre assuntos pesados e complexos.
Com uma ampla carreira e uma obra que já conta com mais de 40 livros, Dowbor destacou a questão do agronegócio e da subordinação do setor primário do Brasil às grandes multinacionais.
“A gente orientando o Brasil para a agro exportação da forma que o Brasil está, é um desastre ambiental, não rende nada para o país, é entregar a política para todo um interesse global das commodities”, diz o economista que atua como conselheiro no Instituto Polis, CENPEC, IDEC, Instituto Paulo Freire, Conselho da Cidade de São Paulo e outras instituições. Ele garante que o interesse por trás da primarização da economia no Brasil é talhado por grandes multinacionais e explica parte do modus operandi do agro na Amazônia.
Reprodução: Pixabay
Ladislau Dowbor fala da sua relação com o meio ambiente e o impacto do agronegócio na descapitalização do país.
Circuito do agronegócio na Amazônia e interesses de grandes empresas
“É um ciclo: você tem a zona política que é criada pelo garimpo, pelos garimpeiros, pela desagregação do sistema legal”, inicia Ladislau. Logo acrescenta: “Isso permite o desmatamento ilegal”.
Depois da desordem criada por esse primeiro passo, o economista explicita a colaboração entre o garimpo e o mercado de commodities: “depois [da extração ilegal de madeira] você faz a queimada, incorpora as cinzas ao solo e isso dá algumas safras muito boas de soja. Interessa aos grupos do agro e da comercialização da commodity de grãos internacional”.
Finalmente, ele aponta: “[esse processo] esteriliza o solo porque os solos amazônicos são frágeis e aí se tem erosão hídrica, erosão eólica, erosão química das monoculturas etc. Assim, recomeça-se o ciclo e vai-se desmatando e queimando mais e mais”. Ladislau ainda diz que essa roda da esterilização do solo para a exportação interessa “às multinacionais”, mas conta “com ajudantes nacionais”. Mas por que interessa às multinacionais e não necessariamente ao crescimento real do estado? “No Brasil existe a lei Kandir, [que faz com que] a agroexportação não gere imposto. Então, na realidade, que vantagem a Maria leva nesse processo?”, responde o professor.
Ainda acrescenta: “Você precisa de 200 hectares de soja para gerar um emprego. Ou seja, geram-se pouquíssimos empregos. Porém, são gerados desastres ambientais, tanto pelo desmatamento como pela química e o que geramos são essencialmente bens [primários] de exportação”.
Ao longo de sua fala sobre as multinacionais que se beneficiam desse processo, o professor diz que “são 16 grupos que controlam no mundo o sistema de comercialização de commodities” e aponta a BlackRock como um dos principais. “Os ativos [desse grupo] totalizam 8,7 trilhões de dólares, dados de 2021. Isso é 5 vezes o PIB do Brasil em uma empresa”, diz Ladislau e aponta a presença crescente dessa multinacional no país.
Nesse contexto de exploração insustentável, o economista que já trabalhou orientando setores da ONU aponta: “Em termos propriamente econômicos, o que a gente está fazendo é uma descapitalização”.
Descapitalização do Brasil e os moldes atuais do agronegócio
“Quando perdemos, só nas regiões do semiárido, 73 mil quilômetros quadrados de solo por ano, o está se perdendo? O capital. Estamos reduzindo nossa capacidade de produção”, aponta Ladislau. Tratando da economia como subsistema de um todo ecológico, o economista demonstra que é impensável tratar do campo econômico sem levar em conta a capacidade do meio ambiente de recuperação.
Como exemplo cita a sobrepesca: “quando liquidamos a vida nos mares (os recursos haliêuticos) pescando mais do que a capacidade de reprodução das espécies, estamos descapitalizando, deixando de produzir no futuro”. Se continuarmos nesse ritmo, o professor afirma que estaremos “comendo nosso futuro”.
Em muitos momentos da entrevista, Ladislau cita o livro Killing the Host: how financial parasites and debt destroy the global economy de Michael Hudson. Embora explique que, no livro, o autor trate sobretudo da financeirização da economia, a ideia the “killing the host”, ou seja, de morte do hospedeiro através de sua exploração insustentável, exemplifica a descapitalização promovida pelo atual ciclo insustentável do agronegócio.
Segundo um estudo publicado no periódico científico Science por pesquisadores da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, cerca de 12 milhões de hectares são destruídos e abandonados anualmente por causa de práticas agrícolas insustentáveis.
A esterilização do solo em escala frenética previne o crescimento de lavouras, florestas e outros sistemas bióticos e descapitaliza o território. Ainda, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, a produção per capita de grãos, que é responsável pela alimentação de 80% do mundo, vem diminuindo desde 1984 devido à erosão insustentável do solo e, segundo o livro Land Degradation de Christopher J. Barrow, só na América do Sul, entre 30 e 40 toneladas de solo por hectare são erodidas por ano.
“A agroexportação em si não é ruim”
“A agroexportação em si não é ruim”, afirma Ladislau Dowbor, demonstrando que não se opõe a esse sistema como um todo, apenas se opõe à forma como ele está sendo manejado no Brasil.
“[No mundo], estamos saindo da era da agroindústria nos moldes da revolução verde, que vem desde os anos 60, e entrando na era da agricultura de precisão que leva em conta os impactos sobre a água, os impactos ambientais e coisa do gênero”, acrescenta o professor. Ele ainda diz que os agricultores estão “buscando outros rumos” e que “vale a pena refletir sobre essa discussão que está se dando no planeta. Há uma consciência de que nós estamos destruindo a principal base [da economia], que é o solo”.
Falando sobre o sistema de subserviência ao qual os agricultores brasileiros estão se submetendo em relação com multinacionais, Ladislau pontua: “Uma coisa é você produzir soja e exportar soja. Agora outra coisa é você produzir soja [e] internalizar, substituindo importações, todos os insumos da produção da soja para que sejam produzidos aqui”.
O professor enxerga uma possibilidade de industrializar o país de forma ecológica, partindo do agronegócio e quebrando o circuito do cluster ao qual havia se referido. “Ao invés de se exportar soja, [podemos] exportar óleo de soja, farelo de soja, enfim, [podemos] ir industrializando. Usa-se esse bem primário para transformá-lo em um bem elevado. Isso não é complicado. Agora, esses grandes grupos, eles preferem pegar o negócio bruto sobre o qual não pagam quase nada”, diz o professor.
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