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ToggleA ínfima vantagem com que venceu Pedro Castillo as eleições presidenciais de 6 de junho estimula sua impugnação e a instabilidade política do Peru, que já conta com quatro mandatários desde 2016 e seis ex-presidentes acusados de corrupção, inclusive Alan García, que se suicidou antes de ser preso, em abril de 2019.
Abre-se um novo capítulo de um dos variados dramas da América Latina que vive um novo ciclo de guinadas, protestos, violência e governos autoritários, mas também de eleições democráticas.
Castillo, candidato de Peru Livre, um partido de “esquerda socialista”, derrotou a direitista Keiko Fujimori por escassos 47.145 votos, quando faltava contabilizar apenas 0,04 por cento das atas eleitorais na noite de 14 de junho. O que representa 0,27 por cento dos 17,6 milhões de votos válidos.
Reprodução: Facebook
Pedro Castillo novo presidente eleito do Peru
A proclamação de sua vitória está demorando, enquanto se observa a cobrança de Força Popular, o partido de Fujimori, que requereu ao Jurado Nacional de Eleições a nulidade de 802 atas do interior do país, que correspondem a cerca de 200.000 votos e onde Castillo obteve o maior apoio, o que poderia inverter o resultado final.
“Considero difícil a anulação, porque os argumentos são frágeis. Teriam que provar fraudes, vontade de delito”, avaliou Javier Torres, um antropólogo e diretor do site Noticias Ser.
A vitória do professor rural Castillo no primeiro turno surpreendeu por tratar-se de um líder camponês pouco conhecido nacionalmente e sem uma carreira política (só postulou uma pequena prefeitura em 2002, sem êxito), contra a filha e herdeira do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), apoiada pelo empresariado, os grandes meios de comunicação e a elite em geral.
“Uma combinação de fatores favoreceu Castillo”, resumiu Torres, em entrevista à IPS por telefone, de Lima.
“Há uma demanda por reconhecimento, por ter um lugar na sociedade peruana” por parte da população rural, camponesa, que “votou em Castillo em sua quase totalidade, mais de 90 por cento”. Além disso, “ele atraiu o voto anti-centralização, contra Lima como centro de poder”, explicou.
Em consequência, conquistou uma ampla maioria das regiões da serra, “de pobreza rural e origem indígena” e, também da Amazônia. Mas tão pouco deixou de amealhar votos nas regiões costeiras; em Lima, por exemplo, obteve uns 30 por cento, em bairros pobres.
Além disso, “Fujimori estava condenada a perder por causa da corrupção”, acrescentou Torres; é acusada de ter recebido recursos ilegais da construtora brasileira Odebrecht para suas campanhas eleitorais. Seu pai está preso desde 2007, condenado por corrupção e massacres durante seu governo, que priorizou o combate à guerrilha do grupo Sendero Luminoso.
“Tudo foi potencializado pela pandemia da covid-19, uma crise econômica e sanitária que desnudou a incapacidade do Estado de atender às necessidades da população, especialmente nas zonas afastadas”, observou Torres.
O pano de fundo é “o modelo econômico que representou um crescimento econômico durante dez a 15 anos, mas que não beneficiou os pobres. Em várias regiões foram implantados projetos minerários, mas o bem-estar não chegou a eles”, lembrou.
A luta contra os impactos sociais e ambientais da mineração teve grande mobilização e repercussão nos últimos anos no Peru.
O personagem também contribuiu para o êxito. Castillo é “um professor do campo e os professores gozam de grande respeito nas zonas rurais: representam o conhecimento”, destacou Torres. “Sua conexão real com a gente do campo, sobretudo do campo, destacou-se nos debates”, acrescentou ainda.
À tentativa de associá-lo à violência do grupo maoísta Sendero Luminoso, que aterrorizou o Peru nos anos 1980 e 1990 e cuja derrota deu grande popularidade ao ex-presidente Fujimori, Castillo lembrou ter sido um “rondero”, membro das rondas camponesas, que enfrentaram o Sendero e agora combatem ladrões de gado.
Ser religioso, católico, com mulher e filha evangélicas, também o ajudou a “ligar-se ao povo, com suas metáforas e frases da Bíblia, uma linguagem simples”, ressaltou o antropólogo.
Mas isso se relaciona também com seu moralismo; é um conservador nos costumes, como em geral a população rural. Mas sua oposição ao aborto, aos direitos das minorias sexuais e ao matrimônio homossexual pode gerar conflitos com movimentos sociais e com as feministas.
Situação chilena
É um dos contrastes com o processo chileno, cuja Convenção Constitucional, com representantes eleitos em 15 e 16 de maio, tem forte presença dos LGBTQI+ e das feministas.
A grande diferença está na profundidade das mudanças. Enquanto o Peru vive uma guinada eleitoral, de transformações limitadas inclusive por um governo de minoria parlamentar, o Chile busca coroar uma rebelião da sociedade, de um ano e meio e dezenas de mortes, para substituir um sistema dominado pelo neoliberalismo e o autoritarismo.
Na primeira semana de julho instalar-se-á a Convenção Constitucional, com uma nítida maioria dos movimentos sociais e da esquerda. Resultado das manifestações nas ruas que forçaram o plebiscito de 25 de outubro de 2020, no qual 78 por cento dos eleitores aprovaram a elaboração de uma nova Constituição, que enterre a da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), vigente até hoje.
“Sem dúvida, haverá um predomínio de ideias avançadas, que porão em questão as bases do neoliberalismo, como o Estado subsidiário, os direitos previdenciários, de saúde, educação e moradia, desprivatização da água, e também a igualdade de gênero e os direitos reprodutivos, além das reivindicações dos povos originários”, resumiu Gustavo Gonzalez, ex-diretor da Escola de Jornalismo da Universidade do Chile para IPS, de Santiago.
Este é um ano de muitas eleições na América Latina, apesar da pandemia.
No próprio Chile, a primeira eleição de governadores regionais da história do país, concluída em 13 de junho, no segundo turno, favoreceu os partidos que dominaram boa parte da política chilena desde o retorno da democracia em 1990, o Socialista e a Democracia Cristã, e que perderam terreno na Constituinte.
Mas o aspecto mais relevante foi a abstenção recorde. Só votaram 19,6 por cento do padrão de eleitores, um indicador de desinteresse que pode distorcer prognósticos sobre as eleições presidenciais de 21 de novembro.
México e Nicarágua
No México, nas maiores eleições de sua história, em 6 de junho, o presidente Andrés Manuel Lopez Obrador e seu esquerdista Movimento de Regeneração Nacional (Morena) conquistaram novos governos, mas perderam força legislativa. A maioria depende dos aliados e não é suficiente para aprovar reformas constitucionais.
O que aponta para um equilíbrio democrático, mas a eleição para 21.383 cargos, entre os quais 15 governadores e 500 deputados nacionais, expôs a tragédia do México: a campanha, até o dia das eleições, registrara 91 dirigentes políticos assassinados, 36 deles candidatos.
A violência também acomete os protestos políticos que persistem na Colômbia desde o final de abril, com mais de 70 mortos. O detonador foi um projeto de reforma tributária, reflexo de um drama comum, a desigualdade, agravada por políticas econômicas que concentram a renda.
Na Nicarágua é a repressão política que golpeia o país. Neste mês já foram presos pelo menos 13 opositores, entre eles quatro pré-candidatos à presidência. Também dezenas de jornalistas críticos do governo de Daniel Ortega sofrem detenções, ameaças e processos, em uma operação que inclui dirigentes históricos do sandinismo, a força que sustenta o governante.
“É um terror brutal”, definiu para IPS uma ativista social por telefone, de Manágua.
“Tenho 73 anos. Nunca pensei que nesta etapa de minha vida estaria lutando, de forma cívica e pacífica, contra uma nova ditadura”, disse o general da reserva Hugo Torres Jiménez, em uma mensagem que gravou antes de ser preso pela polícia no domingo 13 de junho, em Manágua.
Torres é um herói da guerrilha sandinista que derrubou o ditador Anastasio Somoza em 1979 e levou Ortega à presidência nos anos 1980 e depois, desde 2007. Igual sorte teve outra figura histórica, Dora María Téllez, a “Comandante 2” do assalto ao Palácio Nacional em 1978, decisivo para a vitória do sandinismo.
Em El Salvador, o presidente Nayib Bukele aponta para outro autoritarismo populista. Sua ampla maioria legislativa recém conquistada foi estreada com a destituição de todos os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, cinco titulares e quatro suplentes, em 3 de maio, formalmente por discrepâncias na gestão da pandemia.
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