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Chile: Hoje podemos fazer da Constituição um recurso para dizer nunca mais aos golpes de Estado, diz Gutiérrez, recém-eleito

O líder do Partido Comunista afirmou em entrevista que "hoje, há a possibilidade de dizermos um nunca mais à violação aos direitos humanos"
Leonardo Wexell Severo
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Eleito nos dias 15 e 16 de maio para ser um dos 155 redatores da nova Constituição chilena – a primeira depois da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) -, o advogado e liderança do Partido Comunista, Hugo Gutiérrez, afirma que “a prioridade da Assembleia Constituinte é a recuperação do Estado”. “Isso significa recuperar nossos recursos naturais que ficaram nas mãos dos privados, riquezas como a água, o cobre, o lítio, o ouro, todos os minerais que estão nas mãos das empresas transnacionais mineiras; implica recuperar estatais estratégicas vendidas a preço vil”, sublinhou o defensor do patrimônio público nacional. 

Referência na luta pelos direitos humanos e contra os desmandos do presidente Sebastián Piñera, Gutiérrez destaca o fato de o governo não ter conseguido obter um terço dos votos necessários para obstaculizar as mudanças na Carta Magna e com isso “blindar a existência do modelo econômico neoliberal”. 

O líder sublinha que, uma vez conquistada a ampla maioria pelos progressistas, “a prioridade é que esta convenção tenha a característica de uma Assembleia Constituinte, como foi exigido nas ruas e agora temos ao alcance das mãos”.

A oposição venceu por ampla maioria o governo de Piñera, que não conseguiu obter um terço dos votos que pretendia para obstaculizar mudanças na Carta Magna deixada como herança maldita por Pinochet. Rompido o cadeado da “cláusula de bloqueio”, quais serão as medidas a serem adotadas para a construção do país pelo qual votaram os chilenos?

A mim, parece que o tema essencial que devemos abordar e enfrentar é como fazer desta convenção constitucional uma verdadeira Assembleia Constituinte. E isso é possível porque o número de componentes eleitos permite transformar o que antes, em princípio, era um órgão do Estado, que tinha como propósito fazer uma Constituição dentro de determinados limites, “na medida do possível”, em um instrumento efetivo da cidadania.

Hoje, devido à representação desta convenção, se abre uma perspectiva inteiramente diferente, que terá um conteúdo verdadeiro de Constituinte. Este será o primeiro e maior desafio: fazer com que toda a soberania recaia sobre este órgão constitucional, convencer os constituintes de que é sobre ele, que começa a funcionar nos primeiros dias de julho, que recai a soberania popular.

Sendo assim, consequentemente, todos os demais poderes do Estado deverão subordinar-se a este único órgão, submetido à cidadania. Queriam mecanismos para blindar a existência do modelo econômico neoliberal e isso foi derrotado.

Este é o tema que precisa ser encarado de frente, e não se pode tergiversar, passar de lado, porque estamos em condições e necessitamos de uma verdadeira Assembleia Constituinte. Havendo esta determinação por parte dos convencionais, de romper com todas as restrições, enfrentaremos alguns órgãos do Estado que querem se imiscuir, como o Poder Judiciário. É dessa forma que teremos algo à altura do que o povo chileno exigiu e conquistou: uma Assembleia Constituinte soberana, originária, para construirmos um país mais justo.

O líder do Partido Comunista afirmou em entrevista que "hoje, há a possibilidade de dizermos um nunca mais à violação aos direitos humanos"

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O advogado e liderança do Partido Comunista, Hugo Gutiérrez, foi eleito para ser um dos 155 redatores da nova Constituição chilena.

Dentro deste quadro de renovação, qual é a prioridade?

Continuo com a primeira resposta: se reivindicamos o desafio de verdadeiro papel Constituinte, originário, a prioridade é sem dúvida a recuperação do Estado do Chile. E recuperar o Estado significa recuperar os nossos recursos naturais que ficaram nas mãos de grupos privados. Entre estas riquezas estão a água, o cobre, o lítio, o ouro, todos os minerais que estão em mãos das empresas transnacionais mineiras. Implica recuperar as estatais estratégicas que foram entregues, como as de energia, portuária, elétrica e sanitária, vendidas por um preço vil a meia dúzia de grupos privados que enriquecem.

Deve ser montada uma verdadeira estrutura tributária que imponha uma taxação sobre as grandes fortunas e que o Estado deixe de sobreviver às custas do arrocho de pobres e trabalhadores, a quem deve servir.

Estou afirmando que hoje há a possibilidade de fazermos da Constituição um instrumento para a recuperação do Estado do Chile, de dizermos um nunca mais à violação aos direitos humanos, um nunca mais aos golpes de Estado. Porque de uma vez por todas temos que estabelecer que nenhuma norma jurídica nascida de um governo golpista pode se manter vigente quando a democracia seja recuperada, que tudo que nasça de um regime desses é nulo. Creio que dessa forma poderiam cair todas as leis que permitiram o enriquecimento desmedido do capital privado que hoje está desfrutando do que é de todos os chilenos e chilenas. Isso acompanhado de uma reestruturação das Forças Armadas e da estrutura econômica e política vigente neste país, para recuperarmos nossa soberania.

Precisamos satisfazer o direito à moradia, à saúde, à educação, ao trabalho digno e decente e isso é impossível com um Estado precário. O Estado neoliberal é militarmente potente para reprimir e economicamente precário para satisfazer às necessidades do povo.

E a questão da defesa da empresa nacional e da geração de empregos?

Defendo que toda nossa estrutura econômica deverá ser novamente redesenhada, pois hoje está amarrada, reduzida a uma lógica neoliberal que impede o pleno desenvolvimento das pequenas e médias empresas. Desta forma, elas seguem sendo utilizadas para dotar o país de mão de obra barata e isso precisa acabar. Elas precisam ser estimuladas a garantir trabalho de boa qualidade e vida decente, sem que lhes permita a superexploração dos recursos naturais, nem da mão de obra, nem dos direitos dos cidadãos.

E em relação aos aposentados e pensionistas e todo o problema das Administradoras dos Fundos de Pensão (AFPs), concentrados fundamentalmente com cartéis privados transnacionais?

Este é um grande desafio que terá o Estado chileno, assim que o recuperemos. Defendemos que aqui todos tenham o direito humano a uma aposentadoria digna. E para que tenham este direito assegurado, é preciso que não tenhamos mais um Estado neoliberal, mas um Estado sustentável, um Estado com recursos econômicos, um Estado que garanta direitos. E, neste sentido, é preciso pôr fim às AFPs e criar o direito a uma aposentadoria universal para todos e todas em nosso país.

Após a votação dos dias 15 e 16 de maio devemos colocar como prioridade que esta convenção constitucional tenha a característica de uma Assembleia Constituinte, que era o que o povo chileno exigiu nas ruas e agora temos ao alcance das mãos.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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