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ToggleCom três meses de atraso, na Câmara Federal foi aprovada a Lei do Orçamento da União (LOU), na quinta-feira 25, por 346 votos a 110; e no Senado por 60 a 12. Esse é o tamanho do rolo compressor contra os interesses do povo. Muita discussão vazia, de gente incompetente, buscando unicamente satisfazer interesse pessoal. Pensamento estratégico com vistas ao desenvolvimento não existe. Tampouco sensibilidade diante de mais de quatro mil mortes por dia consequência da incúria e incompetência no enfrentamento à pandemia da Covid-19.
O Orçamento parece uma peça de ficção.
Já era um absurdo a proposta enviada pelo Executivo. No Legislativo, decidiram fazer lambança, ou seja, fazer com que o orçamento que deveria ser da União seja destinado para favorecer as forças armadas e o Centrão (com maiúscula, pois é sujeito vivo e ativo), em detrimento dos setores sociais.
Privatizações
Enquanto todos os setores da Administração Pública estão arrochados, com salários e jornadas de trabalho reduzidas, os militares foram os únicos reajustados para cima. Seguramente o Executivo terá de fazer com que o Congresso aprove um projeto de lei de crédito adicional para não colapsar a administração pública.
Sem imaginação, atados às cartilhas do neoliberalismo radical, estilo da ditadura de Pinochet, no Chile, para conseguir dinheiro para pagar as contas vendem o que não lhes pertence. Vendem patrimônio nacional que custou muitas décadas de pesquisa e empenho da população.
Agora mesmo estão anunciando a venda de 22 aeroportos por R$ 6 bilhões, 537 quilômetros de ferrovia na Bahia por R$ 3,3 bilhões e R$ 1,6 bilhão para os terminais portuários de minério e soja, de Itaquí, no Maranhão, e Pelotas, no Rio Grande do Sul. Faço esse parêntesis para deixar claro que esse dinheiro não resolve. É irrisório diante das necessidades do país. Parcelado, não entra de uma vez e é em parte financiado por banco público.
Pelo que se pode ver, parece que está armado um conflito entre os três poderes por causa da LOU. O Legislativo quer gastar, o Executivo quer arrochar; plasmado de ilegalidades e irrealidades, forçará a judicialização, começando pelo Tribunal de Contas e indo fatalmente para o STF.
Vamos tentar ver o orçamento no contexto das contas do país, que é o que vale, e onde fica claro que com esse modelo de gestão fiscalista, obsessão pelo equilíbrio fiscal, como se isso fosse uma simples conta aritmética, não há saída.
Teto de gastos: uma excrecência brasileira
A Lei Orçamentária prevê um PIB 7.81 tri, previsão de aumento de 3,2%. Prevê também: |
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Receita | 4,324 trilhões |
Despesa | 2,576 trilhões |
Dívida pública | 1,603 trilhão |
Investimento | 144 bilhões |
Déficit previsto | 251 bilhões (3,21% do PIB) |
É irreal a projeção da inflação de 2% quando a taxa foi de 5,26%; assim como é errado o valor do salário-mínimo usado nas projeções, como se fosse de R$ 1.060 quando o real é R$ 1.100. Irreal também considerar a cotação do dólar que de janeiro de 2020 a janeiro de 2021 desvalorizou 30%.
Uma excrescência que só existe no Brasil, aprovada no governo ilegítimo de Michel Temer, em dezembro de 2016 para durar 20 anos, ata os gastos públicos ao orçamento do ano anterior, sem nenhum critério, a um percentual igual ao da inflação. Como no ano passado o governo gastou R$ 1,455 trilhão, este ano só pode gastar até 2,13% a mais, que foi a variação da inflação. Com isso o limite do teto de gastos para 2021 é de R$ 1,486 trilhão.
Referente às Despesas, o custo da dívida R$ 1,6 trilhão leva quase 50%, e a dívida que está em quase 90% do PIB, vai passar dos 100% já no próximo ano. A LOA prevê R$ 1,171 trilhão para Seguridade social e R$ 1,405 trilhão para custeio, ou seja, o funcionamento da máquina pública, sobrando R$ 144,4 bilhões para investimentos.
Defesa e Desenvolvimento Regional levam um quinto do total para os militares, com R$ 8,3 bilhões. Sobra dinheiro para submarino e aviões, falta dinheiro para compra de equipamento hospitalar necessário para atender o crescente número de enfermos atacados pela pandemia da Covid.
Quem são nossos inimigos?
Os parlamentares chegaram a criticar os R$ 7 bilhões de reajuste para o setor militar, mas mantiveram.
Saúde — em 2020, gastou-se R$ 160 bilhões e, para este ano — o mais crítico da crise sanitária — destinaram só R$ 125 bilhões. Reservaram R$ 20 bi para comprar vacinas a mais e R$ 200 milhões para desenvolvimento da vacina brasileira.
Poder Legislativo e Tribunal de Contas levam R$ 13,51 bilhões.
Poder Judiciário R$ 50,52 bi mais 8,22 bilhões do Ministério Público e Defensoria Pública.
Serão R$ 1 bilhão a menos para o Meio Ambiente.
A Educação recebeu um corte de 27%, ficando com R$ 74,56 bilhões.
Em compensação o Ministério da Defesa recebeu R$ 8,32 bilhões, além dos R$ 7,1 bilhões destinados a custear o aumento de vencimento dos militares.
Em resumo, o governo propôs R$ 92 bilhões para custeio e investimento da máquina.
O aprovado exigirá um contingenciamento de R$ 36,6 bilhões, sobrando apenas R$ 55,4 bilhões o que, segundo especialistas do Instituto Fiscal Independente (IFI), vinculado ao Senado, paralisaria a máquina.
Sobre a proposta original houve um remanejamento de R$ 26,5 bilhões para favorecer o Desenvolvimento Regional e a Saúde, além das emendas parlamentares. Esse remanejamento, para os técnicos do governo, segundo o jornal Valor Econômico, poderá levar à paralisação da máquina pública, pois reduz pela metade a verba de custeio.
Para especialistas do IFI, o Orçamento está estourado em R$ 31,9 bilhões, ou seja, tem que ter corte desse tamanho para não romper com a norma do teto.
Apagão orçamentário
O Congresso Nacional (Câmara e Senado), ao aprovar a LO, conseguiram bater um recorde no que tange verbas para as emendas parlamentares: R$ 26,5 bilhões. De onde saem os recursos para as emendas? Claro que dos itens obrigatórios. De onde tiraram R$ 13,5 bilhões de benefícios previdenciários, R$ 2,6 bilhões do seguro-desemprego e R$ 2,5 bilhões nas operações de crédito agropecuário e investimento rural?
Diante a gritaria geral, o senador Marcio Bittar, MDB do Acre, relator do projeto da LOA, enviou carta ao Executivo se comprometendo a reduzir em R$ 10 bilhões a dotação para emendas
O IBGE ficou sem dinheiro e sem direção, posto que a diretora Suzana Cordeiro Guerra pediu demissão. Não é para menos: precisa de R$ 2 bilhões, teve o orçamento reduzido para R$ 71 milhões, inviabilizando a realização do Censo 2021. O Censo é importante para orientar as políticas e os gastos públicos. Ele é bem complexo, não é simplesmente demográfico, envolve 200 mil pesquisadores para visitar 71 milhões de domicílios.
Desindustrialização
Brasil está se tornando exportador de produtos primários, sem nenhum valor agregado, como ferro e outros minerais, petróleo bruto e produtos agropecuários, como soja e carne.
Exporta minério de ferro para China, por exemplo, e compra trilhos. As siderúrgicas que produziam trilhos no Brasil simplesmente fecharam, assim como a indústria de transporte ferroviário e marítimo.
Leonel Brizola dizia que um dos grandes entraves para o desenvolvimento são as perdas internacionais. Interessante, Getúlio e anos depois também João Goulart caíram após decretar regulamentação da remessa de lucro.
Veja também:
Vejamos, com alguns exemplos como funciona:
O Executivo se vangloria e a mídia faz eco de dois anos seguidos de grande superávit na Balança Comercial. Veremos em detalhe mais adiante a realmente louvável a performance do agronegócio. Mas a extrema burrice pretender que o país volte ao tempo de D. João VI, para ser unicamente exportador de produtos primários, sem nenhum valor agregado.
Em 2019, o superavit na Balança Comercial foi de US$ 46 bilhões e em 2020, um recorde de US$ 50 bilhões. Total, em dois anos US$ 96 bilhões.
Vejamos outros itens da Balança de Pagamentos como, por exemplo, o que se gasta com:
Remessas de lucros e dividendos: em 2019 foram US$ 31.919 bilhões e US$ 18 bilhões em 2020, perfazendo, nos dois anos, quase US$ 50 bilhões. Se somarmos os US$ 25.548 e os US$ 21.118 pagos de juros externos, respectivamente em 2019 e 2020, temos outros US$ 40 bilhões que, somados aos US$ 50 do item anterior, chega quase aos US$ 90 bilhões de dois anos de saldo positivo da balança comercial. Considerando o dólar a R$ 5, temos R$ 450 bilhões de perdas internacionais.
Ou seja, tudo o que foi produzido pelo agronegócio de exportação e tudo que se saqueou de minérios para exportar a gente manda para o exterior para remunerar as transnacionais e os bancos.
Milena Sobrinho
Ato em São Paulo, realizado em novembro de 2020 reivindica mais verbas para as periferias
A Balança Comercial é superavitária, mas a Balança de Pagamentos, que é a soma de tudo o que se exporta e importa, inclusive capital, serviço, transporte, turismo, dois anos seguidas deficitário: US$ 51 bilhões em 2019 e US$ 12 bilhões em 2020.
Para 2021 esperam um superavit de US$ 2 bilhões. O que são US$ 2 bilhões diante do déficit acumulado de US$ 63 bilhões nos dois últimos anos? Ademais, este é um ano atípico, em que se reduziram as importações de bens manufaturados e aumentaram a exportação de produtos primários, impulsionado pela China.
Quem é que paga esse prejuízo?
O dinheiro sai das reservas internacionais que, ao término do governo do PT, eram US$ 380 e sem dívida externa e fecharam 2020 em US$ 356,1, o que já não é significativo considerando que a dívida externa estava, em julho de 2020 em US$ 324 bilhões.
Bolsonaro Guedes, em março de 2020, já tinha torrado US$ 42 bilhões das reservas em tentativas de segurar a valorização do dólar e para cobrir o crescente déficit nas contas externas.
Desindustrialização e desemprego estrutural
Na Balança Comercial, o peso dos produtos manufaturados era de 63,3% em 2010 e caiu para 55,1% em 2020.
A indústria de transformação e as obras de infraestrutura é que constituem a locomotiva do desenvolvimento, em qualquer país do mundo e em qualquer época desde a Revolução Industrial do século 18. O Brasil teve crescimento vigoroso do PIB em taxa média de 4,5% ao ano de 1950 até 1980, ano do Consenso de Washington, início da imposição do pensamento único que nos levou à ditadura do capital financeiro.
Começou com Fernando Henrique Cardoso processo de desindustrialização, desnacionalização e venda dos ativos da União. De lá para cá só se acelerou levando o país a suportar quatro décadas de recessão e desemprego, com taxa média de crescimento em torno de 1%.
A participação da indústria no PIB teve seu pico de 21,8% em 1985, queda vertiginosa para 16,9% em 2003, continuou caindo nos governos Lula e Dilma para chegar a 11,7% em 2016. Em 2015, havia ainda 384.700 indústrias no país, caiu para 348.100, ou seja, em seis anos fecharam 36.600 estabelecimentos industriais, uma média de 17 indústrias fechadas por dia. Só em 2020, cinco mil fecharam as portas. Os dados são da Confederação Nacional do Comércio.
Há que constatar que Lula tentou reverter esse ciclo ao colocar a Petrobras como indutora do desenvolvimento nacional estimulando a industrialização com obrigação de comprar localmente, ou seja, da indústria nacional. Estava dando certo, navios, sondas, plataformas, terminais modais, indústria petroquímica estavam dando uma nova face ao modelo vigente com amplas possibilidades de desenvolvimento.
Após golpe de Estado de 2016, com o governo Temer, começa a desmontagem da Petrobras como empresa de ciclo integral. Aceleram a venda de ativos e desnacionalização. A Operação Lava Jato em conluio com Estados Unidos faz o resto. Hoje, a Petrobras se aproxima a ser unicamente extrativista de petróleo, sem refinarias e sem postos de gasolina, as plataformas são construídas em Cingapura e os barcos são alugados.
Desemprego estrutural
Efeito colateral, atraso tecnológico. Ficamos na rabeira na pesquisa e nos transformamos em exportadores de inteligência. É isso. Com a apropriação das indústrias de alta tecnologia pelos estrangeiros, eles levam consigo a tecnologia. Levamos anos para formar um engenheiro e ele vai embora porque aqui não há mais lugar para ele. Pela primeira vez na história temos 2,5 milhões de brasileiros vivendo no exterior.
Esses 2,5 milhões não aparecem nas estatísticas do desemprego que bateu todos os recordes este ano com 14% da PEA. Não se pode pôr a culpa na Pandemia. O governo tem obrigação, como estão fazendo na Europa e nos Estados Unidos: garantir o emprego.
O desemprego é estrutural, consequência de quatro decênios de recessão. Fechou 11,9% em 2018, 11,8% em 2019, chegou, segundo o IBGE, no 4º trimestre de 2020 a 13,9% o que significa 13,9 milhões de pessoas, 6 milhões de desalentados com uma taxa de subutilização de 28,7%.
Em janeiro de 2021 estava em 14,2%, um acréscimo 2,4 milhões de pessoas em relação ao ano anterior, passando de 11,9 milhões para 14,3 milhões de desempregados. Segundo especialistas do banco Santander a taxa de desemprego poderá chegar a 17% no primeiro semestre deste ano.
Para uma população de 220 milhões, das pessoas em idade de trabalhar só 48,7% estavam ocupadas, ou seja, só 86 milhões de pessoas estão ocupadas. Assustador para uma PEA (população economicamente ativa) que já foi de 106 milhões em 2012, caiu para 88 milhões em 2020; e, uma população em idade ativa (Pia), apta para entrar no mercado de trabalho, de cerca de 180 milhões de indivíduos.
A taxa de informalidade subiu para 39,7% o que significa que faltam empregos para 32,4 milhões de trabalhadores, sendo que 5,9 milhões desistiram de procurar emprego.
O que fazer?
Em março de 2020, o Banco Central liberou R$ 1,2 trilhão para os bancos a título de garantir liquidez na crise que se agravava com a Covid. Pois bem, ninguém viu esse dinheiro. Além disso, reduziu o compulsório exigido aos bancos de 25% para 17%, adicionando mais R$ 68 bilhões que deveriam ser utilizados para estimular a economia. Cadê esse dinheiro? Evaporou. O BC pode pedir esse dinheiro de volta e colocar para movimentar a economia.
A elite empresarial poderia ter se beneficiado desse dinheiro, mas parece que perderam o senso de responsabilidade. Grande parte preferiu seguir o exemplo do dono da Havan, bloquear estradas, fazer carreatas, exigir o fim da quarentena, expondo seus trabalhadores e a população à contaminação. Essa mesma elite empresarial que estimulou o golpe de 2016 contra Dilma e a farsa eleitoral de 2018.
Por exemplo, estão registrados no país 3,7 milhões de pequenas e micros empresas e microempreendedores individuais. R$ 50 mil para cada PME e R$ 20 mil para os MEI, perfazem R$ 390.800 bilhões, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida.
Com R$ 35 bilhões daria para dobrar o valor do Bolsa Família
Este ano, com a economia em pior situação, a Câmara Federal aprovou R$ 44 bilhões para um auxílio emergencial reduzido de R$ 150, R$ 250 e R$ 375 para 45,6 milhões de pessoas, 22,6 milhões menos que no ano passado, pouco impacto terá. E mais, estamos no quarto mês e ninguém recebeu um só centavo desse auxílio prometido.
No ano passado, o Auxílio Emergencial de no mínimo R$ 600, chegando a três vezes mais para alguns, distribuídos para 65 milhões de famílias, impediu que a economia paralisasse, de abril a julho, estendido depois, a um custo de R$ 321,8 bilhões. Considerando que uma Cesta Básica custa, em média R$ 900, nenhum auxílio deveria ser menor que isso.
O ideal seria uma renda mínima de um salário-mínimo. Um salário-mínimo de R$ 1.100 distribuído a 100 milhões de pessoas durante dez meses, custaria R$ 1,6 trilhão, que poderia ser coberto com pedir um acordo com os bancos e ficar um ano sem pagar juros e parte da dívida.
O Estado como indutor do desenvolvimento
O que se depreende do exposto é que a insistência com esse modelo fiscalista não representa solução para a crise. Não há como o país arrecadar o suficiente para manter a máquina da administração pública. Estamos em um círculo vicioso que favorece apenas o capital financeiro, descapitaliza o Estado, desnacionaliza a produção, fazendo a população refém da dívida e dos bancos e agentes financeiros.
É preciso criar um círculo virtuoso em que o Estado atue como indutor do desenvolvimento.
Reverter as riquezas do pré-sal para a nação, retomar a Petrobras como empresa de ciclo integral, da extração aos postos de distribuição, passando pela petroquímica, dutos, e navegação. Os recursos da Petrobras são tão grandes que ultrapassam a capacidade de investimento do próprio Estado. Por isso ela tem que ser uma empresa mista controlada pelo Estado e favorecer a indústria de transformação local, única forma de gerar emprego. É assim na Europa.
Temos as maiores reservas minerais do mundo, ferro principalmente, e minerais nobres, que estão servindo para desenvolver outros países. Igualmente a Vale do Rio Doce, a maior mineradora do mundo, tem que voltar a ser controlada pelo Estado e funcionar como financiadora da indústria de transformação, agregando valor aos produtos de exportação.
*Jornalista, editor da revista virtual Diálogos do Sul
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