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“Gêmeas de Manaus” ganharam destaque, mas há mais pessoas furando fila; juíza faz apelo

O Ministério Público do Amazonas não aceitou a justificativa do prefeito e abriu investigação para apurar “desvio no grupo de prioridades na vacinação”
Leanderson Lima
Amazônia Real
Manaus

Tradução:

O prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), confirmou em nota enviada à Amazônia Real que, na terça-feira (19), autorizou a vacinação da CoronaVac para duas servidoras recém-nomeadas pela Secretaria Municipal de Saúde (Semsa) e que não estão na linha de frente do combate à Covid-19 e nem no grupo de prioridade da imunização. Trata-se das médicas recém-formadas, as irmãs gêmeas Gabrielle Kirk Maddy Lins e Isabelle Kirk Maddy Lins, de 24 anos.

Elas “atuam na linha de frente de combate ao Covid-19 desde o início de janeiro de 2021”, disse Almeida.

O Ministério Público do Estado do Amazonas (MPE) não aceitou a justificativa do prefeito e abriu investigação para apurar “desvio no grupo de prioridades na vacinação”. 

A vacinação das médicas causou revolta nas redes sociais por elas serem ricas e pelo fato de o prefeito não dar prioridade a profissionais de saúde que trabalham nos hospitais colapsados com a crise e registro de mortes de pacientes por falta de oxigênio, em Manaus

Gabrielle e Isabelle são filhas de Niltinho Lins Jr., herdeiro do hospital e da universidade Nilton Lins. A família da elite manauara mantém negócios com a prefeitura e o governo do Amazonas. Desde 15 de outubro de 2012, as gêmeas são sócias da empresa de laticínios Rancho Ing Ferradurinha Agro Industrial, que tem um capital de R$ 1 milhão de reais. Na criação da empresa, elas tinham 16 anos.

A agência Amazônia Real tentou localizar as médicas, mas não conseguiu contato até o fechamento desta reportagem.

De acordo com a Prefeitura de Manaus, Gabrielle Lins foi nomeada em 18 de janeiro e Isabelle, no dia 19, com um DAS-4 – que tem salário de aproximadamente R$ 8.000,00. Ambas estão lotadas na Unidade Básica de Saúde (UBS) Nilton Lins, que foi aberta este mês no campus universitário da família delas. A UBS recebeu a visita do ministro da Saúde, general Eduardo Pazzuello, que exigiu o “tratamento precoce” em Manaus, medicação sem eficácia doada pelo prefeito David Almeida.

Visita do Ministro da Saúde, general Pazuello à UBS Nilton Lins, em Manaus
(Fotos Dhyeizo Lemos/Semcom)
Como foram nomeadas entre um dia (18 de janeiro) e algumas horas antes do início da imunização – no dia 19 -, não houve tempo hábil para Gabrielle e Isabelle Lins trabalharem durante a pandemia, que foi iniciada na capital amazonense em 13 de março de 2020. Elas se formaram em maio e dezembro do ano passado, respectivamente.  

A imunização de Gabrielle e Isabelle Lins veio à tona quando elas postaram em suas redes sociais fotografias do momento em que foram vacinadas dentro da Unidade Básica de Saúde (USB). Gabrielle Lins em sua conta do Instagram disse: “Nunca tomei uma vacina tão feliz!!”. Na mesma rede, Isabelle comemorou: “Vacinada Sim!”.

Os grupos prioritários para receber a vacinação são idosos que vivem em asilos, indígenas e profissionais de saúde da linha de frente do combate à Covid-19, segundo o Ministério da Saúde. Gabrielle e Isabelle Lins não pertencem a nenhuma das prioridades. Elas terão ainda que receber a segunda dose da imunização. 

A procuradora de Justiça Silvana Nobre Cabral, coordenadora do Grupo de Covid-19 do Ministério Público Estadual do Amazonas, disse que foi aberta uma investigação para verificar a alteração do grupo de prioridade para a vacinação das médicas recém-formadas como “desvio do foco da vacinação”. “Os trabalhadores que devem ser vacinados são os do  grupo de maior vulnerabilidade e têm comorbidade. E isso não estava sendo observado pela Semsa, que estava vacinando independente desse risco que o trabalhador tem com pacientes de Covid-19, uma doença de alta contaminação”, afirmou a procuradora.

Até juíza se revoltou nas redes 

Isabelle Lins (Foto Reprodução Instagram)

Nas redes sociais, a juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe, da 1ª Vara Federal Cível do Amazonas, sem citar os nomes das herdeiras Lins, foi a primeira a protestar com indignação. “Faço um apelo: não furem a fila da vacina. Não deixem ninguém furar”, escreveu em sua conta no Twitter. “Denunciem às autoridades federais competentes para as providências cabíveis. O povo do Amazonas não merece isso. Estamos lutando pelo direito constitucional à vida digna. Não sabotemos uns aos outros.” A magistrada foi a responsável pela liminar que obrigou o governo do Amazonas a resolver a falta de oxigênio nos hospitais de Manaus.

Várias internautas pediram explicações ao prefeito David Almeida: “Quem ela é na lista de prioridades da vacinação?”; “Quem permitiu isso?”; “O grupo de risco deveria ser vacinado antes que essas ricas!!!”; e “Me explica isso David Almeida?”.  

Amigos das duas médicas, também em postagens com fotos de Gabrielle e Isabelle, rebateram os revoltados e defenderam as irmãs Lins: “Que Deus proteja os anjos da linha de frente do Covid! Além do caos, temos que enfrentar a inveja e ódio do ser humano!”, disse Janaína Chagas.

O Ministério Público do Amazonas não aceitou a justificativa do prefeito e abriu investigação para apurar “desvio no grupo de prioridades na vacinação”

Reprodução
Nas redes sociais, a juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe fez um apelo: "não furem a fila da vacina. Não deixem ninguém furar. Não sabotemos uns ao

“Estão traumatizadas”, afirma prefeito

Em pronunciamento por meio de uma live em sua conta na rede social Facebook, o prefeito David Almeida justificou a contratação das médicas Gabrielle e Isabelle Lins. Ele disse que elas foram nomeadas, sem concurso, para trabalhar na UBS Nilton Lins, unidade de referência da Covid-19. “Nós estamos com aproximadamente 122 médicos afastados, você não tem ideia da dificuldade de conseguir médicos. Nós conseguimos 10 médicos e, pela primeira vez, foram nomeados no gabinete, não dava tempo de fazer contrato”, alegou. 

Sobre a reação nas redes sociais contra a vacinação das médicas, Almeida afirmou: “as médicas estão traumatizadas, são meninas novas”.

Almeida também confirmou que, além das irmãs Lins, foi vacinado o jovem médico David Dallas, filho do ex-deputado estadual e empresário Wanderley Dallas (SD). No total, foram 671 profissionais imunizados. O médico Dallas também postou uma foto da vacinação nas redes, o que também está gerando revolta nas redes sociais.

David Dallas (Foto de Reprodução)
“Eles atuam na linha de frente de combate ao Covid-19 desde o início de janeiro de 2021”, justificou o prefeito David Almeida. Para não correr mais riscos de exposição de casos semelhantes de favorecimento, o político afirma que a Semsa baixou uma portaria proibindo que os servidores municipais postem fotos da vacinação em suas redes sociais. 

O governo de São Paulo enviou 50 mil doses da Coronavac para o Amazonas, que recebeu, ainda, 262 mil doses do Ministério da Saúde. No pronunciamento, o prefeito David Almeida disse que recebeu 40.072 doses, o que é insuficiente para os 35 mil profissionais da saúde do município. 

Em nota enviada à reportagem nesta quarta-feira (20), o prefeito David Almeida disse que as médicos Gabrielle e Isabelle Lins, além de David Dallas, “estão lotadas como gerente de projetos, um DAS-4, no gabinete do prefeito. Esta foi a forma mais ágil para colocá-los imediatamente no atendimento de pacientes em Manaus. Outro processo de contratação levaria de 30 a 60 dias”.

Almeida afirma que não houve irregularidades nas contratações sem concurso público. “Suas nomeações foram publicadas em Diário Oficial posteriormente, expediente normal em começo de novas gestões, devido ao alto volume de atos. A pandemia da Covid-19 ainda está em níveis alarmantes em Manaus. Quanto mais rápidos formos em nossas ações, mais vidas serão salvas”, disse o prefeito de Manaus.

Das duas irmãs, Isabelle Lins se defendeu em sua conta pessoal no Instagram. “Eu não posso responder pela ordem que foi dada às vacinas (eu sou profissional da saúde e tive meu direito). Agora, a ordem que foi dada entre os profissionais: EU NÃO POSSO RESPONDER POR ISSO! (sic) Então, falem qualquer coisa, menos que eu furei a fila por ser “herdeira” e não tirem o meu mérito”.

Negócios da família Lins

Hospitais estão lotados com pacientes de Covid-19 (Foto: Simeam)
As médicas Gabrielle e Isabelle Lins são proprietárias da empresa de laticínios a Rancho Ing Ferradurinha Agro Industrial Ltda, que tem um capital de R$ 1 milhão de reais, sendo duas cotas de R$ 500 mil para cada uma. A indústria foi aberta em 2009, mas as médicas se tornaram sócias em 15 de outubro de 2012.

Em 2017, a empresa das médicas recebeu incentivos fiscais do governo do Estado do Amazonas, relativos ao Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), quando David Almeida foi governador interino do Amazonas após a cassação de José Melo de Oliveira e seu vice pelo Tribunal Superior Eleitoral.

A empresa  Rancho Ing Ferradurinha Agro Industrial Ltda foi fundada em 2009. A reportagem da Amazônia Real não localizou o primeiro fundador da indústria, já que elas não tinham idade para assumir um negócio milionário.

No ápice da pandemia da Covid-19, em abril do ano passado, a família Lins foi o centro de uma outra polêmica para a locação do Hospital Universitário da Nilton Lins como unidade de retaguarda para casos do novo Coronavírus (Covid-19) sob um contrato de R$ 2,6 milhões por mês. O governador Wilson Lima (PSC) desmentiu o valor mensal.

“Isso é mentira”, disse ele, afirmando que pagaria pelo aluguel R$ 866 mil por mês. “O que perfaz um total de R$ 2,6 milhões no prazo de três meses, que é o período do contrato que ainda será assinado com a instituição”, disse Lima, que manteve o hospital de campanha ativo até 6 de julho. O governador fechou a unidade sem ouvir os especialistas, que já alertavam que Manaus enfrentaria a segunda onda da pandemia.

Repercussão do fura fila

O presidente do Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM), conselheiro Mario de Mello, publicou nota à imprensa na qual determina que a Prefeitura de Manaus se abstenha proibir que profissionais de saúde façam e divulguem imagens da vacinação contra a Covid-19 nas redes sociais. “É [a proibição do prefeito] um ato que fere os direitos coletivos e a liberdade de manifestação, resguardados pela Constituição Federal. O Tribunal de Contas, como órgão fiscalizador, não permitirá que os direitos da população sejam maculados”, disse.

Mario de Mello também solicitou ao Governo do Estado e a Prefeitura de Manaus que encaminhem, no prazo de até 24 horas, à Corte de Contas a lista nominal das pessoas já imunizadas contra a Covid-19 e os critérios utilizados para vacinação, sob pena de multa em caso de desobediência. O pedido “é uma resposta as denúncias de que pessoas que não estão no grupo prioritário para vacinação, nesta primeira fase, teriam sido imunizadas em Manaus, antes dos profissionais de saúde, por exemplo, que atuam contra a Covid há dez meses”, diz outra nota do TCE

(Colaborou Iris Brasil e Maria Cecília Costa) 


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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