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Golpistas entraram para destruir tudo que Evo construiu na Bolívia, diz líder guarani

Em entrevista exclusiva, Faustino Flores afirmou que, "o Movimento Ao Socialismo (MAS) trabalha para retomar e aprofundar o processo de mudanças”
Leonardo Severo
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

“Com Jeanine Ánez, os golpistas – com o apoio do imperialismo – entraram para roubar, destruir e saquear tudo o que foi construído em nosso país ao longo dos 13 anos de governo do presidente Evo Morales”, denunciou o presidente da Assembleia do Povo Guarani (APG), Faustino Flores, conclamando as 36 nações indígenas da Bolívia a reforçarem sua unidade e mobilização para as eleições do próximo dia 18 de outubro. 

Em entrevista exclusiva, Faustino Flores afirmou que, “agora, com Luis Arce e David Choquehuanca, o Movimento Ao Socialismo (MAS) trabalha para retomar e aprofundar o processo de mudanças”. 

“Eles são a garantia para os povos indígenas da implementação da nova Constituição Política do Estado e do Viver Bem”, sublinhou.

Em entrevista exclusiva, Faustino Flores afirmou que, "o Movimento Ao Socialismo (MAS) trabalha para retomar e aprofundar o processo de mudanças”

Faustino Flores, presidente da Assembleia do Povo Guarani (APG) da Bolívia: “com apoio do imperialismo, golpistas entraram para roubar, destruir e saquear”
Reprodução: Leonardo Severo

Leonardo severo – Na Bolívia, o movimento indígena sempre teve um protagonismo no processo de transformações e, mais do que nunca, ocupa um papel chave na luta contra a herança neocolonial. O que é a Assembleia do Povo Guarani?

Faustino Flores – A Assembleia do Povo Guarani está em todo Chaco boliviano, nos departamentos de Chuquisaca, Tarija e Santa Cruz. A nível nacional somos a terceira maior nação, atrás dos quéchuas e dos aimarás. A nível internacional estamos em quatro países: Bolívia, Paraguai, Argentina e parte do Brasil. Chegamos a 12 milhões de pessoas que falam guarani.

Antes da colonização, antes dos republicanos, estávamos num só território, não tínhamos fronteira e havia livre trânsito. Nos dividiram em países para retirar nossos territórios, para tomar nossos recursos naturais, nossa Casa Grande, nossa Terra Sem Mal.

A nível nacional, os guaranis conseguiram resistir à colonização espanhola até a época republicana na última e histórica batalha de Kuruyuki, em janeiro de 1892, no massacre de mais de seis mil guerrilheiros, em que nossos avós derramaram seu sangue defendendo nosso território, nossa Mãe Terra.

Em março de 1892 foi morto Apiaguaiki Tumpa, cujo nome significa  Deus homem, e nossa nação começou a ser despojada. Hoje temos a universidade guarani que leva o seu nome.

A partir daí se estabelecem os grandes latifúndios e os índios guaranis começam a ser peões nestas fazendas, trabalhando em condição de escravidão, subjugados por partidos com fortes vínculos com governos ditatoriais.

E como se dá a construção das organizações indígenas?

Depois de cem anos de silêncio do povo guarani, em 1987, nasce a Assembleia do Povo Guarani (APG) e, em 1992, nos unimos outra vez em comemoração ao centenário da histórica batalha de Kuruyuki. Então, unidos denunciamos o governo boliviano e exigimos a devolução dos nossos territórios ancestrais e a educação intercultural bilingue. Com marchas, gritamos a uma só voz para que fossem criadas as comunidades, as capitanias. Pensamos na tomada de poder, em como participar e decidir por nós mesmos.

Se pensou em criar então um instrumento político para a libertação do povo guarani. Neste tempo (1992) se chamava ARA, que quer dizer céu, a luz do dia, o amanhecer. Não havia ainda o debate sobre a unidade do Movimento Ao Socialismo (MAS) e não conseguimos consolidá-lo.

Posteriormente, em 2002, fizemos contato com os irmãos quéchuas e aimarás, e marchamos pela reforma da Constituição Política do Estado, porque até então as nações indígenas não tinham direito nenhum assegurado. A partir desta mobilização surgiu o Movimento Ao Socialismo – Instrumento Político pela Soberania dos Povos (MAS-IPSP). Nós, indígenas, nos unimos para tomar o poder. E levamos o irmão Evo à frente, de candidato. Quase ganhamos do gringo, o Goni (Gonzalo Sánchez de Lozada), que era meio boliviano e meio estadunidense. Deixamos escapar e fomos governados por estrangeiros.

Nas eleições seguintes o MAS saiu-se vitorioso…

Em 2006 nós, indígenas originários e camponeses, ganhamos. Houve uma eleição com um índio à cabeça e ganhamos unidos. Desde então os guaranis chegaram ao poder, como nunca havia ocorrido antes, só nos nossos sonhos.

Tivemos nosso instrumento político para ser vereadores e prefeitos a nível municipal, deputados e governadores a nível de departamento [estado], e o nosso instrumento também nos permitiu ter assentos especiais para os nossos representantes indígenas na Assembleia Plurinacional, em vice-ministérios e em alguns ministérios. Foi uma luta que permitiu que os indígenas ocupassem diferentes espaços de poder.

Mais de 85% da população boliviana é indígena, somos 36 nações.  Fizemos uma Assembleia Nacional Constituinte e, graças ao processo de mudanças, nasceu uma nova Constituição Política do Estado, inclusiva, não excludente como havia sido no período da República.

“O MAS fez com que a Bolívia, um gigante adormecido, despertasse”

Por meio do MAS-IPSP fizemos com que o gigante adormecido fosse despertado. Com a tomada do poder os guaranis têm consolidado 16 territórios nos três departamentos do Chaco boliviano. Em 13 anos de governo, o maior resultado é uma nova Constituição em que está refletida a necessidade sentida pelos povos indígenas.

Houve a transformação de República em Estado Plurinacional, que é uma grande conquista do nosso processo de mudanças dirigido pelo nosso irmão presidente Evo Morales. Também foram fundadas as três Universidades Indígenas – a primeira está em território dos nossos irmãos aimarás, a Tupac Katari, no departamento de La Paz (Agronomia do Altiplano, Indústria de Alimentos e Têxteis, Veterinária e Zootecnia); a dos quéchuas, a Casimiro Huanca, em Cochabamba (Indústria de Alimentos, Arborização e Piscicultura); e a dos guaranis, a Apiaguaiki Tumpa, onde houve o massacre dos guerrilheiros, em Chuquisaca (Hidrocarbonetos, Arborização, Piscicultura, Veterinária e Zootecnia). São três grandes universidades que serviram para que os indígenas se descolonizassem. Foi criado o Instituto de Língua e Cultura dos Povos Indígenas.Guaranis se mobilizam com o Movimento Ao Socialismo (MAS) e conclamam as 36 nações indígenas da Bolívia a “retomar e aprofundar o processo de mudanças”  

No Chaco boliviano é preciso falar o idioma guarani para poder trabalhar no serviço público. Criamos a autonomia indígena territorial, temos municípios indígenas, o que representa um grande avanço em termos de autonomia. Potencializamos a educação intercultural bilingue neste processo de mudanças, se reconhece nosso direito na Constituição, nossa Justiça indígena, nossa medicina tradicional, se penaliza o racismo.

Os brasileiros devem saber que foram nacionalizados todos os recursos estratégicos que estavam em mãos das transnacionais: a Entel (Empresa Nacional de Telecomunicações), a YPFB (Yacimientos Petroliferos Fiscales de Bolivia), empresas grandes, que geram lucros para o conjunto da população. É isto que dói aos imperialistas.

Temos uma nova Constituição. Desde 2009 temos uma nova Constituição. Até 2020 são 11 anos, ela é muito jovem e falta fazermos decretos, seus procedimentos, suas leis complementares para atualizá-la e implementá-la.

Em comparação aos espaços de diálogo que os povos indígenas tinham anteriormente, qual é a avaliação que fazes do atual governo?

Os povos indígenas estão sem governo na Bolívia. Como presidente do povo guarani, como voz do povo guarani, não me reuni com esta golpista. Como podemos nos reunir com quem nos chama de estúpidos, que nos chama de bestas humanas? Com quem está cheio de ódio e racismo? Como vamos nos reunir com quem diz que tem asco de nós?

Como se reunir com quem, com o apoio de Almagro e da Organização dos Estados Americanos (OEA), deu um golpe de Estado com calúnias e mentiras, fazendo com que nós indígenas ficássemos sem governo na Bolívia? Nossos irmãos indígenas, nossos irmãos camponeses morreram em Sacaba e Senkata, nos dias 15 e 19 de novembro de 2019, em defesa de um governo legítimo e da nossa Constituição. [A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) classificou o assassinato de 36 civis por forças policiais e militares como “massacres”. Em reunião com vítimas e familiares, registrei centenas de feridos, 80% à bala].

Eram muitas obras que estavam sendo executadas ou a caminho: escolas e hospitais, estradas, túneis, projetos de moradias e de água potável em mais de 350 municípios, muitos projetos produtivos. Tudo ficou paralisado, e com recursos! Já estava aprovado o orçamento para que fossem construídos centros culturais, sedes para as capitanias dos povos guarani, para fazer hospitais, colégios…

Desde que chegou Jeanine Áñez o único que ela fez foi nos atacar com ódio e racismo. Ataca nossos remédios tradicionais, nos chama de estúpidos e de selvagens. Não reconhecemos este governo e estamos órfãos, sem governo, por isso vamos às urnas lutar para recuperar a democracia.

O fato é que com Ánez, os golpistas – com o apoio do imperialismo – entraram para roubar, destruir e saquear tudo o que foi construído em nosso país ao longo de 13 anos. O presidente Evo Morales entrava para trabalhar às cinco da manhã e ia até às dez da noite. Agora praticam uma tremenda corrupção em plena pandemia do coronavírus, com preços supervalorizados de medicamentos a respiradores. Máscaras que custavam cinco pesos chegavam a comprar por 80 pesos, um escândalo. Denunciamos a nível nacional e internacional.

Também meteram a mão na BOA (Boliviana de Aviação), empresa estratégica nacionalizada pelo nosso governo de Evo Morales. O presidente de YPFB, nomeado por Áñez, está fugido e não sabemos onde se encontra. Na área da saúde, um ministro chegou a ser preso por pressão popular, para logo acabar sendo solto. Na Bolívia os corruptos não estão apenas livres, andando nas ruas, mas estão no governo, manipulando a Justiça e a polícia. Quem dirige o Estado não são as lideranças eleitas pela população, mas os golpistas. Por isso os indígenas temos dito que nestes meses de governo os golpistas vieram para destruir, vieram para roubar, para pegar dinheiro do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, porque sabem que vamos recuperar a democracia no dia 18 de outubro e que terão de ir embora.

Apesar de defenderem os inúmeros avanços do governo Evo, os indígenas guaranis fazem algumas críticas a comportamentos adotados no último período. Como é isso?

Durante vários anos o irmão Evo esteve bastante bem, mas é preciso dizer que no último período se equivocou ao convidar alguns empresários de “cuello branco” (colarinho branco) para serem ministros. Gente sem identidade com o processo de transformações, que não compartilhava conosco, que foi chamada porque não fomos escutados. Foram essas pessoas que tombaram Evo, almofadinhas que usavam o presidente como escudo, que mentiam para ele e armavam conflitos, reduzindo sua base de apoio, o que fez com que os indígenas não se mobilizassem no momento em que foi tão necessário. Acredito que este tipo de erros não serão mais cometidos e vão ser superados, que não haverá mais gente que caia de paraquedas.

Qual a sua avaliação de Arce e Choquehuanca?

O irmão Lucho Arce é um excelente profissional, que sempre esteve junto com o nosso movimento, é filho de indígenas originários camponeses. Lucho tem sido um cérebro para que o governo seguisse avançando durante todo o período, sendo chave para a reativação da economia, para o fortalecimento da produção, dos investimentos na área social, garantindo que tudo funcione. Já o irmão David Choquehuanca é um aimará que une as 36 nações indígenas que, junto com Arce, aglutina a classe operária, a classe média, os profissionais, e atrai até mesmo setores do alto empresariado.

Com Arce e Choquehuanca trabalhamos para retomar o processo de mudanças, eles são a garantia para os povos indígenas da implementação da Constituição e do Viver Bem.

Estamos seguros de que vamos recuperar a democracia porque estamos unidos, porque temos candidatos indígenas, eleitos desde a base, como a irmã guarani Elsa Sanchez Romero, uma mulher líder, jovem, revolucionária e eleita pelos cinco povos do Departamento de Santa Cruz (guaranis, chiquitanos, guaraios, ayoreos e yucare).

O futuro dos nossos filhos está na continuação e no aprofundamento do processo de transformação. Até mesmo a última pesquisa realizada por eles reconhece que o MAS-IPSP é o preferido do povo boliviano. Nós estamos mobilizados para assegurar a recuperação do poder, a vitória. Não permitiremos que haja fraude.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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