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É falso que Bolsonaro não governa; diariamente são retirados direitos dos trabalhadores

Com o Estado reduzido, o déficit fiscal fechou o primeiro semestre em R$ 417 bilhões, com a economia em depressão chegará entre 800 e 900 bilhões ou mais
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Os neoliberais, com Maurício Macri no governo, conseguiram quebrar a Argentina. Diante desse fracasso, os nossos neoliberais, capitaneados pelo superministro Paulo Guedes, alegam que Macri não teve tempo de colher os lucros de sua prática política por ter perdido a reeleição. Ou seja, não foram suficientes os anos que passou no governo, precisaria outros mandatos. Quantos mais?

Esse pensamento está nos ocupantes do Planalto desde o planejamento da campanha. Diziam claramente que seriam necessários 40 anos para endireitar o país.


Diante disso, os que estão pensando em eleições para substituir o governo em 2022, têm que considerar que não se trata de uma disputa eleitoral qualquer.

Assim como a captura do poder em 2018 se deu através de uma operação de inteligência das Forças Armadas, envolvendo a direita cabocla, grandes empresários e o Estado estadunidense, com variações cromáticas, o cenário de 2018 será restabelecido para o próximo pleito.

Aliás, a campanha não foi desmontada, se tornou permanente.

Vale tudo. Percebam que até a renda mínima entrou na pauta dos neoliberais.

Com o Estado reduzido, o déficit fiscal fechou o primeiro semestre em R$ 417 bilhões, com a economia em depressão chegará entre 800 e 900 bilhões ou mais

Reprodução: WinkieMedia
De maio a julho, foram fechadas mais de 2,8 milhões de vagas, elevando para 40,5 milhões o contingente de desempregados

Duas reformas fundamentais

Há duas reformas importantes que nenhum dos governos ditos de esquerda ou democrático se atreveu a fazer: a administrativa e a fiscal. 

A administrativa envolve cargos, salários e comissionados. A cada troca de governo são trocados milhares de comissionados, emperrando a máquina, claro, porque leva tempo para os novos ocupantes dos cargos saberem operar.

A segunda é a reforma fiscal ou tributária.

Há 18 meses, a reforma tributária se arrasta pelos escalões do executivo e do legislativo. O que se informa através das fontes oficiais só aumenta a confusão e a instabilidade. Afinal, o que vai ser? CPMF? Imposto único? PIS Cofins unificado? 

A arrecadação não paga as contas da administração. Como não têm imaginação, impõem ao Estado o teto de gastos, ao povo o arrocho e o custo da dívida que só cresce.

Tem que pagar as contas sem arrochar o povo. E as contas só crescem, por conta do corporativismo, do poderoso lobby dos funcionários públicos.

Segundo o Banco Mundial, de 2003 a 2010, a folha de pagamento dos servidores federais registrou um crescimento de 7% ao ano, bem acima da inflação, do crescimento do PIB e são em torno de 70% maiores do que os salários dos demais trabalhadores do setor privado.

Reforma administrativa

Um economista de bom senso diria que uma reforma administrativa deve ter em vista dar mais eficiência à máquina, torná-la mais eficaz. Isso requer formação e treinamento de quadros e planejamento estratégico.

Os néscios que tomaram o poder em 2018 o fizeram com a promessa de reduzir o número de ministérios e o fizeram. Temos menos ministérios, mas o mesmo número de funcionários públicos.

Na nova desordem administrativa, agravada pela profusão de incompetentes em cargos que exigem especialização, o resultado está aí: nada funciona.

Todo mundo quer ser funcionário público por ser privilegiado em relação aos demais. Hoje temos o absurdo de 6800 militares nas mais altas hierarquias da administração federal, ganhando mais que o dobro, pois recebem salário integral de uma patente acima da qual passou para a reserva e, o salário mais as mordomias oferecidas aos custos de primeiro e segundo escalão.

Evasão, subsídios, isenções tributárias e o tal “Estado Mínimo”

Muito dinheiro se deixa de recolher pela evasão fiscal (um problema de polícia) e, principalmente, pelos subsídios e isenções (um problema político-fiscal).

É preciso, taxar quem tem mais, isentar quem tem menos ou nada têm; taxar produtos de luxo, isentar os produtos da cesta básica e utensílios domésticos essenciais.

Mas não se pode dizer que o governo não governa. Basta ler diariamente o Diário Oficial para se dar conta de que sim, governa, mas não administra.

Governa com atos que contribuem ou para enganar o público ou para tirar direitos dos trabalhadores, destruir a economia e alienar as riquezas naturais do país.

Reduzir o Estado, para essa súcia de neoliberais, é desfazer-se do patrimônio público como se propriedade deles fosse. Para eles reduzir o Estado se faz com privatização. Eles dizem aberta e claramente, há que privatizar tudo….

Estado Mínimo, para que as grandes corporações realizem o saqueio das nossas riquezas, protegidas pelo próprio Estado.

Como sair da crise fiscal sem produção? 

Recordes: Déficit fiscal, dívida pública, quebradeira….

Com o Estado reduzido, o déficit fiscal fechou o primeiro semestre em R$ 417 bilhões, com a economia em depressão chegará entre 800 e 900 bilhões ou mais. E a dívida pública está em 98% do PIB. O que eles propõem?

Os gestores da economia já admitem uma queda de 5% do PIB este ano. Essa estimativa é otimista e feita pra enganar. Na sexta-feira, a XP — uma das maiores gestoras de fundos — e os bancos, numa visão mais realista previam uma queda de 8,5%.

Recorde dos recordes. Não há na história um país que tenha passado quatro décadas de pibinho abaixo do crescimento demográfico e por anos seguidos com PIB negativo. Cada 1% do PIB a menos são milhões de pessoas atiradas à miséria.

Veja, qualquer coisa que eles façam está fadada ao fracasso, a piorar a já tão grave situação. E os partidos políticos pensando em eleição em 2022… 

Segundo o IBGE, 53% das empresas não estão conseguindo honrar com seus compromissos, seja no pagamento de salários ou de fornecedores.

Privatizações e trilhões em isenções

Quando assumiram o governo, anunciaram que pretendiam arrecadar R$ 1 trilhão com privatizações. E em 2019 não conseguiram arrecadar nem R$ 100 bilhões.

Para este ano anunciaram que querem arrecadar mais R$ 1,5 bilhões com a venda de ativos. Como não está fácil coloca-se tudo à venda, até parques que são verdadeiros santuários nacionais.

Se eles continuarem no governo e ainda com chance de reeleição, cumprirão a promessa de acabar com Petrobras, Banco do Brasil, BNDES, Caixa e outras tantas empresas públicas que são estratégicas. 

Em compensação, com as isenções concedidas às petroleiras que estão no pré-sal deixou-se de arrecadar exatamente R$ 1 trilhão.

Em 2017, com isenções de impostos o Brasil deixou de arrecadar R$ 354 bilhões, outros 300 em 2018, o mesmo em 2019, ou seja, em três anos mais de um trilhão. 1,2 trilhão foi liberado para os bancos e ninguém mais viu.

Desemprego galopante

De maio a julho, foram fechadas mais de 2,8 milhões de vagas, elevando para 40,5 milhões o contingente de desempregados.

Estamos falando de emprego formal. Entre os empregados, em torno de 16 milhões estão em situação de precariedade, com horário e salário reduzidos, com gente até trabalhando de graça para manter o emprego.

A economia afunda.

Agronegócio e mineração primária

A única sustentação é o agronegócio fundado nos monocultivos extensivos e exploração de minérios, ambos para exportação, com pouco ou quase nada de produto agregado.

O que resta?

O resto funciona à margem do Estado: 

— as poucas indústrias que restam são transnacionais, pagam royalties e mandam lucro e dividendos pra fora;

— as pessoas se viram, se juntam e vão tocando o barco como numa economia paralela, em que o comércio é dos ambulantes, o serviço é prestado por fazedores de bico. A informalidade impera sob todos os pontos de vista;

— o descaminho é o principal fornecedor desse comércio informal, de rua e dos camelódromos. Ao lado, o tráfico de armas e de drogas, principalmente de drogas, floresce, uma poderosa economia marginal a competir com a economia formal.

Renda mínima e o projeto continuísta da junta militar

Um total de 13,9 milhões de brasileiros com renda entre R$ 90 e R$ 170 por pessoa são beneficiadas pelo Bolsa Família.

O valor médio está em torno de R$ 189 e é muito importante para aliviar a fome das pessoas, mas não as íntegra ao sistema. Apesar de ter tido — e continuar tendo — um papel muito importante. 

A atual ajuda emergencial concedida pelo governo é bem mais significativa: R$ 600, R$ 1200 e até R$ 2800. É muito dinheiro e faz diferença.

As pessoas podem comprar um fogão, um eletrodoméstico, pagar dívidas passadas, visitar um familiar distante. Mas também não é estruturante e acaba em setembro. Se prorrogada, não passará de dezembro.

Um cenário altamente favorável ao projeto continuísta da junta militar que pretende conquistar o maior número de prefeituras nas eleições municipais que de outubro foram prorrogadas para dezembro deste ano.

Os eleitores vão tomar cloroquina e votar em quem o “mito criado” mandar.

Impeachment?

Há no Congresso Nacional vários pedidos de impeachment. O que se percebe é que ninguém quer o impeachment.

A imagem que eles transmitem é de que há um enorme pacto para a preservação da institucionalidade. Ninguém quer, na realidade, romper com a institucionalidade.

Como não há país nem povo que possa aguentar mais 40 anos de descalabro, só o povo organizado e nas ruas em torno de uma frente de salvação nacional pode mudar os rumos da economia.

O clima é de tempestade perfeita para anular as eleições. Mas sem que o povo exija, o Supremo, que até agora nada fez, ao contrário tem sido conivente, nada fará.

Paulo Cannabrava Filho, jornalista e editor da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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