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ToggleO secretário-executivo da Central Operária Boliviana (COB), Juan Carlos Huarachi, foi um dos processados nesta quarta-feira pelo governo da autoproclamada Jeanine Áñez por ter se somado à marcha “Pela democracia”, convocada pelo Pacto de Unidade. A manifestação teve por objetivo garantir as eleições e deter a onda de prisões, perseguições e mortes que varre o país andino desde que a oligarquia, com o apoio dos EUA, tomou o poder de assalto em novembro do ano passado, afastando o presidente Evo Morales.
“Se é um delito defender a saúde e a vida, tentarão nos perseguir, tentarão nos processar judicialmente, mas não vamos nos render”, destacou Huarachi, sublinhando que os trabalhadores estão mobilizados “em defesa de todos os direitos do povo boliviano”.
Na terça-feira, a imensa concentração realizada em El Alto pelo Pacto de Unidade – integrado pela Confederação de Camponeses, Confederação de Mulheres Bartolina Sisa, Confederação Sindicalista de Comunidades Interculturais e Confederação de Povos Indígenas -, foi demais para Áñez, que vê sua candidatura naufragar.
Foi o momento de colocar em cena o ministro da Presidência, Yerko Núñez, que entrou com um processo criminal contra Huarachi, a deputada Betty Yañiquez, líder da bancada parlamentar do Movimento Ao Socialismo (MAS) e Evo Morales pela suposta prática de “crimes de ataque à saúde pública, instigação para cometer um crime, associação criminosa e outros delitos”.
Foto: Leonardo Severo
Juan Carlos Huarachi, líder da Central Operária Boliviana (COB), um dos criminalizados pelo governo de Jeanine Áñez
Greve geral
A armação foi uma tentativa de resposta – desesperada, evidentemente – a declarações como a do líder da COB de que a “greve geral por tempo indeterminado que se iniciava ganharia os nove departamentos (estados) do país contra o novo adiamento das eleições gerais”. Antes marcado para o dia 3 de maio, o pleito foi remarcado pelo Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) – indicado pela própria Áñez – para 6 de setembro e agora, uma vez mais, para 18 de outubro.
A nova alteração, denunciam as entidades populares, se deve ao fato de que o professor universitário e ex-ministro da Economia, Luis Arce, candidato do MAS, lidera com ampla folga todas as pesquisas de intenção de voto.
“Hoje, o povo auto-organizado se mobiliza pela vida, saúde, educação, trabalho e democracia. A mensagem para o governo interino é clara: basta de usar a pandemia para ficar no poder e pisotear os direitos do povo. #RecuperemosLaDemocracia”, publicou Arce no Facebook.
Exilado na Argentina, o ex-presidente Evo Morales reiterou que “o povo se mobilizou na Bolívia pela vida e pela democracia”. “Pela vida: contra três genocídios, massacre com armas, mortes por fome e por coronavírus. E pela democracia: exigindo eleições agora, contra a perseguição política e contra o estado de não-direito”, escreveu em suas redes sociais.
Ditadura
Segundo o dirigente da Federação de Trabalhadores Interculturais de Chimoré, Leonardo Loza, contra quem também foram anunciados processos, não há qualquer justificativa por parte do atual governo além de tentar perpetuar-se no poder. “Esta é a ditadura em sua máxima expressão. Eu também quero dizer que ninguém pode ser penalizado ou processado por reivindicar democracia e reivindicar saúde”, condenou.
Loza reiterou “em nenhum momento ter feito sedição nem terrorismo”. “Somente somos porta-vozes de nossos companheiros de base que, diariamente, por toda a parte, clamam por justiça, liberdade e democracia, que clamam por eleições”, sublinhou. Os dirigentes que se opõem aos desmandos do governo, alertou, vêm sendo vítimas de perseguição política, defendendo segurança e garantias a seus familiares, já que teme por mais represálias.
“Não podem nos vencer nas ruas, por isso tentam implantar processos para nos tapar a boca. Não somos terroristas nem narcotraficantes, não somos sediciosos, não fizemos nenhum levantamento armado. Ao contrário, buscamos liberdade, buscamos democracia, defendemos os humildes e estamos com os pobres. Se isso é delito, aqui estamos para que nos processem”, enfatizou Loza. O líder cocaleiro do trópico de Cochabamba defendeu “que o ministro da Defesa não seja covarde e diga quem são os dirigentes que incitam à mobilização, pois não se resolve o tema da saúde roubando, processando e perseguindo, mas tratando com muita vontade”. “Os que trataram da saúde pintando e mudando as cores dos hospitais [como fez o atual governo, atrasando meses a entrega das obras em meio à pandemia para mudar a imagem], estes são os que deveriam ser julgados”, protestou.
A secretária executiva da Confederação de Mulheres Bartolina Sisa, Segundina Flores, enfatizou que “este é um governo golpista, ditador, que nos humilha e ameaça e o povo não vai suportar”. “Temos que defender a democracia, a saúde e a educação, e claro, as eleições, que já foram postergadas três vezes. Por isso o povo está pedindo a gritos que a data do pleito seja respeitada”, frisou.
Estratégia midiática
De acordo com o pesquisador e cientista social Porfirio Cochi, “há uma estratégia midiática do governo de culpar o MAS e Luis Arce como se atentassem contra a vida, introduzindo no imaginário coletivo antivalores como se fossem terroristas, também perseguindo e criminalizando dirigentes de protestos autônomos”. “Felizmente, há uma clara percepção de que a única saída política e técnica para a pandemia, e para a grave crise da democracia, é a realização de eleições o mais rapidamente possível”, assinalou Porfirio.
Para a ativista Dolores Arce, ex-chefe das Rádios dos Povos Originários (RPOs), “o governo Áñez tem se utilizado de meios de comunicação censurados e manipulados para fazer uma suja campanha de desinformação, sempre a fim de satanizar as lideranças, já que querem as suas cabeças”. “Como Leonardo Loza alertou que o TSE deve ser responsabilizado pelo adiamento das eleições, uma vez que haverá enfrentamentos e correrá sangue, passaram a responsabilizá-lo criminalmente por ‘levantamento armado’. É o cúmulo da sem-vergonhice”, concluiu.
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