Como é difícil a certos homens heterossexuais sustentarem a própria heterossexualidade, não? Manter a masculinidade aparenta ser um verdadeiro sacrifício para o hetero, um abnegado que resiste bravamente à tentação de ser homo, a ponto de coisas prosaicas representarem uma ameaça: não pode ter peças cor-de-rosa no vestuário; não pode decorar a casa a não ser de um “jeito hetero”Wake Me Up Before You Go-Go, do Wham!. Vai que…
Uma característica do hetero frágil é que ele também costuma fazer exigências enormes às mulheres: precisam estar inteiramente depiladas ou eles não sentem tesão; estrias e celulite os fazem broxar; calcinha e sutiã descombinadas, então… É dura, amigos, a tarefa de manter-se hétero neste mundo. Ou flácida, depende do ponto de vista.
The New Yorker
Como não pensar que toda essa masculinidade é forçada, se fraqueja diante de uma máscara para proteger de uma doença contagiosa?
Tem homem que faz um esforço enorme pra gostar de mulher. pic.twitter.com/4Ij8evbqQd
— Quebrando o Tabu (@QuebrandoOTabu) July 20, 2019
Isso aqui não pode ser sério pic.twitter.com/KHXvz45mRI
— ?? Cid Cidoso (@naosalvo) April 10, 2019
A mais nova ameaça à masculinidade são as máscaras contra a Covid-19. Donald Trump se recusa a aparecer em público usando máscaras e retuitou uma postagem do comentarista reaça Brit Hume, da Fox News, tirando sarro do rival do presidente, Joe Biden, por comparecer a um evento de máscara –aliás, bastante estilosa.
This might help explain why Trump doesn’t like to wear a mask in public. Biden today. pic.twitter.com/9l1gw1ljBE
— Brit Hume (@brithume) May 25, 2020
Em resposta, Biden tocou no nervo: “Presidentes devem dar o exemplo e não se envolver em tolices e serem falsamente masculinos”.
Pois é, como não pensar que toda essa masculinidade é forçada, se fraqueja diante de uma máscara para proteger de uma doença contagiosa? “Máscara é coisa de viado”, como diz Jair Bolsonaro a funcionários diante de visitas, segundo revelou a jornalista Monica Bergamo na Folha de S.Paulo.
No twitter, a antropóloga Débora Diniz também foi no ponto. Bolsonaro, como Trump, não quer usar máscara porque isso “afeta” sua masculinidade, o fragiliza. “As tensões de Bolsonaro com a máscara são como o buraco da fechadura sobre a masculinidade tóxica”, escreveu.
A máscara afeta a masculinidade. É assumir em corpo frágil. É reconhecer-se vulnerável.
As tensões de Bolsonaro com a máscara são como o buraco da fechadura sobre a masculinidade tóxica.
— Debora Diniz (@Debora_D_Diniz) July 8, 2020
Mais que masculinidade tóxica, é uma masculinidade capenga: “homem que é homem não usa máscara”. E esse pensamento não é exclusivo de Bolsonaro e Trump. Um estudo que ouviu 2549 norte-americanos, divulgado em maio pela Middlesex University de Londres, apontou que os homens estão mais inclinados a não usar máscaras em público do que as mulheres porque acham “embaraçosas, sem charme e transmitem fraqueza”.
Esse tipo de afirmação soa ainda mais absurda quando as estatísticas mostram que os homens morrem mais pelo coronavírus do que as mulheres e quando novas pesquisas científicas defendem que o uso de máscaras é o meio mais eficaz (e ainda por cima barato) de prevenir o contágio aéreo. Um estudo recente da Universidade de San Diego sustenta que usar ou não usar máscara não é a questão, e sim a resposta.
“Apenas a iniciativa de cobrir o rosto para bloquear a atomização e a inalação de aerossóis portadores de vírus é responsável por reduzir infecções significativamente na China, Itália e Nova York, indicando que a transmissão aérea do Covid-19 representa a principal rota para a infecção”, disse o professor Mario Molina, Nobel de Química em 1995, um dos responsáveis pelo estudo. Em linguagem simples: como o principal meio de transmissão é aéreo e por gotículas, as máscaras impedem que seus perdigotos atinjam outra pessoa e vice-versa.
Ou seja, não é só falta de cuidado consigo mesmo e com o próximo, é burrice. Pobre do homem cuja masculinidade depende de usar ou não um trapo no meio da cara. Homens públicos como Bolsonaro e Trump prestam, além de tudo, um desserviço à sociedade ao sabotar o combate ao coronavírus pelo mau exemplo e pelas decisões que atingem a população como um todo, não só quem tem problemas com a própria heterossexualidade: o presidente brasileiro vetou a obrigatoriedade do uso de máscaras no comércio, nas escolas e nas igrejas.
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