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Como Edir Macedo se tornou um dos cavaleiros do apocalipse pandêmico brasileiro

Pastor respalda abertamente a presidência com um leque de abordagens cristãs de desprezo à ciência e de apoio à políticas eugenistas
Fábio Py
Revista IHU On-line
São Paulo (SP)

Tradução:

Edir Macedo, como cavaleiro do apocalipse pandêmico brasileiro, tanto se posiciona publicamente à favor de Bolsonaro, quando, principalmente, age institucionalmente pavimentando as vias da biopolítica de seu governo autoritário. Além de respaldar abertamente a presidência com um leque de abordagens cristãs de desprezo à ciência e de apoio à políticas eugenistas, entrega brasileiros milhões à morte”, escreve Fábio Py, doutor em teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RIO e professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF. 

Eis o artigo.

 Durante a pandemia de Covid-19, a atuação política do bispo Edir Macedo, figura central da articulação midiática-religiosa do bolsonarismo cristofascista, se mostrou ainda mais evidente no apoio ao governo ao utilizar o monstruoso maquinário religioso da Igreja Universal do Reino de Deus (a IURD), do sistema Record de TV e das suas empresas radiofônica para minimizar a pandemia, disseminar o discurso da supernotificação de casos e legitimar o descaso no Executivo na condução da crise sanitária. No momento apocalíptico em que vivemos, utilizando aqui a alegoria bíblica, Macedo pode ser descrito um dos cavaleiros “do fim do mundo”, promovido pelo governo cristofascista de Bolsonaro.

As primeiras posições de Macedo na pandemia

Quando começaram as primeiras notícias sobre a expansão da doença causada pelo coronavírus, a Covid-19 no Brasil, no dia 11 de março de 2020, Macedo gravou um vídeo chamado “Palavra amiga do Bispo Macedo”, no youtube. Na gravação, afirmou que o vírus era “uma tática de satanás” e, portanto, os cristãos não deveriam ser preocupar. O bispo como cavaleiro do apocalipse opera a transformação pandemia que é uma questão de saúde, em uma luta religiosa bem versus mal, com o termo: “tática de satanás”.

Pastor respalda abertamente a presidência com um leque de abordagens cristãs de desprezo à ciência e de apoio à políticas eugenistas

Reprodução: Facebook
O pastor e televangelista Edir Macedo durante cerimônia religiosa.

Na sequência tonifica seu desprezo pela doença e consequentemente pela ciência ao afirmar textualmente que “temor (ao vírus) não condiz com a realidade”. Amplifica o tom do maniqueísmo ao pregar que satanás se aproveitaria do medo das pessoas. Ao final do vídeo, o religioso chega a rir de uma hipotética situação, como se zombasse da gravidade de um vírus que se revela mortal: “asas pessoas vão para o hospital acabam contraindo uma enfermidade que não tinham”. O vídeo foi fortemente rechaçado nas mídias e jornais, contudo, coincidência ou não, a posição do bispo foi sua posteriormente assumida pelo presidente, no espantoso pronunciamento em que classificou a Covid-19 como uma “gripezinha”. 

Edir Macedo e Bolsonaro. (Foto: Igreja Universal/Divulgação) 

O vídeo de Macedo causou tanta indignação que o obrigou a se posicionar. Outros religiosos saíram em sua defesa. Um deles, o bispo Renato Cardoso, que, em nome da Universal, advoga em favor de Macedo também em vídeo publicado no Youtube”. No comunicado, o bispo Renato destacou o discurso que evoca a suposta perseguição da imprensa: “Foi o suficiente para que a Folha de São Paulo, o Uol (o site), a Globo e outro sites de notícia aflorassem seu preconceito com o Bispo Macedo e a Igreja Universal (…) o Bispo Macedo é quem foi o bode expiatório”.

Contudo, parece ainda que a gravação do dia 11 de março causou tantos problemas, que ao cavaleiro do apocalipse parou de falar tão diretamente com o público sobre a pandemia. Exemplo do tom mais discreto adotado pelo bispo foi o tom da convocatória do dia do Jejum, no qual diversos líderes de grandes corporações religiosas afirmaram abertamente o apoio ao presidente. No mesmo vídeo, Macedo, contudo, se preocupou mais com o tom religioso sem polemizar sobre os efeitos da pandemia.

Nos bastidores do apocalipse pandêmico

Com a repercussão negativa do vídeo de 11 de março, Macedo passou a atuar mais nos bastidores da questão da pandemia. Seguiu fazendo diários de leituras bíblicas e suas pregações, contudo, pouco tematizou sobre o Covid-19. Tanto é que não participou do evento da Páscoa, do dia 12 de abril, que reuniu as diferentes lideranças religiosas que apoiam Bolsonaro. Nos bastidores, porém, atuou antes do governo Bolsonaro fazer qualquer sinalização sobre os processos de prescrições médicas e antes do prefeito Crivella falar qualquer coisa sobre o inchaço das notificações pelo Covid-19. Por baixo dos panos sua opção foi de difundir o discurso da supernotificação da doença. Prova disso é que utilizou sua rede de televisão e as suas redes sociais para reproduzir em 26 de maio uma reportagem do programa da madrugada da Record, “Fala que te escuto”, com o título “Está havendo supernotificação de mortes pelo Covid-19?”.

Programa “Fala que eu te escuto”, da TV Record. (Imagem: Youtube/Reprodução) 

A reportagem do sistema de TV de Macedo forneceu combustível argumentativo ao governo e a seus apoiadores na difusão da ideia de que há uma inflação do número real de mortos por Covid- 19 no país, quando grande parte das mídias e a própria OMS afirmam que no Brasil ocorreria justamente o inverso.

A reportagem exibida no programa da Record conta com fontes como o colunista Rodrigo Constantino que afirmou: “pessoas próximas que morreram de causas muito distintas, acidentes, câncer, e oficialmente foram consideradas vítimas de Covid-19, eu não tenho o menor sombra de dúvidas, de que nós temos que investigar mais a fundo isso porque deve estar acontecendo uma supernotificação”.

Não satisfeito com a fala de Constantino, a reportagem reproduziu notícia de que do o senador Flávio Bolsonaro teria pedido ao MPF para investigar a supernotificação de mortes por Covid-19 em São Paulo. Portanto, antes do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella fala em supernotificação, a TV Record, já liberava materiais para fundamentar os atos de sua gestão. Assim, no dia 22 de maio o prefeito do Rio retirou do ar informações sobre óbitos do Covid-19 da prefeitura do Rio, alegando problemas técnicos nas medições. E, no dia 26, logo após se reunir com o presidente, Crivella permite a volta com o site indicando à mudança a metodologia, submetendo numa nova verificação, pois estariam “reestabelecendo critérios para verificar a causa de mortos, para que seja mais criteriosa”. Crivella toma o cuidado de não falar para as mídias o termo supernotificação, mas utiliza o que a reportagem do programa “Fala que te escuto” sinalizou.

Agora, mesmo em todo seu império midiático-religioso, Macedo não se mostrou imune ao vírus. No dia 12 de julho sua equipe de assessores comunicou que o cavaleiro do apocalipse esteve internado devida à Covid-19. Saiu do Hospital Moriah. Sobre a convalescência de seu líder, a Universal, lançou uma nota firmando que o bispo fez uso de cloroquina durante o tratamento e que estaria completamente recuperado da doença. O bispo assume assim diretamente uma das defesas mais ferrenhas da gestão Bolsonaro na luta contra o Covid-19, a utilização da cloroquina para o tratamento.

Macedo e sua personalidade politico religiosa

A atuação de Edir Macedo no apoio ao governo o coloca na posição de um intelectual orgânico do bolsonarismo. Age como peça chave na coesão e no respaldo consensual à s ações do governo entre 2019 e 2020.

É um apoio valiosíssimo. Para que se tenha noção da força de Macedo, só a IURD têm mais de dez mil templos, com 14 mil pastores espalhados no Brasil. Por outro lado lidera o Sistema Record, em 2013, chegando a ser apontado pela revista Forbes como pastor mais rico do Brasil, com dois bilhões de reais de patrimônio. Arrecada tanto dinheiro que se tornou- proprietário de um avião de 45 milhões de dólares, e comprou o Banco Renner, agora, em julho de 2020.

Macedo munido e seu império de conglomerados religiosos e midiáticos possibilitam sua incansável “guerra bíblica”, promovida por meio da teologia pentecostal das grandes corporações como a Igreja Universal. O apoio do bispo tece a os argumentos de Bolsonaro com símbolos evangélicos, em prol de sua política eugênica de “permissão das mortes” dos mais aptos, saudáveis. Nesse sentido, Macedo tanto desenvolve, quanto se aproxima das posições do presidente fazendo-se como peça importante do cristofascismo brasileiro junto a uma teologia-política de ódio.

Além de ser um grande magnata da comunicação do Brasil, seus tentáculos podem ser vistos na política direta. A IURD ajudou na construção do partido “Republicanos” (antigo PRB), que tem seu bispo, Marcos Pereira, como presidente. Também, pela via do partido estica mais uma linha de conexão com Bolsonaro, pois, dois dos seus filhos atuam no partido da Universal, Carlos e Flávio. Outro destaque da IURD no campo politico é seu sobrinho, o bispo “licenciado”, Marcelo Crivella, atual prefeito do Rio de Janeiro, que após um período de desavenças com Bolsonaro, voltou a se conectar ao presidente.

Macedo fez seu império desde a década de 1980, desenvolvendo uma estratégia de narrar sua vida a partir de eventos extraordinários, ações miraculosas, e, sobretudo, desenvolveu a arte de transformar suas desavenças em um tipo de evangelismo orientado midiaticamente. Sobre isso, afirma na biografia autorizada escrita Douglas Tavolaro, que a mídia, assim como satanás, o perseguem por se “incomodarem com a luz de Deus refletida” em si. Essa concepção de “ungido divino” O leva a habilitar sua vida como palco de uma guerra divina tragada pelos feitos e milagres, tal como ocorreram na época dos apóstolos.

Macedo desenvolve a linha de “eterno perseguido”, tal como faziam grandes evangelistas americanos. Essa obsessão numa suposta opressão por parte dos seus inimigos é um elo fulcral com o bolsonarismo. Ambos arrotam a perseguição imposta pelas mídias poderosas. Esse dado foi ressaltado pelo próprio Macedo na oração que fez pelo presidente no Tempo de Salomão, afirmando textualmente que Bolsonaro fora eleito por Deus “Vamos continuar orando por nosso presidente, a mídia toda é contra ele, eu sei o que é isso, porque nos vivenciamos o inferno da mídia, das pancadarias dela, porque é uma imprensa marrom. Mas eu estou aqui”. Em resposta, emocionada Bolsonaro agradeceu “isso é minha cruz, carrego em nome de Deus e pela pátria, pela nação”.

O milionário cavaleiro do apocalipse

Um detalhe que não pode ser desprezado no respaldo de Macedo à gestão Bolsonaro. Esse irrestrito rende milhões principalmente, em verbas, à TV Record. Segundo a Agência Pública, a emissora recebeu recentemente a injeção de 25 milhões em dinheiro vindo direto do Secom (Secretaria da Comunicação da Presidência).

Tal montante foi pago para financiar as campanhas publicitárias na Rádio e TV, com a injeção pode ter chego à aproximadamente R$ 28 milhões. Já, R$ 25,1 milhões foram destinados para os veículos dos anúncios publicitários. A Secom, que é um canal direto de Presidência da República, deslocou a verba para a Record para promover a reforma da previdência. Injetou dinheiro na Record para publicizar a prestação de contas federal sobre a segurança pública, o combate à violência contra a mulher. Para o “Dia da Amazônia” foram destinados cerca de R$ 510 mil para a campanha que foi ao ar em setembro de 2019, por conta das críticas as queimadas na floresta amazônica.

Trata-se, portanto, de um financiamento público que jorra milhões para a Record para ratificar uma imagem favorável do governo. No fim, Marx estava correto quando destacava a relação entre jornais e governos. Mesmo no período da pandemia, quando o mundo está preocupado com as compras de leitos, respiradores, contratação de médicos, e de investimentos em saúde pública, o governo faz opção seletiva de financiar propagandas e publicidades justamente pelo canal de Edir Macedo.

Bolsonaro, como cristofascista genocida, prefere pautar questões hoje não tão relevantes no contexto de pandemia, que funcionam como uma maquiagem de seu governo para disfarçar seu ímpeto eugênico. Uma ponta central para promoção de seu genocídio é a atividade de Macedo, que, como evangelista e gestor do poderio da IURD e da TV Record, promove e sustenta a elite bolsonarista. Macedo, como cavaleiro do apocalipse pandêmico brasileiro, tanto se posiciona publicamente à favor de Bolsonaro, quando, principalmente, age institucionalmente pavimentando as vias da biopolítica de seu governo autoritário. Além de respaldar abertamente a presidência com um leque de abordagens cristãs de desprezo à ciência e de apoio à políticas eugenistas, entrega brasileiros milhões à morte.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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