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Toggle“É imperativo que Joe Biden vença em novembro”, defende um anúncio do The Lincoln Project. A organização é um super Comitê de Ação Política (PAC) que tem feito campanha a favor do democrata e contra o presidente Donald Trump.
Até aí, nada de novo. Super PACs são organizações independentes que arrecadam dinheiro de pessoas físicas e jurídicas para fazer campanha política em nome de quem quiserem. Atualmente, existem 1851 comitês desse tipo para todas as linhas partidárias nos Estados Unidos. É por meio deles que os candidatos têm acesso às milionárias doações corporativas e sindicais.
A novidade no caso do The Lincoln Project é o comitê ser contra Trump e, ao mesmo tempo, de orientação republicana. Mais curioso é ter sido fundado por George Conway, um advogado que já foi aliado de Trump e hoje é chamado pelo presidente de “absoluto fracassado”. Para tornar o roteiro mais novelesco, George é casado com Kellyanne Conway, uma das principais conselheiras da Casa Branca. Sobre a opinião de sua mulher a respeito das críticas ao presidente, George tem uma resposta simples. “Julgo que ela não gosta. Mas eu disse a ela que não gosto do governo. Então, estamos quites”, disse o republicano.
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George Conway está decidido a derrubar Trump. Para conseguir isso, o super comitê pretende focar nos estados-pêndulo, que não são majoritariamente republicanos nem democratas. Uma pesquisa recente indica que Joe Biden tem dezoito pontos de vantagem junto a eleitores independentes.
A estratégia desse Super PAC é produzir material, especialmente anúncios de TV, mostrando Trump como um perigo para os Estados Unidos. Em um vídeo intitulado ‘Luto na América’ (Mourning in America), o grupo diz que Trump tornou os Estados Unidos mais fracos, doentes e pobres. O título faz uma analogia invertida com o vídeo ‘Manhã na América’ (Morning in America) da campanha de Ronald Reagan, em 1984. A referência é calculada para remeter os eleitores a um líder que, a despeito de erros e baixa popularidade enquanto presidente, tornou-se uma fixação moral dos republicanos.
O The Lincoln Project também lançou uma ofensiva no Twitter e ganhou adeptos de forma acelerada. Desde a sua criação, em dezembro, seu perfil obteve mais de um milhão de seguidores. O vídeo mais recente alcançou mais de dez milhões de visualizações. Ao mirar no presidente, o grupo ganha publicidade gratuita. Irritado, Trump tem dedicado parte de suas madrugadas a atacá-lo na rede social. Chama seus integrantes de RINO, acrônimo para a expressão em inglês ‘Republicanos Somente no Nome’. E quanto mais Trump escreve, mais conhecido se torna o Super PAC.
Youtube / Reprodução
A organização é um super Comitê de Ação Política (PAC) que tem feito campanha a favor do democrata e contra o presidente Donald Trump
Torcida contra
O comitê não está sozinho na luta para convencer outros republicanos de que Trump precisa ser derrotado em novembro. Trata-se de mais um grupo a se qualificar como parte do ‘Never Trumpers‘ (Nunca Trumpistas), movimento difuso da elite republicana e conservadora, que surgiu antes da eleição de 2016 e se dividiu logo depois. Em 2019, o movimento foi considerado encerrado após falhar em convencer outro candidato republicano a concorrer à presidência em 2020. Com Trump vivendo o momento mais crítico de seu mandato, os ‘Never Trumpers’ começam novamente a engrenar.
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Figuras públicas, como George W. Bush, Mitt Romney e Colin Powell, também podem ser considerados não trumpistas. Umas falam que não o apoiam, algumas dizem estar indecisas e outras declaram intenção de votar em Joe Biden. Powell e Romney têm sido especialmente vocais. Entre os militares, vozes contrárias também surgem. É o caso do ex-secretário de Defesa, Jim Mattis, que deixou o cargo por fortes divergências com Trump. Recentemente, o general veio a público dizer que o presidente tem a intenção de dividir o país.
Muitos desses republicanos tampouco apoiaram Trump em 2016, mas a rejeição a um presidente em exercício é bem mais simbólica do que a um candidato azarão. Significa reprovação da gestão e uma tentativa de moderar o partido, haja vista que Trump o empurrou para as franjas mais à direita.
Fissuras na base
Republicanos anônimos trabalham em conjunto para alertar outras pessoas sobre o risco de um segundo mandato. “Eu votaria em um sanduíche de atum antes de votar novamente em Donald Trump”, diz um republicano no site que reúne histórias de eleitores arrependidos.
O Partido Republicano costuma ter vantagem entre pessoas acima de 65 anos. Trump, por exemplo, venceu Hillary Clinton com margem de 7% nesse grupo. Entre os brancos seniores, sua pontuação foi três vezes superior à da democrata. De acordo com as pesquisas, agora Biden está capturando a preferência desse eleitorado e quase empatando com o presidente na parcela branca.
Na tentativa de sinalizar para o segmento, Trump acabou desgastando mais a própria imagem. Elogiou aposentados que participaram de um desfile de carrinhos de golfe pró-Trump, apesar de um deles ter gritado “poder branco” enquanto era filmado. O elogio foi apagado do Twitter posteriormente, mas já era tarde. O nome do presidente foi mais uma vez relacionado com supremacistas brancos.
É crescente o número de pessoas mais velhas que se dizem arrependidas, principalmente depois de o presidente mostrar pouco apreço por vidas perdidas na pandemia. Como é sabido, a COVID-19 é mais letal para idosos. Além disso, diferentemente das primeiras semanas da pandemia, 73% dos novos casos de contágio estão acontecendo nos estados onde Trump saiu vencedor em 2016.
Entre os brancos evangélicos, as perdas de Trump começam a ser contabilizadas. Apenas 59% dos evangélicos disseram que irão votar no presidente, uma queda de 10% em relação a pesquisas anteriores aos protestos antirracistas de junho.
A maré não está das melhores para a reeleição. Uma pesquisa do The New York Times/Siena College aponta que Joe Biden tem 50% das intenções de voto, enquanto Trump patina em 36%. O ex-vice-presidente tem margem de sobra entre negros, mulheres e jovens, um conjunto de eleitorado que normalmente prefere o Partido Democrata. Mas Biden também já desponta entre homens e pessoas acima de 65 anos, embora com diferença pequena. O republicano ainda mantém uma vantagem de 1% quando se trata de eleitores brancos e na faixa etária entre 50 e 64 anos. Os únicos nichos dominados com folga pelo presidente são a totalidade de republicanos e de eleitores muito conservadores.
Esticando a corda
As reações de Trump à crise sanitária e econômica gerada pelo coronavírus foram percebidas como erradas pela população. Outros fatores que o fizeram cair nas pesquisas foi a repressão aos manifestantes antirracistas na Praça Lafayette ‒ para que ele pudesse atravessá-la a pé ‒ e suas mensagens no Twitter ameaçando “atirar nos baderneiros”. Muitos políticos republicanos agora fazem o balanço entre apoiar o presidente e perder votos entre eleitores negros. Para o senador Ben Sasse, do estado de Nebraska, Trump cruzou um limite quando usou violência contra a multidão, simplesmente para andar até uma igreja que fora queimada na véspera e ter uma foto sua tirada no local. Essa mesma opinião é partilhada por Tim Scott, único senador negro do Partido Republicano.
O pessimismo quanto à reeleição já toma conta do próprio candidato republicano. Em entrevista para a Fox News, Trump disse que Joe Biden talvez seja eleito. “Algumas pessoas não me amam”, confessou. A Fox News é o principal canal de televisão do público mais conservador. Um de seus principais apresentadores, Tucker Carlson, afirmou recentemente que “o presidente Trump pode perder esta eleição”.
É difícil não vincular o desânimo perceptível com o fracasso do comício em Tulsa, no estado de Oklahoma. A multidão esperada por Trump e seus organizadores de campanha não apareceu. Em um estádio que tem capacidade para quase vinte mil lugares, o público foi de pouco mais de seis mil. Usuários da rede social TikTok e fãs da banda sul-coreana, K-Pop — a maioria adolescente — dizem ter boicotado o evento adquirindo ingressos e não comparecendo. Mas o entorno do estádio, para o qual não era necessária reserva, também estava vazio.
À medida que a derrota de Trump torna-se mais provável, um cenário improvável é levantado na forma de rumores. Fontes do Partido Republicano disseram a um jornalista da Fox News que o presidente considera a hipótese de não concorrer.
Devagar com o andor
Apesar da perda de apoio entre algumas pessoas influentes, Trump tem trunfos na manga. Redução de impostos já realizada, guerra contra imigração, nomeação de juízes conservadores e promessa de “lei e ordem” garantem muito suporte dos políticos eleitos no meio do mandato. Esses aliados atuais podem fazer diferença nos municípios.
Steve Bannon, a quem muitos atribuem a estratégia que salvou a campanha de Trump em 2016, está atuando para desviar o foco na direção da China. O plano do marqueteiro da extrema-direita é culpar Pequim pela crise sanitária e econômica, apelando novamente para o nacionalismo econômico e todo tipo de teoria conspiratória. Com as tensões militares aumentando entre as duas potências no Sudeste Asiático, não é difícil engatar um incidente externo que mobilize o sentimento nacionalista.
O próprio Partido Republicano não abandonou o presidente. Apesar dos incontáveis disparates cometidos pelo Executivo nos últimos quatro anos, o partido o apoiou incondicionalmente. Tanto do ponto de vista institucional quanto político, não faz sentido ensaiar uma rota independente agora. Para as lideranças partidárias, o santo sendo ou não de barro, é melhor ir devagar com o andor.
Solange Reis, Doutora em Ciência Política pela Unicamp, professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu)
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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