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País dos arlequins? Cenário peruano revela uma nação atravessada por calamidades

Pessoas para todos os gostos e todos os ofícios, camaleões astutos ou grosseiros, néscios ou cruéis, mas, em qualquer caso, expoentes de uma classe envilecida
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

O Arlequim – como se sabe – é o mais conhecido e popular personagem da Comédia da Arte. Fez-se popular, primeiro na França e depois na Itália, e simbolizou sempre uma etapa dura e difícil da vida mundial; a idade média. É uma caricatura, à qual se representa com uma soma de traços de personalidade multifacetada.

O Arlequim é um camaleão, ao qual se considera astuto e néscio; sensual e grosseiro; brutal e cruel; ingênuo e pobre; possuidor de uma série de traços que dificilmente podem encarnar-se em um pessoa só. 

Por isso é mais preciso – e talvez mais acertado – compatibilizá-los com um conjunto, um coletivo social, ou um mundo cidadão no qual coexistem — efetivamente – indivíduos que possuem, inclusive em demasia, tais sinais. 

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O que vem, então, essa reflexão? Aos mais recentes acontecimentos que assomaram no cenário peruano e que revelam o rosto de um país atravessado por grossas calamidades.

Pessoas para todos os gostos e todos os ofícios, camaleões astutos ou grosseiros, néscios ou cruéis, mas, em qualquer caso, expoentes de uma classe envilecida

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O Peru atual poderia parecer uma piada cruel; mas não é

As empresas obtiveram em seu benefício a “suspensão perfeita”, mas deviam sujeitar-se a um procedimento para aplicá-la – consultar os afetados -. Como não o fizeram, o governo resolveu não o exigir, mas “flexibilizar” a norma “para dar tranquilidade aos empresários”. À ministra do setor não lhe importou a intranquilidade dos despedidos. 

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Poderia parecer uma broma de mal gosto, ou talvez uma piada cruel; mas não. É uma realidade: aí está. Karina Beteta – a outrora intragável congressista fujimorista – acaba de ser contratada como “assessora” da Comissão de Inteligência do Congresso da República com um salário quinze vezes maior que o mínimo. 

O acontecimento só tem uma explicação: a contratante é Martha Chávez Cossío, Presidenta da “Comissão de Inteligência” do Poder Legislativo. Bem se pode dizer: nunca falta um roto para um rasgado. Tal para qual. 

Mas há mais; aqueles que se beneficiaram à sombra da corrupção, e receberam significativas somas para favorecer a Odebrecht, aparecem hoje na lista de beneficiados pelo “Reativa Peru”, posto em marcha para “socorrer” os danificados pela pandemia.

Trata-se do senhor Horacio Cánepa e sua sócia, a senhora Lourdes Flores Nano. Ambos aparecem na relação de “receptores” da ajuda do Estado, dada sua reconhecida precariedade econômica, depois da crise sanitária que ainda afeta os peruanos.

É tragicômico, então: não receberam “bônus” – nem sequer cesta básica – as mulheres com vários filhos que sobrevivem com fome e miséria na Terceira Zona de Collique, nos altos do Cerro San Pedro, nas ladeiras de Chillón, ou no Ticlio Chico; mas sim a afortunada candidata presidencial do PPC e sócia de Alan García para quase todos os efeitos. E, ademais, dona Mariana Ramírez del Villar, a ínclita produtora de “Isto é Guerra”. Ela recebeu três milhões de soles do “Reativa Peru”.

Roque Benavides — Vice-presidente da CONFIEP e homem da Yanacocha – está triste porque os ministros – diz – olham mal aos empresário. Para ele, só vale o titular de Economia – que tem o dinheiro – porque o resto são “populistas”, “socializantes”, ou “chavistas”. Sim, com esses termos os aludem as vestais do Marcado: Mávila Huerta, Milagros Leiva, Rosa María Palacios.

Elas se arrepiam quando escutam palavras demoníacas: “controle de preços”, “regulação do mercado”, “presença estatal na economia”. Elas têm uma referência precisa: Julio Velarde, o homem forte do BCR, aquele senhor que considerou “um excesso” doar mil soles dos 45 mil mensais que recebe, para um fundo estatal de ajuda às vítimas da pandemia.

Todos saíram — a uma só voz – para apoiar as Clínicas, justificando os exorbitantes preços cobrados de paciente da Covid-19 que, impossibilitados de ser atendidos pelo Estado, recorreram desesperados aos seus flamantes estabelecimentos de “Saúde”. Finalmente as Clínicas chegaram a um acordo com o governo quando se falou da remota possibilidade de “intervenção” se não dessem um tratamento humanitário aos paciente do coronavírus: cobrarão 55 mil soles por cada atendimento, seja qual seja a sua duração. 

Advertidos estamos, então: as Clínicas darão “alta” a qualquer infectado no fim de quatro dias para cobrar a soma; e receber novos pacientes, acossados como estão, pela demanda de serviços. Mas o problema não reside só nas Clínicas. Também nos laboratórios, nas cadeias de farmácias, nas seguradoras e até no oxigênio. Por sua falta, morrem todos os dias, em Tarapoto, Juanjui e outros lugares mais pessoas. Tudo um só rolo que assusta a qualquer um. 

Entretanto, o Poder Judicial – como quem “mata calando” – ordenou a liberdade de boa parte da Máfia: Keiko Fujimori, Jaime Yoshiyama, Ana Hertz, Pier Figari. Um pouco mais, e ressuscita Garcia, quem já teria estado fora das grades com só um pouquinho de paciência. 

Um país de arlequins, o nosso, sem dúvida. Pessoas para todos os gostos e todos os ofícios, camaleões astutos ou grosseiros, néscios ou cruéis; mas, em qualquer caso, expoentes claros de uma classe envilecida à qual haverá que vencer quando as coisas mudem.

Gustavo Espinoza M. colaborador da Diálogos do Sul desde Lima, Peru.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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