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Governo brasileiro aproveita pandemia para apoiar devastação e invasão de terras indígenas

A Amazônia brasileira pode estar às vésperas de uma catástrofe ambiental e do genocídio de comunidades indígenas através da infecção pelo coronavírus
Brian Garvey
Diálogos do Sul Global
Londres

Tradução:

Os incêndios na Amazônia em 2019 resultaram no registro da maior devastação de áreas do bioma amazônico em apenas um ano no período de uma década. Uma notícia que só não mais trágica diante do fato de que com a atenção global concentrada no enfrentamento da pandemia, durante os quatro primeiros meses de 2020 a devastação já supera a verificada no ano passado. Somente em abril de 2020, 529 quilômetros quadrados de floresta foram destruídos – um aumento de 171% aos números registrados em abril de 2019.

E pior pode estar a caminho. De modo a limpar à terra desmatada para a agricultura, as árvores derrubadas são queimadas. Segundo Ane Alencar, diretor do Departamento de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, “esse foi o principal ingrediente da temporada de incêndios de 2019, uma história que poderia ser repetida em 2020”.

A fumaça que tomou conta das cidades do Brasil durante os incêndios na Amazônia de 2019 causou problemas respiratórios generalizados. À medida que os casos de Covid-19 crescem a cada dia – mesmo em áreas remotas da Amazônia -, o Brasil corre o risco de exacerbar a crise da saúde pública e causar danos permanentes à floresta e às comunidades indígenas.

A Amazônia brasileira pode estar às vésperas de uma catástrofe ambiental e do genocídio de comunidades indígenas através da infecção pelo coronavírus

Foto: Fernando Bizerra
A madeira ilegal deixa Apui no sul do estado do Amazonas, atrás de um caminhão

Atividade ilegal encorajadora

Em 22 de maio, a Justiça Federal ordenou que o governo estabelecesse bases para inspetores ambientais em pontos críticos de derrubada e queima. São áreas da Amazônia onde ocorrem 60% de todo o desmatamento.

O objetivo era restringir o mercado criminoso que impulsiona a extração ilegal de madeira e a mineração, mas também ajudar a reduzir a propagação do vírus aos povos indígenas da região.

Mas o governo de Jair Bolsonaro parece contrário aos objetivos dos procuradores da República que moveram a ação judicial. Com atenção da mídia voltada para a crise da saúde, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, exonerou, em abril, Olivaldi Azevedo do cargo de diretor do Ibama, o órgão federal de fiscalização ambiental.

Em condições de anonimato, servidores do Ibama relataram que a demissão de Azevedo esteja ligada à sua ineficiência em evitar operação anti-mineração em terras indígenas no interior do Pará. A operação resultou na queima de equipamentos usados por mineradores ilegais, com imagens das prisões transmitidas no canal de notícias mais popular do Brasil.

Donos de garimpos ilegais formam uma base leal de apoio a Bolsonaro, daí a irritação do governo. Mas a transmissão pela televisão também apresentava pessoas que haviam ocupado terras indígenas para construir fazendas. Um dos entrevistados deixou claro que suas incursões foram incentivadas pelos discursos do presidente Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Salles.

É ilegal que pessoas não indígenas invadam as terras indígenas do Brasil. Mas as pessoas ansiosas por explorar as riquezas naturais desses territórios frequentemente reclamam apoio do presidente, que recentemente prometeu diminuir a quantidade de terra protegida. Na entrevista, o agricultor invasor disse que “as pessoas estão com essa esperança, essa expectativa de que um dia isso aconteça… Enquanto isso, estamos ocupando aqui”.

Uma oportunidade em meio à crise

Entrevistamos Ricardo Abad, do Instituto Socioambiental (ISA), uma das principais organizações não-governamentais do Brasil. Segundo ele, “a demissão dos coordenadores de inspeção do Ibama passa a mensagem de que o crime organizado é libertado na Amazônia e castiga aqueles que trabalham para combater Atividades ilegais.”

Um grande ponto em disputa quando se fala em operações de fiscalização ambiental é a destruição dos equipamentos apreendidos. A legislação brasileira permite que os inspetores queimem máquinas confiscadas de madeireiros e mineiros quando não é possível retirar o maquinário do local. Esse equipamento geralmente é caro e, portanto, sua destruição prejudica muito as organizações criminosas que destroem a floresta. É uma das poucas táticas que tem eficiência no combate ao crime ambiental. Entretanto, o presidente Bolsonaro a condena. Em 2019, a destruição de equipamentos apreendidos caiu pela metade em comparação com o ano anterior.

Muitos dos recentes contratempos na política ambiental do Brasil podem ser explicados por um vídeo divulgado por ordem judicial em 22 de maio. O vídeo mostra uma reunião entre Bolsonaro e seus ministros um mês antes, na qual o ministro do Meio Ambiente Salles sugere que o governo aproveite atenção da imprensa voltada para a pandemia para relaxar os regulamentos na Amazônia. 

A falta de vontade política em controlar os crimes ambientais não apenas ameaça a floresta. Também aumenta a vulnerabilidade dos povos indígenas e comunidades tradicionais ao Covid-19. Um estudo recente descobriu que as terras indígenas que não são formalmente demarcadas permitem a entrada de intrusos com muito mais facilidade, impedindo que essas comunidades se isolem da doença. Dos 1.005 casos de Covid-19 confirmados entre os indígenas que vivem no país, ocorreram 44 mortes, sendo 41 na Amazônia, região com menor número de unidades de terapia intensiva no Brasil.

A Amazônia brasileira pode estar às vésperas de uma catástrofe. O Covid-19 pode dizimar comunidades indígenas, enquanto a resposta do governo abre caminho para os aproveitadores degradarem ainda mais suas terras e a floresta. O legado de Bolsonaro pode ser, além de um dos mais altos números de mortes mundiais durante a pandemia, também um ponto sem retorno para a destruição da Amazônia.

Brian Garvey recebe financiamento do ESRC Global Challenges Research Fund e do Scottish Funding Council Global Challenges Research Fund.

Mauricio Torres não trabalha ou possui ações, ou recebe financiamento de qualquer empresa, ou organização que se beneficiaria com este artigo e não divulgou afiliações relevantes além de sua nomeação acadêmica.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Brian Garvey

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