Bastou que duas ou três personagens da direita chilena, incluído o presidente Sebastián Piñera, pusessem em dúvida a realização do plebiscito constitucional em outubro, com o pretexto da peste da Covid-19, para que instantaneamente a rua respondesse reativando os protestos; na noite do dia 27 houve “mais de 20 eventos graves”, entendam-se incidentes, enfrentamentos e barricadas, admitiu o próprio governo.
A nova explosão ocorre em bairros de Santiago e de cidades como Concepción, Antofagasta, Iquique e Valparaíso, com os manifestantes regressando à Praça Dignidade, simbólico epicentro dos protestos. E cresce tanto pela provocação da mensagem oficial como pelas sequelas da pandemia: centenas de milhares desempregados e destruição de pequenas empresas. A polícia reprime os atos, sem contemplações e assim continuará sendo, prometeu o subsecretário do Interior, Juan Francisco Galli.
“O que faz o governo é que a reação policial é imediata para conter essas desordens e são detidas aquelas pessoas que estão participando e são sujeitas a ações judiciais. Foram detidas mais de 70 pessoas e vamos processar pelo menos 16”, disse.
Twitter / Carnegie Endowment
"O governo cometeu um grande erro ao incluir na discussão pública a possibilidade de adiar novamente o plebiscito constitucional
Representativo da impunidade que a polícia parece sentir, na noite de segunda-feira dois carabineiros sem farda e bêbados, dispararam desde um carro contra uma multidão na comuna de La Florida, em Santiago, deixando dez feridos a bala. Os carabineiros foram punidos. Mas há múltiplos exemplos de abuso, como na cidade de Iquique, onde efetivos entraram sem ordem judicial em uns apartamentos de cidadãos modestos para prender manifestantes.
“O governo cometeu um grande erro ao incluir na discussão pública a possibilidade de adiar novamente o plebiscito constitucional. Isso reavivou a rua, pois se interpreta como um recurso ilegítimo para torcer a vontade política de mudança da Constituição. Embora as razões sanitárias sejam válidas, é muito cedo para começar a especular sobre a evolução do vírus daqui até fins de agosto, data de início do propaganda para o plebiscito”, diz o analista Mauricio Morales, cientista político da Universidade de Talca.
“A rua está comunicando ao governo que o descontentamento continua vigente e que embora haja emergência sanitária, as manifestações vão ser reativadas. Por isso se está respondendo com maior força. Agem sob a crença de que um governo enérgico em coexistência com uma emergência sanitária, será efetivo, aplacando de maneira definitiva o movimento. Piñera se tomou uma foto na Praça Itália (Dignidade) em meio à crise sanitária e agora desliza a possibilidade de adiar o plebiscito. Ambas as coisas podem ser interpretadas como uma provocação”, adverte Morales.
Também faz ver que enquanto Piñera clama por uma nova normalidade para que a recessão não se aprofunde, o retorno às atividades supõe a livre expressão, o que inclui aceitar as manifestações. “A única estratégia viável para o governo consiste em dizer que a nova normalidade requer o compromisso dos cidadãos de respeitar as regras de convivência, mas na minha opinião é inevitável que essa nova normalidade também traga consigo um rebrote do mal-estar, que poderia ser ainda maior em um contexto de crise econômica”.
A direita “dura” está disposta a fazer fracassar o plebiscito e o processo constitucional?
“Nunca estiveram a favor do plebiscito nem do processo constitucional. Além disso, sabem que a opção “aprovo” aparece como ganhadora em todas as pesquisas. Portanto, é compreensível que busquem todos os subterfúgios para fazer cair o plebiscito e evitar o debate constitucional. O problema para eles é que o plebiscito está regulamentado pela própria Constituição; embora possa ser postergado por razões sanitárias, será realizado de qualquer modo”.
Aldo Anfossi, Especial para La Jornada, desde Santiago do Chile
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Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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