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ToggleHá duas semanas, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, deu uma coletiva de imprensa onde enfrentou o inimigo mais poderoso da quarentena que decretou há um mês: os grandes empresários do país. “Bem, muchachos: chegou sua hora de ganhar menos”, disparou.
Dias depois, chamou de “miseráveis” os empresários que demitiram trabalhadores em meio à pandemia de coronavírus, como a construtora Techint, que, no início do mês, deu um pé na bunda de 1500 operários, mesmo com o decreto presidencial proibindo demissões por 60 dias.
Cómo dije en el G20, nadie se salva solo. Hay que ser solidario, ponerse en el lugar del otro y ayudarlo. Algunos miserables olvidan a quienes trabajan para ellos y en la crisis los despiden. A esos miserables les habló @Pontifex_es. Ahora les digo yo que no dejaré que lo hagan. pic.twitter.com/IfjTB45t6I
— Alberto Fernández (@alferdez) March 29, 2020
Enquanto Jair Bolsonaro ataca governadores e prefeitos por manterem o povo em isolamento social, se precavendo da contaminação em massa, e arrega diante dos empresários sanguessugas, Fernández decidiu fazer o caminho oposto e peitá-los abertamente.
O presidente argentino inclusive criticou e lamentou que o governo brasileiro não leve a pandemia a sério, temendo que o vizinho possa se tornar uma nova Itália. Ao priorizar a vida em vez da economia, Fernández se tornou a antítese do “racista, homofóbico e violento” que governa o país ao lado.
Twitter Oficial Alberto Fernández / Reprodução
A quarentena e seus resultados têm impulsionado a popularidade do presidente, cuja imagem positiva alcançou 94%, um recorde
Diferenças entre a Fernández e Bolsonaro
A quarentena rígida decretada na Argentina, ao contrário, tem levado o país a receber elogios da OMS e da imprensa internacional. Embora possua quase 45 milhões de habitantes, pouco mais de um quinto da população brasileira, a Argentina possui 20 vezes menos vítimas fatais de Covid-19: 166 argentinos morreram, contra 3408 brasileiros.
Enquanto o Brasil é o 11º país em número total de casos, nossos hermanos aparecem em 43º, bem abaixo, por exemplo, do Equador, que tem uma população bem menor: a Argentina tem 3.423 casos para 45,9 milhões de habitantes, e o Equador, 11183 casos, com 17,1 milhões de população.
“A Argentina tem evitado o tipo de catástrofe que está acontecendo em países como o Equador, onde os corpos se empilham nas ruas de Guayaquil, e do Brasil, cujo presidente agora encara pedidos de impeachment por seu negacionismo homicida. Mais recentemente, Fernández encorajou o congresso a aprovar o imposto sobre grandes fortunas, uma resposta aos pedidos da oposição para que os membros do governo reduzam seus salários em 30%”, publicou a revista estadunidense The Nation no artigo “A Argentina mostra ao mundo como é uma resposta humanista ao Covid-19”.
A quarentena e seus resultados têm impulsionado a popularidade do presidente, cuja imagem positiva alcançou 94%, um recorde. Mas, com a cumplicidade da mídia corporativa, os empresários gananciosos não param de criticar o isolamento, insistindo em priorizar a economia.
A Argentina não é a Itália, alerta Fernández
Um dos alvos diletos de Alberto Fernández tem sido justamente o CEO da Techint, Paolo Rocca, o homem mais rico da Argentina. “Você ganhou tanto dinheiro em sua vida, tem uma fortuna que o coloca entre os maiores milionários do mundo. Irmão, desta vez colabore e faça isso com aqueles que fizeram sua empresa excelente, que são os trabalhadores”, exigiu o presidente.
Não por coincidência, a família Rocca, que tem negócios na Itália, também participou naquele país do movimento desastrado pelo fim da quarentena. Gianfelice Rocca, proprietário da empresa Tenaris e irmão de Paolo, promoveu, com outros empresários, as campanhas “Lombardia non se ferma” e “Bergamo não para” em fevereiro, com o apoio dos prefeitos de Bergamo e Milão, que apoiou simultaneamente a campanha “Milano non se ferma”.
Naquela data, a Itália ainda possuía 650 casos e 17 mortes. Das 25.969 mortes registradas hoje em todo o país, mais de 11 mil ocorreram na Lombardia, o que levou o prefeito de Milão, Giuseppe Sala, a reconhecer que havia cometido um “erro” ao relaxar a quarentena.
Tentativas de desestabilização versus apoio popular
Diante da tentativa de desestabilizar o governo por parte do setor “produtivo”, é até retorcido e macabro tentar copiar o modelo italiano, já que eles se tornaram são apenas responsáveis pela morte de milhares de pessoas, como também pelo fato de que a economia italiana está em colapso por tempo indeterminado. Em outras palavras, não salvaram nem as pessoas, nem a economia, muito pelo contrário. Fernández contesta esta estratégia: “Uma economia que cai sempre volta a se levantar, mas uma vida que acaba não se levanta”. E mais: “Prefiro que 10% das pessoas fiquem mais pobres e para não ter 100 mil mortos”.
O presidente argentino tem muito claro que, por mais que seja atacado sem piedade pelo establishment econômico/midiático, possui a seu lado a força mais poderosa: a do povo. Até os setores anti-peronistas apoiam as medidas tomadas pelo presidente.
Imposto sobre grande fortunas e 70 outras medidas
O novo objetivo do governo, de taxar as grandes fortunas, também é aplaudido pela população.
Nesta segunda, 20 de abril, completou um mês desde que a quarentena obrigatória foi implementada. Em 31 de março, a quarentena obrigatória foi prorrogada até 12 de abril e agora até 26 de abril, mas, como as previsões de pico do vírus apontam para a segunda quinzena de maio, essa medida certamente durará pelo menos até o mês de junho. Desde que a OMS declarou o coronavírus como uma pandemia, o governo tomou 70 medidas extraordinárias para cuidar da saúde e da economia do povo argentino. Algumas das medidas são adicionais às anunciadas em março, sempre com o foco de proteção social aos mais pobres.
– Ampliação do Programa de Assistência de Emergência ao Trabalho e Produção (o governo pagará o 50% dos salários do setor privado)
– Criação do Fundo de Desenvolvimento para espaços culturais
– Programa para a Emergência Financeira Provincial
– Cobertura médica para meninas e meninos nascidos a partir de 20 de fevereiro
– Eliminação de impostos de importação para insumos críticos
– Prorrogação da suspensão da cobrança de pedágio
– Programa de Assistência Emergencial à Obra e Produção
– Programa de apoio ao sistema produtivo na área de insumos, equipamentos e tecnologia da saúde
– Proibição de demissões e suspensões por 60 dias
– Criação do Fundo de Garantia para Micro, Pequenas e Médias Empresas
– Congelamento temporário de aluguéis e suspensão de despejos
– Pagamento extraordinário para pessoal de segurança e defesa de $5.000
– Prorrogação do vencimento da dívida para PMEs e Micro PMEs
– Pagamento extraordinário para pessoal de saúde de 5 mil pesos de abril a julho
– Créditos para pequenas e médias empresas condicionado ao pagamento de salários
– Suspensão temporária de cortes de serviços devido à falta de pagamento
– Renda familiar de emergência de 10 mil pesos a cerca de 11 milhões de pessoas, ¼ da população
Além destas, há as medidas pré-pandêmicas, como o Cartão Alimentação de 4 mil pesos para os pais com um filho e de 6 mil para os que têm mais filhos. A medida beneficia 2 milhões de crianças. E também os 170 medicamentos que se tornaram gratuitos, atingindo 5 milhões de aposentados a desfrutar desse benefício.
Relações com a China e os carentes como prioridade
Em um acontecimento sem precedentes, a Aerolineas Argentinas fez seu primeiro voo para a China para buscar 13 mil toneladas de equipamentos médicos. O segundo voo trouxe 14 toneladas e o terceiro está a caminho. Serão 10 voos no total. As relações com o gigante asiático são mais que saudáveis e já chegaram à Argentina três remessas de equipamentos, a última com a mensagem: “Que os irmãos se unam, porque essa é a primeira lei”, frase do Martín Fierro, clássico da literatura argentina.
Llegó un avión desde la República Popular China con donaciones de insumos médicos y sanitarios. Las cajas decían: “Los hermanos sean unidos porque esa es la ley primera. Tengan unión verdadera en cualquier tiempo que sea.” ?????
Gracias por su solidaridad.
Nadie se salva solo. pic.twitter.com/Ozc9bSFA0i— Felipe Solá (@felipe_sola) April 13, 2020
Ninguém pode negar que o governo argentino está fazendo algo extraordinário, embora surjam problemas e se aja contra o relógio para atender todas as frentes. A prioridade são os setores mais carentes, como também grande parte da classe média que não gera renda ou pequenos e médios comerciantes que temem a falência.
O número de vítimas pode até ser maior devido à falta de testes, mas há um detalhe importante que mostra que o sistema não está sobrecarregado: nenhuma cidade do país mostra sinais de estar perto de um colapso sanitário. Portanto, a quarentena imposta consegue ganhar um tempo valioso, antes de atingir o pico mais alto sem transbordar.
As cidades estão se preparando com leitos e equipamentos, e o Exército se encarrega de distribuir alimentos nos lugares mais desprotegidos. A partir do 20 de abril o uso de máscaras passou a ser obrigatório em toda a província de Buenos Aires (a mais afetada) e há fortes multas para quem não cumpra as regras.
Quedate en casa. pic.twitter.com/oi9MD0HX4U
— Casa Rosada (@CasaRosada) April 18, 2020
O governo argentino incentiva desde o primeiro dia que a única forma de evitar o contágio conhecida e real até o momento é o isolamento social. Nenhum funcionário, do presidente para baixo, nem sequer citou a cloroquina como alternativa. Enquanto isso, o “mito”, como o presidente brasileiro foi apelidado por seus seguidores, é chamado constantemente de “o imbecil do Bolsonaro” por parte do jornalismo argentino.
Martín Fernández Lorenzo, engenheiro de tecnologia de dados
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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