No dia 9 de abril, os palestinos relembram com dor e pesar o massacre na aldeia Deir Yassin, a oeste de Jerusalém, ocorrido em 1948, quando forças judaicas sionistas formadas por dois grupos extremistas – o Irgun (Organização Militar Nacional) e o Lehi (Lutadores pela Liberdade de Israel, também conhecido como Stern Gang), descritos como grupos “terroristas judeus” atacaram a aldeia. Eram 120 terroristas atirando em pessoas que circulavam nas ruas e jogando granadas nas casas e prédios, matando muitos dos moradores. Os que sobreviveram contam que viram as tropas de Irgun e Lehi saqueando casas e cadáveres.
Trata-se de um dos massacres mais violentos e sangrentos promovido pelos sionistas. O resultado foi mais de 200 mortos, incluindo homens, mulheres, crianças e idosos. Com relatos de mutilações, estupros e sobreviventes sendo exibidos em bairros judeus antes de serem sumariamente executados. Em suas memórias pessoais, publicadas em 1950, o chefe do comitê internacional da delegação da Cruz Vermelha, Jacques de Reynier, conta ter visto os corpos de mais de 200 homens, mulheres e crianças mortos: “[Um corpo era] uma mulher que devia estar grávida de oito meses, atingida no estômago, com queimaduras, o vestido indicando que ela levou um tiro à queima-roupa…”.
Para palestinos e comunidades judaicas vizinhas desta aldeia a convivência sempre foi pacífica, principalmente com a comunidade ortodoxa de Givat Shaul. Deir Yassin na época tinha em torno de 400 pessoas que assinaram um pacto de não agressão e foram excluídas de confrontos em outros lugares. Há relatos que moradores da comunidade judaica de Givat Shaul ajudaram a proteger habitantes de Deir Yassin, comprovando o bom relacionamento entre as duas aldeias. O sionismo não considera a união entre palestinos e judeus, eles querem o genocídio do povo palestino. Para os sionistas, há mais de 70 anos, o que importa é a limpeza étnica, e não a boa convivência que existia antes que eles ocupassem a Palestina histórica.
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O resultado foi mais de 200 mortos, incluindo homens, mulheres, crianças e idosos.
Para nossa reflexão, retomo a pergunta de Primo Levi (2016): “Fomos capazes, nós sobreviventes, de compreender e de fazer compreender nossa experiência?” O autor se refere ao Holocausto, a barbaridade do século XX, mas é bom lembrar que os palestinos começaram a ser barbarizados logo depois do Holocausto e nunca mais teve fim o seu sofrimento. Será que o mundo compreende a violência sofrida pelos palestinos? Será que os palestinos estão se fazendo compreender? Será que o sofrimento que os destrói cotidianamente é lembrado por outros povos? Quanto sabemos dessa história de violação de direitos humanos? Quantas crianças, mulheres, homens e velhos precisam morrer para que o mundo ajude a por fim a essa barbárie contra um povo?
Importante lembrar as palavras de Judith Butler quando esteve no Brasil, para o lançamento do seu livro Caminhos Divergentes: “Em vez de afirmar que criticar Israel é antissemitismo, talvez seja mais importante saber que existem judeus que não consideram que o Estado de Israel os represente. Na verdade, a crítica é que o Estado de Israel deveria ser um estado democrático, tratando todos os cidadãos igualmente, independentemente de sua religião e etnicidade. Deveria ser um estado que dissolva a dominação colonial do povo palestino em Gaza e na Cisjordânia e que faz reparações honestas pelas desapropriações de cerca de 900 mil palestinos em 1948 e que ao longo dos anos se tornaram 5 milhões”.
Recontar aos leitores o massacre em uma aldeia Palestina, que marca a violência sobre um povo, é recontar a história para que jamais seja esquecida, e assim nos aproximar ainda mais do pensamento de Butler que propõe uma nova ética política, que não se ancore apenas na judaicidade, mas sim, que se configure em um diálogo democrático, considerando que é fundamental garantir os direitos dos palestinos ponto fim à violência cotidiana do Estado Sionista, só assim será possível garantir a coexistência entre os povos.
Referências
Butler, Judith. Caminhos divergentes – judaicidade e critica ao sionismo. São Paulo: Boitempo, 2017.
LEVI, P. Os afogados e os sobreviventes: Os delitos. Os castigos. As penas. As impunidades. Trad. Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2016
Francirosy Campos Barbosa Antropóloga, docente Associada ao Departamento de Psicologia da FFCLRP/USP, pós-doutora pela Universidade de Oxford, coordenadora do GRACIAS – Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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