Desde a criação do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do advento da Rio-92 (ambos no ano de 1992), o Brasil passou a adotar uma maior preocupação com a agenda ambiental internacional em relação aos anos anteriores, regidos pelo regime militar.
Neste cenário, a opinião pública esteve consciente dos problemas causados pelas devastações ambientais, sendo uma situação propícia para que o presidente Collor se distanciasse das políticas anteriores e ganhasse confiança interna e internacional em seu projeto neoliberal (VIOLA, 2002).
Uma das maiores dificuldades ambientais brasileiras ao longo de seu posicionamento tem sido em relação à mitigação do desmatamento da Amazônia.
Isso se deve principalmente a três fatores: a falta de habilidade na condução de instituições responsáveis (como o Ibama — Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o pensamento a curto prazo das elites brasileiras e o próprio crescimento pela demanda da madeira. Este último justifica a dependência do país de produtos primários, que está diretamente correlacionado ao crescimento econômico.
Agência Brasil / EBC
Em uma palestra na Heritage Foundation de Washington, Araújo afirmou que “não há catástrofe das mudanças climáticas"
No ano de 2000, o Brasil contribuía com cerca de 2,5% das emissões de carbono mundial, sendo que 75% destes se concentravam na agricultura tradicional e 25% na indústria e agricultura moderna (VIOLA, 2002).
Em 2018, 69% das emissões de carbono brasileiras se vinculavam às mudanças do uso da terra e à agropecuária (como ilustra a figura 1), o que demonstra a ainda dependência dos recursos primários (SEEG BRASIL, 2020).
Figura 1 – Setores de Emissão CO2 no Brasil
A passagem de um Brasil tradicional e marginalizado para um globalizado e moderno pressupõe o rompimento com o legado de mais de quatro séculos de queimadas e desmatamentos e com os interesses econômicos-sociais do país, sendo um grande paradoxo estrutural.
Segundo Viola (2002), os custos econômicos da redução das queimadas, do uso ineficiente da madeira e da conversão irracional da fronteira agrícola seriam relativamente pequenos. Para isso, seriam necessárias políticas sociais que revigorem a educação e a distribuição de terras e tecnologias; políticas de controle sobre as atividades madeireiras ineficientes e de incentivo para a sustentabilidade de tal prática; e a ação conjunta do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal e das Forças Armadas para fortalecer o Estado de Direito na Amazônia (VIOLA, 2002).
Entretanto, o que se vê na atual conjuntura governamental brasileira é o aumento das queimadas e do desmatamento da Amazônia. Em agosto de 2019, o governo de Jair Messias Bolsonaro foi severamente questionado pelos incêndios provocados na região, que aumentaram em 83% em relação a 2018 (OLIVEIRA, 2019).
Ambientalistas afirmam que a maioria dos incêndios foi ilegalmente provocado por especuladores de terra e fazendeiros que se veem encorajados pelo discurso anti-ambientalista de Bolsonaro e buscam expandir seus negócios na Amazônia (BOADLE, 2019a).
No marco da Amazônia Legal, o estado de Mato Grosso é o mais vulnerável, registrando 13.682 focos de incêndio em 2019 (aumento de 87%). Isso se deve principalmente às intensas atividades do agronegócio, destinadas às exportações de milho, soja e algodão (OLIVEIRA, 2019).
Mesmo sendo 2019 o ano de maior incidência do desmatamento da região amazônica desde 2010, Bolsonaro apresentou uma postura cética em relação aos dados fornecidos pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e pela NASA (Agência Espacial dos EUA) (PASSARINHO, 2019). Ademais, o presidente sugeriu que as ONGs fossem as responsáveis pelas “atividades criminosas” dos incêndios. Em suas palavras:
“Pode haver – não estou afirmando – uma ação criminosa dessas ONGs para chamar a atenção precisamente contra mim, contra o governo do Brasil. Esta é a guerra que enfrentamos. Faremos todo o possível e impossível (para) conter o fogo criminoso” (OLIVEIRA, 2019, s/p).
Na contramão, o governo de extrema-direita de Bolsonaro está minando as agências encarregadas pela proteção amazônica. Desde que assumiu o cargo, o Bolsonaro demonstrou aversão ao Ibama, que foi visto como um “impedimento ao desenvolvimento nacional” e teve seus recursos reduzidos em 25%. Dentre os recursos reduzidos, chama nossa atenção o destinados ao financiamento da prevenção e de controle de incêndios florestais, que registrou uma redução de 23% dos recursos orçamentários (SPRING; EISENHAMMER, 2019)
No que concerne às questões de política externa, também se percebe um descaso do governo Bolsonaro com as questões ambientais. Desde 1992 o Brasil tem sido escolhido para sediar eventos internacionais sob o âmbito da ONU, como a Rio-92 (1992) e a Rio+20 (2012). Durante a vigésima quinta reunião da Conferência das Partes (COP 25), cogitou-se a convocação do Brasil como sede do evento. Entretanto, a baixa presença das delegações e o desinteresse de Bolsonaro no tema fez com que não houvesse a procedência (PASSARINHO, 2019).
A política externa do governo Bolsonaro reflete o pensamento do Ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que enxerga as mudanças climáticas com um viés cético. Segundo o ministro, há falta de evidências científicas que comprovem as causas do aquecimento global e que este alarmismo é disseminado com fins políticos-ideológicos da causa conspiratória da Heritage Foundation esquerda contra o Brasil e os Estados Unidos, chamada climatismo. Em uma palestra na Heritage Foundation de Washington, Araújo diz em suas palavras: “não há catástrofe das mudanças climáticas. A partir do debate que está acontecendo, parece que o mundo está acabando” (BOADLE, 2019b; ALBUQUERQUE; IVES, 2019).
A aproximação brasileira com a Heritage Foundation (think tank conservadora estadunidense) pode ser problemática em questões de elevação da agenda de política externa ambiental do Brasil. A grande participação na disseminação do negacionismo climático durante as discussões que envolveram o Protocolo de Kyoto (1997) (MCCRIGHT; DUNLAP, 2003; JACQUES; DUNLAP; FREEMAN, 2008) e continua disseminando seus argumentos refratários ao Acordo de Paris (2016) (LORIS, 2016; RUSER, 2018). Ademais, muitas evidências apontam uma relação da Heritage Foundation com grandes companhias de petróleo como a ExxonMobil e a Koch Industries, sendo questionável seus argumentos pautados na não participação humana nas mudanças do clima ou da inexistência desta (DESMOG, s/d; BRULLE, 2014 GREENPEACE, 2017; CAMPAIGN AGAINST CLIMATE CHANGE, 2020).
A própria Heritage Foundation denomina Bolsonaro como o “Trump dos trópicos”: aquele que irá conduzir um governo sem taxas prejudiciais à economia brasileira. Segundo a visão do think tank, o Congresso e a Suprema Corte do Brasil ainda estão dominados por uma elite profunda ligada aos moldes socialistas que impedem as “ações libertadoras” de Bolsonaro. Dessa forma, o novo presidente brasileiro seria responsável por “fazer o Brasil bom de novo” (make Brazil great again) (ROBERTS, 2019), assim como Trump fez, descartando os mecanismos de regulação como o Acordo de Paris (VOLCOVICI, 2019).
No dia 26 de fevereiro deste ano, o deputado federal e filho de Jair Bolsonaro — Eduardo Bolsonaro — publicou fotos em seu twitter da visita feita no mesmo dia à Heritage Foundation. Na publicação, Eduardo diz que o think tank é o maior instituto conservador dos Estados Unidos e que este teria recebido também Ernesto Araújo e Damares Alves (atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos). Em suas palavras: “Conhecemos hoje a @HeritageFoundation, o maior instituto (‘think tank’) conservador dos EUA e provavelmente do mundo, cuja história se confunde com a de Ronald Reagan” (BOLSONARO, 2020, s/p).
A identificação do governo Bolsonaro com o negacionismo climático e com o pensamento da extrema-direita norte-americana pode guinar as políticas internas e externas ambientais do Brasil rumo à intensificação do descaso com o meio ambiente. Como consequência, tem-se a perda da legitimidade brasileira em relação aos compromissos ambientais no plano internacional, podendo ocasionar entraves em negociações como a questão do acordo entre Mercosul e União Europeia (FAHY; BACZYNSKA, 2019). Se o Brasil em algum momento se preocupou em superar a característica tradicional do uso intenso e insustentável de seus recursos naturais, o atual governo parece estar regredindo as implementações políticas feitas por governos anteriores.
Leonardo Alexandre dos Santos é colaborador da Diálogos do Sul
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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